Blog Eduardo O. Carvalho

O grito do silêncio

    “Ser amaldiçoado é saber que tua fala não pode ter eco, porque não há ouvidos que te entendam. Nisso se assemelha à loucura”.                                                                               Rosa Monteiro     “É impossível conviver com a realidade sem um mecanismo de fuga”.                                                                                 Freud Foto; Inzmam Khan                                                     Há quem diga que nosso maior mal é sabermos coisas demais; que morremos, caminhando para a morte a cada dia pela inevitável deterioração do corpo, que somos frágeis demais diante da natureza sempre insana e caótica. Que sentimentos que gostaríamos que durassem a vida toda podem terminar a qualquer momento, sem que nada possa ter feito para isso e que pessoas importantes em nossas vidas nunca tem prazo de permanência e mais outras tantas inseguranças em todos os aspectos.                                                    O que fazemos com tudo isso? Pensamos, imaginamos possibilidades, sofremos pelo que pode acontecer mais pelo que realmente ocorre. Somos atormentados pelo descontrole que se passa em nossa cabeça, invadida por pensamentos e desejos que parecem(?) não serem nossos, ou da ideia que temos de nós.                                                    Angústia.                                                    Disfarçada de desejo, a angústia (soma dos nossos medos), nos ilude dizendo que poderá ir embora se algo acontecer, ou pior, se for comprado. Toda uma

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O fim da Teleologia*

“A mente encontra mistérios porque busca por instinto um objetivo e uma finalidade para toda coisa. Parece que lhe é proibido conceber as coisas tais como são – pelo menos tais como se mostram.”                                                                           Paul Valery Para a Teleologia tudo tem um fim, tudo ruma para um fim e esse fim é resultado de uma trama inteligente, que sabe onde tudo vai terminar e por que, além de saber tudo que acontecerá. Discutir esse assunto é uma ofensa, afinal essa “inteligência” tem um nome e todos os predicados já citados. Mesmo que pareça óbvio que a Teleologia não se sustenta diante da realidade, dizer que ela não existe é atacar as religiões, é dizer que não há, nunca houve ou haverá alguém por nós. Em outras palavras, é destruir a raiz de todas as superstições. Spinoza e Nietzsche enfrentaram essa questão com o preço que paga quem ousa discutir o estabelecido e, principalmente, a quem interessa que se pense assim. Para não deixar esse texto longo, me deterei nas razões de Spinoza para negar a tese Teleológica, deixando a visão de Nietzsche (que tem vários pontos comuns), para outro momento. Ao aceitarmos que as coisas “são assim”, que tudo

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FE.LI.CI.DA.DE

“O maior pecado que um homem pode cometer é não ter sido feliz!”                                                        Jorge Luiz Borges A proposta desse texto, não é, necessariamente, trazer uma definição única do que seja “Felicidade”, mas, antes de tudo, fazer uma reflexão sobre como entendemos essa palavra e sua íntima relação com uma série de ideias gerais e pré-definidas que trazem mais frustração do que a palavra em si promete e do que esperamos culturalmente que signifique “ser feliz”. Ser feliz é individual, como o DNA. Para começar, não é comum percebermos a felicidade quando ela acontece, justamente por não sabermos exatamente o que seja. Normalmente percebemos que tivemos um momento feliz ou fomos felizes, ou seja, depois que aconteceu. Nosso estado de insatisfação permanente obscurece o momento feliz quando está sendo vivenciado, pela nossa ideia de felicidade ser idealizada. Assim, é mais comum a felicidade ser lembrada como algo que ocorreu, temperada pela melancolia de não só ter passado sem que notássemos, mas por já não existir mais. Buscando tentar uma primeira ideia simplista, a felicidade é um momento “puro” que não é atravessado ou contaminado pelos nossos medos, carências e angústias corriqueiras. Poderíamos dizer, portanto, que a felicidade é a ausência

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Looping

Não saber aonde ir, há algum lugar para ir? Se houver, não há escolha, está definido. Se não houver, o fim é obrigatório. Um dia serei expulso, não me perguntarão se quero ficar. Quando decido ir por minha conta, sem saber para onde, também estou errado. Até morrer é obediência! Não posso escolher continuar, não posso escolher ir embora pois depois não sei onde vou chegar, se chegar! Se pecado é querer escolher, submissão é virtude. O paraíso cobra grilhões, dor e esperança. Sísifo esteve lá e quis voltar, ninguém tem esse direito. Pagou o preço de uma vida sem sentido! Precisou conhecer dois mundos para perceber o que nunca percebemos, justamente por acreditar que o sentido sempre está onde não estamos e que, portanto, só podemos imaginar. Descobriu a cada subida que o sentido é a falta de sentido. Se faço o que quero, sou escravo do que quero. Se faço o que não quero, sou escravo do que “deve ser feito”. Se existir mesmo outra estrada, começa onde essa termina. Também não há lugar para chegar. Estradas não conectam nada, levam de uma falta de sentido para outro. Se não há nada concreto, o que sobra? A paisagem

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Pérolas

A mesa estava posta, música suave e, é claro, meia luz. No balcão que fica ao lado da mesa de jantar uma foto do casal na cerimônia de casamento, em preto em branco, com as bordas desgastadas pelo tempo aparecendo rente à moldura. A comemoração das bodas de trinta anos, que como todas é irrepetível, ganha ares de maior importância pelas três décadas, já que números redondos são ciclos e parecem mais importantes que datas ditas quebradas. No balde de gelo duas garrafas de espumante cara deixava claro a relevância da data e era o símbolo mais significativo da comemoração. Como de hábito, o marido usava terno mesmo estando em casa, era uma reverência solene, enquanto ela que havia recém chegada do trabalho não teve o tempo necessário para preparar-se como queria, já que precisaria de horas não disponíveis. Nesse nosso tempo, a vida e os costumes mudaram e o jantar pedido pelo delivery é uma concessão inevitável. Enquanto ela sentava a mesa, se desculpando por não estar vestida como queria, o marido maneou a cabeça e disse que o importante era a comemoração e emendou: – Trinta anos é muito tempo, estamos de parabéns! Para mim, é como se

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O Som do Mundo

Abri a única janela da casinha alugada para o fim de semana. Realmente não precisava outra. Era grande e antiga, e o que se via através dela poderia facilmente ser comparada a uma pintura realista da segunda metade do século XIX. Estava no alto e via-se abaixo uma grande extensão de terra. Ao centro, um pequeno lago rodeado de árvores. Sobre ele uma pequena névoa, característica das manhãs de outono. O sol nascia ao fundo fazendo brilhar o verde da extensa mata, a água ganhava uma prata brilhante na superfície e a névoa parecia algo de outro mundo, um suave algodão que se desmanchava a cada grau da temperatura que subia. Depois do café, uma rede ao lado da janela convidava para um descanso aquecido. A carinhosa anfitriã trouxe um pote com fruta da época para fazer a espera do almoço passar desapercebida. O livro, companhia da manhã seria sobre Sartre; nossa angústia nas escolhas de quem é determinado pela vida, livre para assumir seus desejos e erros e, é claro, lamentá-los, quando o resultado decepciona.  O “nada” do Existencialismo encanta com sua orfandade de destinos traçados e ausência de forças superiores a quem recorrer. Ser por si, nada que

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