O grito do silêncio

    “Ser amaldiçoado é saber que tua fala não pode ter eco, porque não há ouvidos que te entendam. Nisso se assemelha à loucura”.

                                                                              Rosa Monteiro

    “É impossível conviver com a realidade sem um mecanismo de fuga”.

                                                                                Freud

Foto; Inzmam Khan

                                                    Há quem diga que nosso maior mal é sabermos coisas demais; que morremos, caminhando para a morte a cada dia pela inevitável deterioração do corpo, que somos frágeis demais diante da natureza sempre insana e caótica. Que sentimentos que gostaríamos que durassem a vida toda podem terminar a qualquer momento, sem que nada possa ter feito para isso e que pessoas importantes em nossas vidas nunca tem prazo de permanência e mais outras tantas inseguranças em todos os aspectos.

                                                   O que fazemos com tudo isso? Pensamos, imaginamos possibilidades, sofremos pelo que pode acontecer mais pelo que realmente ocorre. Somos atormentados pelo descontrole que se passa em nossa cabeça, invadida por pensamentos e desejos que parecem(?) não serem nossos, ou da ideia que temos de nós.

                                                   Angústia.

                                                   Disfarçada de desejo, a angústia (soma dos nossos medos), nos ilude dizendo que poderá ir embora se algo acontecer, ou pior, se for comprado. Toda uma cultura subsiste desse sofrimento, conforme já escrevi em textos anteriores. O fim da angústia é sempre uma falta, por isso lutamos e esperamos. Como lidamos com isso, com nossos pensamentos e medos que nossa mente transforma em imagens de um futuro de dor ou em vídeos retro de um passado que gostaríamos de poder recontar?

                                                   Pensamos muita coisa para poder conviver com a incerteza na tentativa desesperada de poder encontrar uma saída que ofereça conforto. Mas que conforto? Uma certeza das previsões ruins não se realizarem, mas mesmo que conseguíssemos, o que faríamos com a morte?

                                                    Queremos entender, queremos viver para que a morte seja esquecida. Se Epicuro estiver certo, vida e morte nunca se encontram e não há o que temer e sentir-se vivo é nosso antídoto.  Odiamos as rotinas pois elas são a ampulheta por onde vemos escorrer na areia nossos poucos dias. Se nos iludem que temos algum controle, é também a antessala das limitações, perdas e dores que o tempo inevitavelmente trará. Quem sabe uma vida sem rotinas com novidades diárias? Nunca esqueça que o medo sempre fala do desconhecido, do que não conseguimos imaginar ter algum controle. Se rotina, portanto, diminui o medo com a falsa sensação de previsibilidade, novidades (mudanças) diárias nos assombrariam. E agora?

                                                    Como queremos entender, somos sufocados por pensamentos que temos medo de compartilhar e esse medo vem de querermos controlar (sempre isso), o que pensam a nosso respeito. Nossa imagem será uma pequena marca que podemos deixar nos outros, mesmo que não seja tão verdadeira assim. Se existimos no olhar do outro, que seja uma boa visão, pelo menos. Mas esses pensamentos profundos, que nunca compartilhamos, até por não os entendermos direito, não levam isso em conta, e, por não serem expressos e metabolizados se tornam algo que precisa sair de nós, para não nos envenenarmos de medo e sofrimento. Freud está certo!

                                                      Não podemos dizer o que pensamos, não podemos fazer o que queremos em um cerco que se fecha rapidamente.  Tudo começa quando temos nosso primeiro desejo e precisamos negociar com o mundo para obtê-lo.

                                                      Se pudéssemos conversar, trocar e perceber que não estamos sós, que esse tormento é de todos que pensam e veem a vida sem preenchimentos ilusórios? Nunca teremos respostas, nunca saberemos e como conviver com isso?

                                                       Sentir-se “louco” é sentir-se só, apartado, alucinando internamente em um mundo em que nos sentimos totalmente sós. Historicamente os loucos são retirados do convívio e como nos conta Foucault em seu livro obrigatório “A História da Loucura” ser louco é ser diferente, é agir e falar o que muitos querem, mas tem medo. Buscamos como Diógenes, um homem com quem conversar e compartilhar nossa loucura. Ser louco não é estar errado, ninguém nunca está, se cada um tem seu mundo. Mas ser diferente, ver outro mundo, mas principalmente, sentir-se fora do mundo onde estão os outros.  Cabe lembrar que, se todos enlouquecessem o louco seria o são.

                                                         Comemos e bebemos exageradamente, geramos compulsões demais para esquecer nossa loucura que é nossa verdade. A solidão mais profunda é nossa lucidez, aquela que ninguém quer ver, nem nós. Procuramos alguém para nos relacionarmos afetivamente ou uma amizade para podermos compartilhar e nem sempre conseguimos, por termos preconceito contra nós, afinal, o senso comum é régua para todos e ninguém está verdadeiramente nela, mas temos medo da exclusão, como os loucos. Nos comparamos com esse modelo idealizado e doente, que regula e separa os loucos dos normais. Na verdade, somos todos loucos que precisamos parecer normais e daí vem todo o sofrimento, até que um rompimento surja, descontrolado pela repressão.

                                                             Ansiedade, pânico, a somatização que destrói o corpo internamente é não aceitar, pela normatização, que sempre estivemos sós, que nunca podemos nos expressar e sem perceber procuramos externamente os culpados e as soluções pela dor de nunca poder Ser.

                                                           Estamos inexoravelmente abandonados à nossa loucura. O mundo é percebido individualmente pela natureza irrepetível, o que vemos só nós vemos, e procuramos quem veja os mesmos culpados e as mesmas soluções. Se loucura é solidão, alucinar junto é uma espécie de verdade.

                                                           A necessidade da padronização do diferente atende a definição Cartesiana da verdade, como algo que seja fruto de um acordo, porém todos os acordos visam algum interesse; no caso da civilização, a convivência possível dos diferentes que usam o uniforme dos costumes vigentes.

                                                           Não são só os policiais, estudantes e trabalhadores que usam uniformes para parecerem todos iguais, escondendo suas diferenças, é uma metáfora que serve para todos. A grande mentira: somos todos iguais, ou “irmãos”!

                                                             A  globalização está cada vez mais insuportável pois agora o mundo pensa e age igual, o “sucesso” em qualquer lugar tem os mesmos símbolos, assim como os remédios psiquiátricos tratam as dores orientais e ocidentais da mesma forma.

                                                              Nunca tantas pessoas estão pensando em sair da vida, dos mais jovens até os de meia idade. O mundo está cada vez mais insuportável, pois não há mais lugar para a loucura de viver individualmente.

                                                                Quando, ao invés de ensinar matemática ou química, vamos falar da loucura, da angústia, da morte e da vida? Dessa sombra que nos segue o tempo todo cada vez que não conseguimos escapar dos nossos pensamentos?

                                                                   Por mais que alguém “chegue lá” e seja um sucesso, nunca escapará de si próprio, das perguntas sobre o medo e da história que sempre só saberemos a metade e que, parece, nunca tem um final feliz justamente por nunca terminar. O descanso ou a paz é aceitar que nunca saberemos tudo, que sempre teremos um mundo só nosso e que a falta de lógica e sentido é muito mais um charme da vida do que algo que valha a pena ficar preocupado.

Se loucos todos somos pela nossa individualidade,  podemos dizer que nos dividimos em dois grupos; os loucos que preenchem os espaços vazios da razão com as superstições,  que vendem explicações  normalmente impossíveis da razão aceitar, vivendo na esperança (sempre acompanhada do medo) que o improvável possa acontecer. Esse tipo de loucura dói mais, já que a razão mesmo deixada de lado, sussurra que o improvável nunca acontece.  De outro lado, temos o Louco, que vive sua solidão sabendo que as grandes perguntas nunca serão respondidas e entra em acordo com os limites da razão e vive sua vida sem esperanças do improvável. Sua luta sempre será fazer o melhor possível com sua vida com o que tem diante de si. Nada mais solitário que isso!

                                                                  Shopenhauer com sua lucida acidez, chegou bem perto quando disse: “Não nos deixar cair em tentação é o mesmo que dizer: não nos deixe ver como realmente somos!”

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