Um nome, um vazio

               “Somos indivíduos livres e nossa liberdade nos condena a tomarmos decisões durante toda nossa vida. Não existem valores ou regras eternas, a partir das quais podemos nos guiar. E isso torna mais importante nossas decisões, nossas escolhas”.

               “O homem está condenado a ser livre, condenado porque não criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz”.

                “Quando, alguma vez, a liberdade irrompe numa alma humana, os deuses deixam de poder seja o que for contra esse homem”.

                                                         Jean-Paul Sartre

Abordei em texto anterior (A Palavra e a Vida), que somos uma impermanência. Justamente por sermos o resultado dos nossos encontros e Abordei desencontros com mundo, de tudo que passamos e das experiências que tivemos, não há nada que nos pré-determine, ou usando uma palavra mais conhecida; não temos uma essência. Se ainda assim, o caro leitor quiser usar essa palavra, podemos dizer que nossa essência é liberdade. Essa é a condição da vida, sempre instável em um mundo de incertezas.

Uma das correntes filosóficas que mais aprecio é a “Existencialista”, que não só defende essa ideia, que não temos nada que nos preceda(essência), mas que vai mais a fundo e diz que nosso momento presente é sempre um “drama”, devido a essa liberdade, que termina sendo um fardo, já que traz toda a responsabilidade para nossos atos. É claro, que, somente nossos atos não escrevem nosso destino, já que tudo é impermanente, livre e imprevisível. Não basta só querermos, afinal todos querem alguma coisa o tempo todo e não dá para todos. Tudo acontece pela nossa liberdade de agir ou da ausência dela, o entrechoque de desejos e interesses de outras pessoas além das forças naturais, sempre fazem esse caminho até nossos sonhos ser muito diferente daquele que imaginamos em nossas visualizações criativas.

Assim, o que chamamos de “presente” ou “agora” sempre visto como a verdadeira realidade, onde está a felicidade (para os discípulos de Eckhart Tolle, por exemplo), para os existencialistas, é uma percepção de um certo “vazio” diante da vida e isso tem uma explicação bem simples de entender. O que chamamos de “momento presente” torna-se um vazio, justamente por ser um divisor de águas entre um passado conhecido e um futuro incerto. Se, por um lado, não sou mais o que já fui, seja uma lembrança agradável (nostalgia) ou por um ato que gerou sofrimento (culpa), também não sou o que busco ser, imaginando que quando for, serei mais feliz e terei mais paz que hoje, o que chamamos de “esperança”. O presente então é uma ausência, um “vazio” de ser, e isso para nossa mente que busca constantemente a estabilidade é muito sofrido e gera angústia.

É muito comum, como motivo de buscar a psicoterapia, querer entender essa sensação estranha, quando todos os fatores externos são indicativos de que tudo está bem, que não haveria motivos concretos para estar apresentando essa insatisfação. Se você gostou dessa reflexão, poderá entender o motivo das pessoas apresentarem estresse sem um motivo real. Na grande maioria das vezes, ninguém, por absoluta falta de conhecimento, consegue entender como uma sensação interna é tão contrária à realidade material.

O presente é uma insatisfação, um vácuo entre o que não sou mais e o que quero ser. E aí, entra a liberdade que, segundo Sartre, o mais proeminente dos Existencialistas, é um fardo e não algo positivo. Esse “presente” entre os estados passados e futuros é o momento da ação livre, justamente para buscarmos o que queremos ser. Então por que essa liberdade é um fardo? Porque se errarmos na ação livre o resultado da nossa eventual infelicidade será somente obra nossa. Não haverá nenhum Deus ou carma para explicar nosso erro. Ser livre, realmente, não é fácil, é muita responsabilidade!

Portanto, se acontecer de você estar sentindo esse “vazio” sem motivo, é por ter se dado conta conscientemente (agora que já sabe), que se percebeu nesse hiato existencial entre o que já foi e o que ainda será.

Quando ele não está presente?

Quando estamos vivendo intensamente, seja por uma situação que nos afeta, seja quando estamos em desenvolvimento, buscando sonhos e realizando desejos. Nessa hora, estamos tão “ocupados” que não nos damos conta.

Mas, podemos ir além e aproveitar mais dessa visão:

Por trás dessa ideia temos uma outra questão a ser discutida; o que chamamos de “identidade”. Ora, o próprio conceito de identidade traz em si a ideia de permanência, de algo parado no tempo, a identidade diz quem sou o tempo todo. Vale para o documento, onde precisamos mudar a foto, vez por outra e nos damos conta da mudança física, mantendo sempre o nome e o número, mas e na vida?

Na vida, se tudo é impermanente, se o mundo nos muda o tempo todo, se vivo esse permanente vazio entre o passado e o futuro, qualquer ideia de identidade é um erro, ou, impraticável na realidade. Vivemos esse paradoxo; de um lado nos percebemos em constante instabilidade e de outro, nossa mente precisa da segurança de sermos algo estável, que forneça segurança na busca de sobrevivência! Também fazemos isso com quem convive conosco, onde a mudança do outro me traz ansiedade de não mais prever seus pensamentos e ações.

A que conclusão chegamos?

Que toda a verdade é sempre um instante, não algo que possa permanecer.

Como conviver com isso, já que verdades duradouras são tão necessárias para nos sentirmos bem?

Entendendo!

Dessa forma, só para dar um exemplo nos relacionamentos afetivos, o sentimento é uma verdade do instante, que pode ser hoje, amanhã e daqui a anos, mas sempre diferente, enquanto o compromisso é um ato moral, por dar a um instante uma duração e permanência “eterna”. Por isso, jamais pergunte o motivo de um sentimento mudar. Era verdade quando foi expresso e não era mais no segundo momento por que tudo que é vivo nunca permanece estável.

Da mesma forma, cobramos de nós mesmos uma identidade, por pensarmos que somos os mesmos, só por usarmos o mesmo nome uma vinda inteira, nos assustamos com nossas emoções, pensamentos e ações contraditórias, verdadeiras a cada instante!

Também dá para entender, a partir desses conceitos, o motivo de nossas expectativas sempre terem uma grande probabilidade de se tornarem frustrações. As criamos diante de um instante onde vemos alguém ou determinada situação. A expectativa congela esse instante, o torna definitivo e, a partir dele, fazemos nossas projeções. Mas como nada permanece ou deixa de mudar…

Assim, o que pensamos e fazemos não tem nada a ver com alguém que somos, mas com quem esta “sendo” a cada segundo!

Essa impermanência que no fim é nossa liberdade, por não a entendermos, termina nos aprisionando.

Nada mais contraditório, assim como nós.

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