Ser Estoico

“Viver é aprender a morrer”.

                      Sêneca

“Querias ser livre? Para essa liberdade, só há um caminho: o desprezo das coisas que não dependem de nós”.

                      Epicteto

“Pratica cada um dos teus atos como se fosse o último da tua vida”.

                       Marco Aurélio

Ser estoico é viver de acordo com a natureza, mas não do jeito que podemos pensar apressadamente. Esse “viver de acordo” é ter um olhar realista para a vida, não de submissão, mas de entendimento. É abandonar as fantasias de um mundo que tenha algum sentimento, sentido, ou seja, de um jeito que possa ser explicado. O estoico sabe que o mundo é maior que sua capacidade de entendê-lo (já disse em outros textos), seja pelos sentidos falhos e, até por isso, saber que não vemos, escutamos ou percebemos toda realidade. Só que, não posso trocar o que estou vendo pelo que imagino. Pode parecer óbvio, mas a maioria das pessoas cria sua ilusão e vive sob a ótica da imaginação, renunciando à realidade o tempo todo. Mas como já tem uma explicação pronta para a decepção, que tudo tem linhas tortas ou vontades superiores, pode continuar imaginando e não aprender nada com a pancada que levou. Afinal, como sabemos, o reino dos céus é dos que sofrem.

Ser estoico é saber que o mundo ou a vida, como queira, pelo exposto acima, não tem nada contra ninguém, ele é do jeito que é; um conjunto de forças antagônicas, onde bilhões de seres imersos em uma natureza violenta e hostil, buscam perseverar (animais e plantas) e nós, além de perseverar, atender nossos desejos. Então, esse conjunto caótico nos impacta (afeta) a todo momento de alegria e tristeza e, vamos atrás do que queremos, nunca em linha reta, mas fazendo as curvas que esse mundo imenso nos obriga a fazer pela sua força. Por isso, tudo que queremos precisará de esforço e, também, um pouco de sorte.

Ser estoico é saber distinguir claramente o que está e não está em nosso poder. Fazer o que nos cabe e não sofrer pelo que de nós nada depende. Outra obviedade difícil de colocar em prática por uma razão cultural; fomos educados a contar com o transcendente, que tem Alguém que poderá nos dar ou tirar coisas dependendo de uma justiça ou bondade. Forma básica de controle comportamental, mas pelo visto não tão óbvia, por vigorar a séculos com sucesso.

Ser estoico é entender a natureza como um devir (vir a ser), resultado desse conjunto de forças que nos angustia pela imprevisibilidade. Justamente por isso, precisamos de “verdades”, “identidade”, promessas e juramentos para fazermos de conta que tudo está sob controle e parado. Nossa mente mamífera sofre com essa visível impermanência e precisamos de anestésicos. Esquecemos o que Heráclito já nos ensinou e continuamos buscando um mundo e uma vida controlável e previsível. Assim, fica difícil perceber toda essa mágica e excesso que é a vida que transborda de novidade a cada segundo. Criamos deuses que são sempre os mesmos, que nunca mudam. Se eles criaram mesmo esse universo onde tudo muda, eles também estão sempre mudando, já que ninguém cria algo que difira da sua natureza. Mas um Deus que muda (portanto pode errar), seria a mais terrível decepção, pois estaríamos entregues a impermanência e a estabilidade vira utopia (sempre foi), pelo medo que essa ideia gera. Incrível como as pessoas querem um mundo que não se desenvolva ou só se desenvolva dentro de critérios que acham “certos”. Quem pensam que são?

Ser estoico é perceber o óbvio; que o mundo não está aqui para nos servir e nem foi feito para nós. Se assim fosse, estaríamos aqui desde o início e hoje já é sabido pela ciência que estamos aqui a poucos “minutos”, em comparação a existência do planeta desde que se tornou habitável. Chegamos “agora” e vivemos como tudo que existe, em constante luta e mudança. Se desaparecêssemos, o planeta continuaria e bem, assim como aconteceu com os dinossauros e outros milhares ou milhões de espécies que já viveram e desapareceram. Somo como elas, simples assim!

Ser estoico é não perder tempo querendo responder perguntas que já nasceram sem resposta. É buscar viver sabendo que tudo é fluxo, muda constantemente e que cada momento é sempre último e irrepetível, como lembra Marco Aurélio. Isso dá a vida prazer, brilho e ineditismo que nossa busca por permanência e estabilidade nos faz perder na ilusão da estabilidade.

Ser estoico é entender que todas as paixões (aquilo que nos domina e nos torna dependentes) e superstições só servem para acalmar quem ainda se assusta com o mundo, esperando que um dia ele seja de outro jeito.

Ser estoico é saber que toda fé é filha do medo. Sem o medo para que ela serviria? Temos fé em nós por temermos não conseguir algo e buscarmos uma força que já temos, mas que não assumimos como nossa, para alcançarmos o que queremos. Temos fé em divindades pelo medo de que a vida seja “só isso”, o que dá desamparo para quem sonha com outra coisa. Temos fé na justiça, seja de que tipo for, porque nos angustia perceber que ela nunca existe fora de nós. Temos fé na humanidade, pois esperamos que possamos ser mais fraternos e menos violentos. Temos medo do que somos e podemos fazer. A fé é usada para enfrentar o medo, esquecendo que sem ele ela não existiria. A fé é um sonho que queremos tornar realidade. Por isso, a fé tem um lado bom; já que mostra o que poderemos conseguir se nos dedicarmos, seja individualmente, seja enquanto civilização.

Ser estoico é ter um certo e reflexivo desprezo pelos problemas e dificuldades, pois se tudo passa e nos tornamos outro a cada momento, nunca há o que temer. Sofrer sempre é não entender ou brigar com a realidade, esperando outra que seja mais certa ou correta como se a vida (esse conjunto caótico de forças), pudesse ser avaliada por conceitos ou controlada de alguma forma. Somos uma espécie viciada em problemas, tendo a morte como pano de fundo. Medo que leva a querer controlar e desejar para parar de ter medo.

Ser estoico é valorizar a reflexão, pensamento e compreensão. Saber compreender pode ser concluir que nunca se compreenderá tudo completamente e que isso faz parte!

Ser estoico é ter a felicidade como objetivo da vida. Essa felicidade nada mais é que estar em harmonia com a natureza (a vida como é), dominar as inclinações, moderar as vontades e buscar a paz pela compreensão, sem expectativas.

Ser estoico é estar aqui, nesse mundo e buscar a paz dentro do conflito, lembrando o conselho de Hipócrates:

“A vida é breve,

 A arte é longa,

 A experiência é difícil e incerta,

 A ocasião é rara!”

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Estoico deriva da palavra “stoa” Literalmente quer dizer “relativo a um pórtico (do Latim PORTA, ‘porta’)”, chamado em Grego  STOA,  pois Zenão lecionava num salão de Atenas decorado com pinturas da Batalha de Maratona, o STOA POIKILE, “pórtico pintado”. Esse local era usado pois, como não era cidadão ateniense, não poderia estar dentro do prédio.

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