– Pai…
– Fala filho!
– É natal daqui a uns dias, não é?
– Sim, é.
– Natal é o quê mesmo, pai?
– É a data do nascimento de Jesus, nasceu dia 25.
– Pai, então natal é uma festa de aniversário?
– É, mais ou menos.
– Mas como o aniversariante não vem a gente fica com os presentes, é isso?
O pai largou suas anotações e voltou-se para o filho, era como a pergunta do menino o tirasse do “piloto automático”.
– É, mas de onde veio tanta curiosidade?
– Sei lá, fiz essas perguntas para a professora, mas ela disse que não tinha tempo para responder.
– Foi só isso que você perguntou?
– Não, também perguntei se, quando Jesus era vivo, ele comemorava o aniversário dele do mesmo jeito que a gente faz. Dando presentes uns para os outros, com árvore de natal e Papai Noel.
– E o que ela respondeu?
– Foi aí que ela disse que estava sem tempo. Você sabe pai?
– Não. Nunca tinha pensado nisso. Na verdade, eu também estou enrolado aqui com essas contas. Poderíamos conversar depois?
– Queria saber mais uma ou duas coisas…
Sem saída e diante da curiosidade do filho, o pai arriscou-se:
– O que mais você quer saber?
-Todo mundo comemora o natal?
– Não, só os católicos.
– Quem é católico?
– São aquelas pessoas que vão na missa, oram e respeitam as regras da religião.
– Mas pai, você e a mãe, vão a missa? Nunca percebi.
– Na verdade filho, somos católicos “não” praticantes.
– Então dá para ser católico sem ir à missa e fazer essas outras coisas? Se pode, então qual a diferença entre os que vão e os outros?
Visivelmente arrependido de ter se proposto a responder, a voz do pai ganhou uma nota de impaciência.
– Não é a mesma coisa, mas é parecido.
– Jesus também pedia presentes para Papai Noel?
– Não, na época não tinha Papai Noel, ele veio depois.
– Para quem Jesus pedia presentes então?
– Sei lá, nem sei se pedia. Talvez naquela época não se davam presentes.
– Então se Jesus não ganhava presentes, se não tinha Papai Noel para pedir, de onde veio o que fazemos todo ano?
– Boa pergunta! Talvez o presente seja uma maneira de mostrar para a pessoa que gostamos dela.
– Mas pai, você não gosta da tia e ano passado deu presente para ela.
– Tirei no “amigo secreto”, não tive escolha.
– Então você passou a gostar dela, já que deu presente?
– Filho, as coisas não são tão simples. No natal, nos lembramos que devemos gostar de todos, principalmente da nossa família. É o que se espera dos cristãos.
– Mesmo os não praticantes?
Visivelmente confuso e contrariado o pai tenta encerrar a conversa:
– Mais alguma pergunta?
– Pai, todo ano a gente come a mesma coisa no natal, faz parte do aniversário?
– É uma tradição, só isso.
– Pai, se é festa de aniversário, tem presentes, refrigerante e doce não é para ser legal?
– Claro que é legal filho, você não acha?
– Sei lá, a vovó sempre chora e a mamãe também.
– É que seu avô já morreu, elas têm saudades.
– Eu pensei que era por causa de Jesus.
– Não, já nos acostumamos com a morte de Jesus, mas não do seu avô, como parece.
Deu-se conta de estar tendo uma conversa de igual para igual com seu filho de nove anos.
– Pai, no meu aniversário esse ano, não teve as mesmas coisas que os aniversários anteriores. Tipo, esse ano não teve pula-pula nem veio aquele palhaço brincar com as crianças. Por que o aniversário de Jesus é sempre igual?
– Dá para comer outra coisa? Será que Jesus se importaria de comêssemos outra coisa no aniversário dele?
O pai abriu um sorriso, vencido.
– Acho que não, você tem razão filho, é mesmo sempre a mesma coisa. De mais a mais, Jesus perdoou tanta coisa! Confesso que nunca pensei nisso. Sei lá, acho que não precisa ser igual.
– Pai, vamos comer pizza então?
– Pizza? No natal?
– Não pode, Jesus não iria gostar?
O pai coçou o a barba. Em uma fração de segundo, percebeu-se sentindo culpa só por mudar o cardápio. Quantas culpas! Qual o problema?
– Já falou com sua mãe sobre isso?
-Já, ela deu uma risada e disse para falar com você.
O pai levantou-se e foi falar com a esposa. Encontrou-a o quarto, pintando as unhas.
– Amor, nesse ano vai ter pizza na ceia de natal.
A mulher arregalou os olhos:
– Você enlouqueceu? Seu filho tem nove anos, até entendo, mas você? O que vou dizer para a minha mãe, para seu irmão e seus pais que passarão a noite conosco? Pizza?
Ele cerrou os olhos e falou com uma firmeza que há tempo ela não via:
– Nem eu, você, meus pais, sua mãe, meu irmão e a esposa dele, vamos a missa, ninguém reza e a sexta feira santa só serve como feriadão e comer bacalhau. Será pizza, porque não tem obrigação de fazer sempre a mesma coisa. De mais a mais, católico “praticante” não existe e, se Jesus conhecesse pizza, talvez tenha sido o que ele comeria!
– Mas eu gosto de arrumar a mesa…
– Aproveitando, eu não gosto daqueles guardanapos vermelhos, daquela tristeza, do choro, parece uma festa constrangida. E mais; estou de saco cheio de comer peru até o dia vinte e oito.
– Mas não será pecado? Disse a mulher com sua última cartada.
– Pecado é ser triste fingindo ser alegre, é sentir-se culpado por coisas que não fez é ter medo de coisas que nem sequer existem. É tristeza que se comemora? E mais, ano que vem seremos só nos três em casa!
– Por quê?
– Porque eu não gosto da minha cunhada e estou de saco cheio de fazer a mesma coisa que meu pai e meu avô faziam e já não tem graça faz tempo, nem sei quanto tempo!
Depois de sair do quarto, encontrou o filho na sala.
– Filho, esse ano será pizza, muita pizza!
Ao ver o sorriso do filho, teve vontade de chorar. Talvez, ele não conseguia lembrar, um dia ele teve vontade de fazer essas perguntas e tantas outras. Não fazia que porque tinha medo, medo que hoje o filho libertou.