O outro Eu

– Qual seu nome?

– Isso não importa!

– Como assim? Você não quer dizer seu nome?

– Quem eu sou não importa. Vou fazer uma confidência: Eu, eu mesmo, nunca fiz nada de importante. Na verdade, faço uns rolos aqui e ali, ninguém dá muita bola, é muita gente. É que agora surgiu uma chance de ser alguém com poder. Mas não tem como ser eu mesmo, já que, sendo o que sou não conseguiria, entende?

– Não consigo entender, todos tem um nome. Por que você não quer dizer seu nome?

– Eu quero ser conhecido como o oposto “dele”.

– Dele quem?

– Do “outro”.

– Entendi, agora entendo. Como você não é ninguém, sendo o oposto do outro, ganha uma identidade que, sendo você não seria possível, já que, na verdade, ser você mesmo não teria como dar certo. Muito bom, você teve uma grande ideia, parabéns!

– Na verdade essa ideia nem foi minha. Não sou bom de ideias.

– Foi de quem?

– De um pessoal aí, que está mexendo os “pauzinhos”, entende?

– Mas você acha que consegue, nunca ser você, serão alguns anos?

– Quem teve a ideia me explicou que, sendo sempre o contrário do outro, todo mundo fica a favor ou contra ele. Nesse meio tempo a gente coloca o plano em prática.

– Que plano?

– Na verdade nem eu sei, mas o “pessoal” sabe, entende?

– Mas, e se der tudo errado?

– Se der errado, como não sou eu, sempre terá outro para ser o oposto “dele”. Hora a gente perde e hora ganha. Que nem Palmeiras e Corinthians ou Vasco e Flamengo.

– Mas, se você não se sair bem, o que é provável, já que não tem uma identidade, você não ajudará o “outro” a voltar, mais forte?

– Pode ser, mas o pessoal que teve essa ideia diz que vamos aumentar o número de pessoas que são contra ele, e sempre teremos como participar e chance de ganhar de novo, de vez em quando. Claro que se “ele” se sair bem fica mais difícil, mas aí o pessoal pensa em alguma coisa.

– O pessoal das ideias?

– Eles mesmos, entende?

– Mas no longo prazo, você nunca será alguém por si mesmo, isso não incomoda?

– Vai valer a pena. Vou viver bem, me divertir, passear bastante e estar de férias quase sempre, tudo por conta.

– Mas as pessoas vão saber!

– Me disseram que posso tornar tudo segredo. Entende?

– Sim, mas preciso colocar seu nome, como posso registrá-lo sem um nome, seu nome?

– Dá para colocar meu nome e “anti ele” como sobrenome?

– Não dá, a lei pede que seja seu nome, salvo que mude no cartório.

Nesse momento, um homem que esteva o tempo todo atrás daquele que não é ele mesmo, sussurra algo no seu ouvido. O candidato pergunta em voz baixa:

– Tem certeza, tô por vocês, não me deixem mal! O homem segura no braço daquele que não é ninguém e fala mais alguma coisa.

O candidato sacode a cabeça positivamente, dá um sorriso tímido e diz:

– Pode colocar só meu nome então, entende?

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