Nada se perde

                      “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”

                                                                             Antoine-Laurent de Lavoisier

Se Lavoisier estiver certo, nascemos no Big Bang. Essa explosão de data incerta em nosso calendário, que veio bem depois, é o nosso verdadeiro aniversário universal. A partir daí, começou a grande mudança que chamamos vida. De lá para cá, andamos nos amontando de várias formas diferentes, de acordo com cada época, vivendo a vida possível.

Como bem disse Demócrito, somos um amontoado de átomos de diferentes espécies que se agrupam e desagrupam a todo momento, até a hora em que nos desfazemos totalmente sendo quem somos, e, cada um desses átomos segue sua trajetória indo fazer parte de outra coisa. Tem sido e será sempre assim.

Só que, ser desse jeito, não é muito poético, nos responsabiliza pela nossa vida e faz estudar nossa árvore genealógica parecer que estamos com tempo sobrando, pesquisando quando foi que o projeto que somos hoje se iniciou. São todos inocentes; os antepassados que não poderiam imaginar no que daria e ainda vai dar até que alguém decida interromper ou cortar a árvore de vez e nós, que somos o resultado de uma explosão e de orgasmos nem todos bem sucedidos ou esperados, até chegar em nós. Quanto mais antiga nossa origem, maior a possibilidade de nossos antepassados e até mesmo nós, por que não, estarmos aqui de forma não planejada ou inesperada por nossos pais. Sendo bem racional, estamos meio que por acaso ou sorte. O universo não é uma entidade que planejou nossa chegada por motivos metafísicos.

Se você acha isso ruim, pense de outro jeito; se as vidas sequenciais perdem o sentido, por outro lado, fica tudo mais leve e você não precisa mudar o mundo. Sobrará tempo para aproveitar mais sua vida pela sorte que deu de ter nascido. Se as coisas não estiverem bem, poderá dizer que foi um azar, mas como nada permanece, um ou outro acontecimento bom, já faz você achar um dia chuvoso e cinza uma obra divina.

Enquanto isso, vamos vivendo e comemorando aniversário, natal, ano novo, formatura etc. Se não sabemos o dia que realmente nascemos (ninguém sabe), a data e estipulada pela certidão, emitida em cartório, dando a saber ao mundo, que nosso primeiro conjunto de átomos tem um nome e uma data de chegada, passamos então a existir oficialmente, para um dia, também oficialmente morrermos!

Será?

Nunca estivemos tão insatisfeitos enquanto humanidade e os motivos, pelo menos os que entendo, estão em vários textos desse blog nos últimos anos. Aniversário, natal e ano novo são os dias que lembramos que ainda estamos atrás de alguma coisa, que está faltando alguém que já não está mais ou que ainda precisa chegar. Que ainda não somos capazes de amar a todos que deveríamos, e que talvez essa insatisfação tenha mais a ver com o que não conseguimos ser. Um dia aprenderemos que somos só o que podemos ser, aí essa insatisfação acaba. Efeito colateral; pararemos de achar que os outros também deveriam ser de outro jeito. A paz universal será atingida. Não precisa de uma revelação para isso, só prestar atenção já é suficiente.

No Ano novo, comemoramos o que conseguimos e, imediatamente, passamos a ter medo de perder. Ao mesmo tempo fazemos promessas para o que nos falta, enquanto pulamos aquelas ondinhas da meia noite, acordando o mar com nossos gritos e jurando que, “dessa vez vai!”.

Poderíamos fazer diferente, quem sabe uma pequena revolução?

Passar a comemorar o dia que tomamos alguma grande decisão, seja por sermos corajosos suficientes ou mesmo por não aguentarmos mais. Comemorar aquele dia em que a conversa com pessoas legais nos encheu de alegria, ou que nos damos conta de algo que realmente nos transformou. Daquele livro que descortinou um mundo novo, entendimentos que nos mudaram, ou que vivemos a vida de um personagem que bem poderia ser a nossa.

Comemorar o dia que gritamos, cantamos, desenhamos ou escrevemos algo que já não cabia em nós, que precisava sair antes que explodíssemos, já que tem horas que somos afetados de tanta alegria, conhecimento ou tristeza que ainda precisamos arrumar espaço em nós para tudo isso. Enquanto nos encolhemos pelo que deixamos para trás ou precisamos abrir espaço pelo que percebemos, tudo fica guardado da forma como melhor expressamos. Precisamos de um corpo do tamanho que somos. Sofrer, também é um corpo desatualizado.

Comemorar os momentos que percebemos que estamos onde realmente queríamos estar e, por que não, quando percebemos que estávamos no lugar errado. Perceber é tudo de bom!

Comemorar aqueles momentos em que estamos em paz, raros eu sei, quando não há nada para acertar com a vida, quando, em um flash, percebemos que tudo está certo do jeito que está e isso é a perfeição possível na impermanência de tudo que vive.

Nada de errado com o Natal, que para muitos é o nascimento de Jesus ou para outros que veem a data como forma de lembrarmos de valores importantes, de, até mesmo, comemorar estarmos juntos com as pessoas importantes que podem estar ali.

Minha proposta é só notarmos mais que, nos grandes momentos, em que a vida transbordou, não era 25 nem o primeiro dia de nada. Era só a vida acontecendo, sem a obrigação de acontecer.

Todos nós, um dia, provavelmente, seremos lembrados em algum Natal onde não estaremos presentes por nossos átomos estarem dispersos por aí, em outras atividades. Que lembrem das alegrias e das coisas inusitadas que fizemos juntos, da desobediência fundamental para nos sentirmos realmente “alguém” que compartilhamos, conspirando contra a chatice institucional.

Quando as datas são impostas a todos, a maioria pode não ter muito o que comemorar, afinal cada vida segue seu curso. Portanto, proponho mais datas, anote os dias dos grandes momentos, são os “aniversários” que realmente contam, dos seus momentos de mudança, das grandes escolhas que podem ou não terem dado certo, mas que são de sua autoria. Com o tempo elas serão nosso currículo, que leremos, se tivermos tempo para isso, nos nossos últimos minutos. Pois se nem eles são certos que teremos, as datas precisam de comemoração!

Tudo que vive já mudou de forma milhares de vezes nesses dezoito bilhões de anos da grande explosão, ninguém foi realmente embora, nada escapa desse Universo infinito. Isso é muito legal! Somos um grande banco de memórias de tudo que os átomos que nos compõe nesse momento já viveram e ainda tem milhões de anos pela frente!

 Brinde a isso!

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