Fé: confiança, crédito. Crença nos dogmas de uma religião. Assegurar como verdadeiro.

                                                                 Dicionário Caldas Aulete

Fé (filosofia): É um sentimento de total de crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de evidência que comprove a veracidade da proposição em causa.

 

 “A fé é uma conduta de obediência”.

                                                                   Spinoza

Quem já não ouviu que precisa ter fé? Pessoas mais religiosas detectam que a falta de fé é não entregar a situação aflitiva a alguma divindade ou providência. Também aproveitam para dizer que seu coração está vazio, que deveria ter “alguém” morando lá. Aqui no ocidente, ou falta Deus ou Jesus no coração. Quando vejo pessoas famosas no mundo religioso passarem por crises de depressão ou de ansiedade, imagino como eles se sentem quando sua doença é associada a falta de fé. Afinal, se você tem fé, como algo assim poderia acontecer?

Não precisa ser muito entendido para saber que esses problemas não têm a ver com fé, mas fazem cada vez mais parte do mundo em que vivemos. Nossa fé não nos impede de adoecer em um mundo doente, assim como a fé não nos salva de sentir calor no verão, frio no inverno e muito menos transforma a fome em saciedade.

Se a definição da palavra nos fala em confiar, aceitar como verdadeiro algo que estamos longe de ter a comprovação, o que nos cabe perguntar é: qual a finalidade da fé?

Em vários textos anteriores, tenho mostrado, sob diferentes pontos de vista, uma análise dessa angústia que chamo de essencial, que temos desde que descobrimos o que realmente é morrer e a consequente percepção de nossa fragilidade diante da vida.

Somos seres de sentido, precisamos de um propósito, não só para nos esquecermos dessa situação angustiante, mas também para tenhamos a percepção que produzimos realidades que nos tragam uma identidade, ser alguém além da multidão ou rebanho. Mas, o que nunca podemos esquecer, é nossa condição biológica, de termos consciência da presença da morte em nossa vida, na das pessoas que amamos e de nossos apegos, afinal esse não é um mundo de Budas, mas de pessoas que lutam por coisas e, portanto, a elas atribuem valor,  justamente por lutarem para conquistá-las.

Essa condição vulnerável torna nossa mente muito insegura e é essa a origem de nossas preocupações e medos; tememos situações que, se ocorrerem, o sofrimento será tal que podemos não suportar. Um mundo tão complexo ou caótico, tão vasto que nossa capacidade está muito aquém de entendê-lo nos assusta, a insegurança é nossa companheira, como uma sombra que não nos dá folga nem a noite, pelo contrário.

Assim, essa mente insegura, precisa ter uma compreensão desse mundo vasto e sem sentido. Criamos conceitos de certo, errado, justiça e injustiça, dentre tantos, com objetivo de diminuir essa vasta ignorância sobre a realidade. Esse “Absurdo” como definiu Camus, precisa ser entendido (ter razões para as coisas serem como a realidade nos mostra), sem isso não suportaríamos tantas coisas que não fazem sentido. Aí entram, em primeiro lugar as religiões, oferecendo uma maneira de entender tudo que acontece ou deixa de acontecer. Nota-se um esforço hercúleo ou teimoso de fazer o mundo ter sentido, de dar uma lógica para o que chamamos de vida, nossa e dos que nos cercam mais proximamente ou de todo mundo, hoje globalizado.

Temos acesso a absurdos diários que chegam pela internet em incrível velocidade, somada a volatilização de quase tudo, inclusive das relações. A consequência é óbvia; uma superficialização de tudo e aumento da insegurança, como se não bastasse a que temos naturalmente. Não temos mais tempo para aprofundar nada, são tantas demandas que só as farmácias dão conta para alegria dos laboratórios e do mercado, cada vez mais sedento para que compremos coisas com o objetivo de nos sentirmos melhores. Essa reflexão, já consta de outros textos, mas como nem todos leem tudo,  o contexto precisa estar presente.

Esse mundo, que nunca nos levou em conta, se visto friamente, muito maior que nossa capacidade de entendê-lo, como já disse, torna a fé necessária. Necessária porque é justamente ela que nos preencherá os espaços de compreensão que não somos capazes de ter. É como fazer um quadro de um quebra-cabeças de 1500 peças, onde estão faltando várias para que figura tenha sentido e possamos ver a paisagem completa.

Não que essas peças não existam na realidade, não sei, talvez estejam bem diante dos nossos olhos, mas eles não são bons para ver tudo.  Não vemos o ar que respiramos, não cheiramos tão bem quanto qualquer cachorro vira latas e muito menos percebemos o básico do mundo pela perda de nossa conexão com a natureza, além de não paramos de imaginar o tempo todo.

A fé torna-se necessária para pensarmos: Ah! Agora entendi por que essas coisas acontecem…  Aí, como em um supermercado, dá para escolher entre a vontade, ira, sabedoria, amor divino, um carma de uma vida que você viveu e não lembra, dentre tantas outras opções disponíveis. Quando a vida mostra que não é assim, que a explicação se mostra falha ou fracassa rotundamente, trocamos de fé, afinal, a “verdade” pode estar em qualquer lugar, não é mesmo?

Ter fé é aceitar uma explicação que estamos muito longe de comprovar e algumas são tão incríveis, que precisamos  de muita fé para aceitar. O que importa é o resultado, deu certo, ou está dando certo, mantemos!

Eu sei que a razão, por si só, manterá o quebra cabeça incompleto eternamente e não pode ser diferente, já que ela usa o que os sentidos falhos trazem e o que cérebro acumulou de conhecimentos e experiências para chegar a alguma conclusão. A conclusão da razão é simples; não tem como entender, minha lógica não alcança e preciso conviver com essa falta de peças. Nunca vou saber como a paisagem do quebra cabeça é de verdade, então sigo, dando um sentido particular à minha vida, tendo os bons e maus momentos, não contando com nada além dela, sendo um fim em si mesma.

O problema da fé, é que, na grande maioria dos casos, por não ser comprovável e muitas vezes ilógica, o mamífero que somos fica com um “pé atrás”, com uma leve dúvida que só aumenta com os acontecimentos diários, além de nos culparmos por não conseguir essa fé convicta ou como se diz hoje em dia, “raiz”. Com isso a angústia não diminui, e percebemos que o exemplo de Jó não anima ninguém, faz tempo. Essa falta de bom senso de algumas superstições, faz com que muitas pessoas adicionem mais uma ou duas no seu carrinho de fé, totalmente diferentes e antagônicas entre si. O medo faz nos cercamos de possibilidades, se uma estiver errada, já tenho outra em uso ou prática.

A fé não precisa ser só religiosa ou metafísica, pode ser em nossa capacidade de encontrarmos melhores saídas, uma vida mais alegre e buscar seu propósito de fazer alguma diferença. Sermos mais fortes e tornar nosso destino uma necessidade imperiosa. Confiarmos que podemos aprender mais, sentir mais, conhecer mais e ir além de si, transcender! Quando estamos no caminho, “potentes” de vida como diria Nietzsche, a fé em nós, não só supera todas as outras, como as torna desnecessárias.

Como diz Spinoza, a fé cobra o preço da obediência e só fizemos isso esperando alguma coisa em troca, nada é de graça para quem luta para sobreviver.

A fé em si mesmo é de todas a mais possível de se tornar real, já que só precisa que mudemos de atitude e criemos um foco. Em outras palavras; sermos aquela pessoa que queremos ser e para isso precisamos agir, ter ações novas que mostrem que essa pessoa, que antes era fé, agora é real!

A fé em si é temperada por essa dura incompreensão natural desse mundo, grande demais para entender. A razão nunca é fria, como acusam seus detratores, ela é consciente de suas possibilidades e limitações e as aceita, serenamente.

As pessoas de fé, principalmente religiosas, acusam a razão de limitada e a tratam com o desdém de quem tem pena do pobre incauto de coração desabitado.  O que elas lutam para não ver é que estão assentadas em crenças, formas de poder e manipulação que normalmente cobram o preço da anulação de sua individualidade em troca dessa “proteção” que nunca existiu.

Se o caro leitor, durante o começo desse artigo pensou que não acredito na fé, pode perceber que defendo a fé naquilo que pode ser comprovado; em nós, afinal, existimos de verdade e se o Universo não é abundante, como tratei em um vídeo do nosso canal no YouTube ( https://www.youtube.com/watch?v=Nq0rWparpdw&t=81s ), ele é repleto de possibilidades e caminhos. Com certeza, tem um ou mais de um para todos poderem escolher e vivenciá-los!

Para encerrar, essa bela letra do músico Oswaldo Montenegro da canção “A lógica da criação” (https://www.youtube.com/watch?v=7W80ZCHfVKw ):

O mérito é todo dos santos

O erro e o pecado são meus

Mas onde está nossa vontade

Se tudo é vontade de Deus?

 

Apenas não sei ler direito

A lógica da criação

O que vem depois do infinito

E antes da tal explosão?

 

Por que que o tal ser humano

Já nasce sabendo do fim?

E a morte transforma em engano

As flores do seu jardim

 

Por que que Deus cria um filho

Que morre antes do pai?

E não pega em seu braço amoroso

O corpo daquele que cai

 

Se o sexo é tão proibido

Por que ele criou a paixão?

Se é ele que cria o destino

Eu não entendi a equação

 

Se Deus criou o desejo

Por que que é pecado o prazer?

Nos pôs mil palavras na boca

Mas que é proibido diz

 

Porque se existe outra vida

Não mostra pra gente de vez

Por que que nos deixa no escuro

Se a luz ele mesmo que fez?

 

Por que me fez tão errado

Se dele vem a perfeição?

Sabendo ali quieto, calado

Que eu ia criar confusão

 

E a mim que sou tão descuidado

Não resta mais nada a fazer

Apenas dizer que não entendo

Meu Deus, como eu amo você!

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