Desejo de palavras

Dá vontade de escrever, dá necessidade.

De escrever qualquer coisa, um sentimento de que algo precisa ser expresso, sair e tornar-se palavra. Já sei que nenhuma palavra é fiel ao que se sente, individualidade nunca será palavra, palavra é de todos, para todos, geral.
Quando leio o que já escrevi, leio o que já fui. Nunca conseguiria escrever de novo, ser “eu” outra vez. Nunca sei quem lê, ainda bem! Prefiro não saber, para poder escrever só para mim, compartilhando pensamentos, temas e discussões, como um monólogo teatral. Falar sozinho na frente de outras pessoas é loucura compartilhada, é deixar saberem o que se tem de agonia, que precisa ser expresso. São só falas que perguntam e se respondem.

Virgulas, dois pontos e exclamações buscam fazer a apalavra ter tom, pressa, saber esperar e ser o que explica a ideia, a mudança que acontece quando o pensamento é novo, inédito e mistura prazer e dor.

Virei especialistas de olhares tristes em rostos novos. Conhecer alguém pela dor que move o encontro. A alegria vem depois, que bom, é o que se busca e forma laços de parceria que nascem em momentos difíceis, do parto de renascer a cada obstáculo. A vida não é boa doula, é desajeitada e faz acontecer sem esperar o “momento certo”, uma daquelas ideias bobas que temos, como se o mundo fosse feito para nós. Mania de acreditar, quando ainda dizem e disseram  para crianças que fomos que éramos especiais, lindos e inteligentes. Deveríamos esquecer disso, mas, infelizmente as crianças têm memória e acreditam em tudo que lhes dizem. Não é fácil descobrir ser mais um no mundo ou menos um, na vida de alguém, vez por outra.

Quando escrevo assuntos “sérios” nunca vou só. Trago uma imagem e algo impactante que alguém muito mais famoso, sábio e inteligente já disse antes de mim. Não é que busque me esconder, mas é meu jeito de agradecer a essas caras de carne e osso que preencheram os buracos (que nunca terminam), para chegar perto de entender esse mundo. Claro, que nunca vou conseguir terminar o quebra-cabeça, mas é bom ver que vai tomando forma e, de vez em quando, arriscar a imagem final.

Já disseram que me falta coração, que preciso sentir mais, acreditar no que não vejo e que outros também não veem, mas garantem que está lá. Já desisti, meu negócio é outro; sou obcecado por somente entender, buscar encadeamentos, afinal, se alguém me criou, serei capaz de compreender, quem sabe um dia e do meu jeito, nunca de outro, onde vem e para onde vai o fio da meada. Não consigo ser como Tertuliano*, já tentei, não é de mim!
Confesso que estou contente do jeito que está, o mundo me maravilha pelo que é, e se é bom ou mal, justo ou injusto já é algo que não me interessa, é daquela parte que nunca vou saber. Admiro quem preenche seus buracos com coisas de outro mundo, mas sempre penso que esse seria um assunto quando esse se esgotar e está tão longe…

Não tenho mais vontade de escrever sobre isso, tem horas que penso que não tenho mais nada para dizer e preciso mudar de novo. Quem sabe quem serei daqui a pouco, tenha o que contar. Por hora, quero só escrever quando tenho vontade, falar com pessoas que não sei quem são sobre o que passa pelas entranhas, músculos e órgãos, que outros chamam de nomes diferentes. Quando escrevi o texto anterior a esse, que está abaixo**, decidi voltar ser “ponto”. Fica mais fácil entender que é meu fígado, coração e estômago que tem desejos e medos. Sou um só onde tudo pensa e se contradiz, mas não está separado, está dentro. Não precisa de foto Kirlian, uma simples radiografia, vê minha alma.

Alguém me disse que não poderia ser assim, que seria punido por isso. Lembrei do grande Borges que disse: “O céu é um suborno e o inferno uma chantagem”.

Já olhei os olhos do meu filho e lembro de olhos que não vejo mais, olhos que vieram de mim e não tenho mais nada a perder. Já larguei a coluna que Mansoor, o Sufi, mandou que largasse. Ele tinha razão; era eu que a estava segurando e não o contrário. Vencer a morte é viver com o máximo alegria possível e espanto. Quando ela chegar, não terá nada que tirar.

Agora já escrevi, passou!

Se não tiver sentido, não faz mal, é só chuva com vento, daquelas que não tem como escapar.

_______________________________________________________________________

*Tertuliano foi um teólogo cristão do século III, que disse a famosa frase: Credo quia absurdum (creio porque é absurdo).

**”Divórcio”

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Juçara
Juçara
4 anos atrás

Oiee Eduardo, tudo bem. Não sou suspeita de falar do teu texto mesmo que nós sejamos amigos de infância. Mas posso dizer com propriedade que ameiiii tua crônica Desejo de palavras , quisera eu um dia ter escrito desta forma as minhas expressões e impressões com estas palavras . Parabéns !!!Bjos e saudades !!!

Hayssa Goetten
Hayssa Goetten
4 anos atrás

Eu amo ler o que você escreve professor Eduardo, fico encantada com o arranjo de palavras e como você se expressa maravilhosamente bem.
Saudade das suas aulas de autoconhecimento, ajudaram muito na minha evolução. Aliás, considero sua forma de explicar uma das melhores, fala o que pensa com muita humildade e aos poucos tudo faz sentido.
Gratidão, beijos de Luz!

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