Demócrito, o quântico!

“Tudo que existe no universo é fruto do acaso e da necessidade”.

                                                      Demócrito

Existem três maneiras pela qual vemos o mundo; pelo viés do materialismo, do idealismo, e, o mais comum, dependendo do interesse ou da ocasião, misturando.

Para os materialistas o que conta é a informação que chega pelos sentidos e do puro aspecto material da realidade. Já para os idealistas, o mundo nunca poderá ser totalmente entendido, visto não termos condições, pela limitação dos sentidos e de nossa capacidade de pensar, de abarcá-lo totalmente. Assim, mais do que ver, os idealistas imaginam o mundo e isso cria o conceito de subjetividade. Dessa forma, nunca teremos certeza de nada, afinal ser subjetivo é trazer a ideia a frente da realidade propriamente dita.

Se, para o materialista conta a matéria, para o idealista conta a ideia. Ser idealista, por esse ponto de vista, abre a possibilidade de dar a tudo uma interpretação particular, ou seja, posso ajustar o que acontece para um ponto de vista que me traga menos sofrimento, crie consolos e transforme insucessos em oportunidades. Se, para o materialista morrer é não mais existir, por exemplo, o idealista pode imaginar que tudo prossegue e outro lugar, que o buraco que pisou na rua tem uma mensagem para sua vida ou que ele faz parte de uma gigantesca engrenagem cósmica que atua a seu favor. No caso do tornozelo quebrado por ter pisado em um buraco ser de um materialista ele conclui deveria ter prestado mais atenção onde pisa e o prefeito bem que poderia ter mantido a calçada em ordem. Para o idealista, o tempo de cama e o uso de muletas dever servir para repensar seus caminhos, e, essa parada era a oportunidade para que essa reflexão acontecesse. Já o materialista pensa no tempo que perdeu e se compromete consigo a olhar tanto para o chão  como para onde vai.

Mas temos o tipo híbrido, que, dependendo do seu humor adota uma ou outra estratégia, de acordo com o que pode trazer o melhor resultado. É aquele que oscila entre ver uma mensagem em tudo ou simplesmente tudo é o que é. Esse é o que mais sofre, por não ter uma linha definida fica desamparado diante da realidade. É o consumidor de fórmulas mágicas que tem poucas atitudes concretas. Por ora acreditar, ora descrer, sempre escolhe o lado errado. Nunca sabe onde começa seu mérito ou as graças divinas, muito menos seus próprios erros ou punições dessa ou de outras vidas.

Demócrito de Abdera, nasceu por volta de 460 a.C. na cidade de Abdera, região da Trácia, e foi um dos primeiros materialistas. Como naquela época não se usava esse nome, ele era conhecido por ser “atomista”. Segundo ele, o átomo, parte indivisível e eterna, que permanece em constante movimento, é o elemento primordial, o princípio de todas as coisas. O Universo para ele era composto de apenas duas substâncias; os átomos e o vazio. Segundo Demócrito, existiam vários tipos de átomos que se movem pelo vazio, ora se agrupando, ora se chocando. Tudo para ele eram átomos em movimento e isso explicava a realidade em eterna e constante mudança. Eu, você, um gato, uma laranja e tudo que existe são átomos que estão agrupados em constante movimento. Caso não existisse o vazio e os átomos nunca se movimentassem, nunca ninguém morreria ou mudaria. Viveríamos para sempre e provavelmente o planeta já estaria pequeno para tantos seres eternos. Demócrito diria que nossos átomos já se agruparam antes em plantas, pedras, animais e outros humanos. Seríamos uma soma de átomos que já viveram em outros agrupamentos. Essa é uma eternidade acessível a razão e uma ideia que, particularmente, gosto muito. Quando, séculos depois, Antoine Lavoisier disse que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” se aproxima de Demócrito, que responderia que apenas os átomos se movem no vazio se agrupando de outra forma.

Envelhecemos, morremos, pensamos e nosso corpo funciona pelo movimento dos átomos que vão se juntando, se afastando e reagrupando constantemente e mudamos por nunca serem os mesmos átomos que nos compõe. Quando morremos, os átomos se desconectam completamente e seguem, cada um, sua órbita infinita, para se juntar em outros seres, como já citei anteriormente. Como essa ideia de morte não era muito boa, afinal ninguém quer desaparecer, Platão salvou a todos quando dizia que existia outro mundo e que não são o movimento dos átomos que provocam nosso pensamento e emoção, mas nossa “alma”. Claro que faltou a Platão explicar de forma aceitável, quando a alma “entra” e para onde vai quando “sai”. Tenho certeza que ele contava com nossa capacidade de imaginar para completar sua teoria. E ele estava certo, pela verdadeira prateleira de opções que temos hoje. Isso sem falar, afinal tudo sempre pode mudar, depois da alma veio o “espírito”. Em algumas teorias poderemos ter três, cinco ou até sete corpos! Todos agindo simultaneamente sobre esse precário corpo material. Demócrito diria que esses “corpos” externos são átomos que fazem parte de nós e que seu movimento dá impressão de serem camadas, isso é claro, se ele tivesse paciência.

Pela ideia de Demócrito, nosso pensamento é matéria desse mundo (átomos em movimento, nunca esqueça), o pensamento é uma atividade do corpo, como todas as outras realizada por átomos específicos (também não esqueça que existem átomos de vários tipos, justamente para ações diferentes), assim o que pensamos tem relação direta com nosso corpo e vice versa. Tudo se relaciona com tudo o tempo todo e está aí a teoria holística, a somatização, a física quântica, o inconsciente e tudo mais.

Nosso pensamento é a tradução ou melhor dizendo, é sinônimo das nossas sensações que vem do mundo e das pessoas e situações que encontramos todos os dias que nos afetam, provocando sensações boas ou más, que produzem pensamentos e reações. Demócrito diria (imagino), que só podemos ser, pensar e agir necessariamente, ou seja, respondendo a esses encontros fortuitos que temos ao longo da vida. Imagine, por exemplo, que você se depara com um acidente onde a cena é trágica. Isso afeta seus átomos que passam a se mover no vazio como consequência dessa experiência. Minutos depois, alguém o convida para uma festa e você poderá dizer que não está se sentindo animado para uma comemoração. Sua reação ao convite foi a única que poderia ser, diante da sua realidade, naquele momento. Para Demócrito, se tudo ocorre necessariamente, se tudo é encontro e desencontro, resultado da ação na matéria, que afeta o pensamento e produz ações, ficará fácil entender o motivo de toda sua obra ter sido “perdida”.

Se ele estiver certo, e a razão é sua companheira, não há espaço para a culpa, para o bem e o mal. Claro que todas as religiões monoteístas querem Demócrito bem longe e Platão bem perto, como podemos bem perceber nas livrarias e no Google. Se tudo é necessário e só pode ser do jeito que é, Deus e seus mandamentos, punições e outros lugares para viver eternamente não resistem a trinta segundo de reflexão. Em outras palavras; acabando a culpa (que só existe por se imaginar que você poderia agir de outro jeito) e os julgamentos (você errou e precisa pagar), acabam todas as religiões de um Deus único.

Se fosse assim, se tivéssemos mesmo uma escolha, ninguém cometeria crime algum, já que sempre tem uma punição à espera. Quando dizemos que “perdemos a cabeça”, quando fizemos algo ou temos um pensamento que nos assusta, naquele momento nada poderia ser diferente, dizemos que  foi “mais forte” do que nós. Essa fala só acontece por imaginarmos que teríamos uma escolha. Se tivéssemos, não faríamos!

Estar arrependido é constatação que, no momento do ato, o que ocorreu nos afetou, fazendo nossos átomos reagirem, provocando um pensamento e  nossa ação de forma inevitável. Não tivemos liberdade de fazer de outro jeito. Por isso como alguém pode ser culpado? Culpa significa uma escolha errada, mas como algo que acontece como reação ou necessidade pode ser escolha? Como já escrevi em artigo anterior, todo ato é realizado por necessidade/interesse e isso elimina a ideia de liberdade.

Ninguém quer passar décadas na prisão ou ser submetido a uma vergonha pública. Se acontece, é por não poder fazer diferente no momento do ato. Quando nos arrependemos, diria Demócrito, nossos átomos em movimento se reagruparam de outro jeito pelo efeito da experiência em nosso pensamento, de uma forma que não faremos novamente, seja pela punição ou tristeza decorrente. Uma reincidência, algo que alguém faz que choca a todos, um ato impensado, seja o que for, não poderia ser diferente do que foi  pelo que somos e pelo nosso entrechoque com a realidade que nos afeta o tempo todo. Nosso modelo cultural e jurídico diz que, até os dezoito anos, agimos por necessidade e, portanto, não podemos punir, mas depois, agimos por escolha e poderíamos fazer diferente. Será? Se fosse, os crimes diminuiriam cada vez mais, nunca repetiríamos erros e sempre tomaríamos a decisão certa.

Imaginemos, por exemplo,  um viciado (poderia ser um criminoso de qualquer tipo), que sabe que seu vício faz mal a seu corpo e a seu pensamento lhe trazendo grandes prejuízos, mas não consegue parar. Ele quer, se arrepende quando usa a droga, mas simplesmente não consegue. Só mesmo refletindo, pensando diferente (mudando o movimento dos átomos no vazio), tendo novas atitudes (átomos novos se juntando pelo novo tipo de pensamento e outros se descolando), ele poderá deixar o vício. Depois, dirá que se tornou “outra pessoa”. Demócrito diria que aquela pessoa não tem mais os mesmos átomos que tinha antes e que esses novos átomos se movem diferentemente no vazio. Nossa escolha é, ao perceber que nossos encontros com mundo (pessoas, situações, etc) estão nos fazendo tristes, na medida do possível e de uma certa liberdade vinda da reflexão e do conhecimento de si, procurarmos outros encontros e oportunidades que nos façam bem. Não será sempre possível, eu sei, mas que dá para melhorar não há dúvida!

Que tal criarmos a terapia atomista ou mudar o nome das que conhecemos?

Somente Demócrito pode oferecer o não julgamento pela razão. Suas ideias influenciaram outros grandes pensadores como Marx, Epicuro, Spinoza e Nietzsche por exemplo. Filósofos que buscam no mundo, e não fora dele, entender o que acontece e agora você pode entender o motivo de serem chamados de “materialistas”. As respostas desse mundo estão no mundo e não fora dele.

Muitas das ideias da neurociência que hoje utiliza equipamentos de alta tecnologia estão vindo ao encontro de Demócrito ao explicar como funciona nosso cérebro e estão avançando cada vez mais para desvendar o grande mistério que somos.

Mais do que os átomos e o vazio, onde sua teria nos leva pela reflexão é muito interessante por dar sentido e preencher todas as lacunas.

Só que pensar tudo isso, dois mil e quinhentos anos atrás mostra que Demócrito estava muito além do seu tempo, tornando-o uma grande figura histórica que mereceria mais reconhecimento, mas também já sabemos o motivo de ter sido condenado a obscuridade; suas ideias levariam a uma grande mudança:  menos templos e mais arte, alegria e a liberdade de entender.

A ele, meu agradecimento por tornar tudo um pouco mais claro e inteligível!

Não sei quanto tempo esse texto ficará disponível, nunca se sabe, mas ele serve para manter Demócrito vivo, para que não esqueçamos dele!

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