Angústia, eterna companheira!

“…e é isso que se chama um vivente: um pouco de carne oferecida à agressão do real. Um pouco de carne ou de alma expostas ali, à espera de saber-se lá o quê. Sem defesas. Sem auxílio. Sem amparo. Que é a angústia, senão esse sentimento em nós, com ou sem razão, da possibilidade imediata do pior”?

                                                           André Comte-Sponville

mulheres-gargalhando

Há quem diga que, o que faz alguém estar sempre alegre, é pensar pouco. Pode ser, mas também pode, depois de pensar muito, chegar à conclusão que o pensamento é algo que depende de sua origem: do pouco que nos separa dos animais (a consciência da morte) ou de pensar o que se pensa e decidir desistir de ouvi-lo, dar-lhe crédito. Mas aí, já precisa ter pensado muito nisso, indo fundo em auto-observação, procurado recursos que não são da nossa natureza. Uma certa liberdade, coisa que mundo de verdade nos pede, mas que, quem nos controla, torce o nariz.

Isso me lembra o Tarô, conjunto de verdades sobre nossa caminhada evolutiva, sempre a custa de muito esforço e percepção. O “Louco” começa e termina essa jornada atrás dessa compreensão do mundo, aparentemente sem sentido, e, quando encontra a resposta, está quase do mesmo jeito que começou. Quem olha de fora, pode pensar que não valeu a pena tanto esforço para ser quase o que sempre se foi. Mas essa sutil diferença é uma inocência refinada, uma inocência que parece um desdém sobre esse pouco que nos dá essa errônea sensação de sermos os seres mais desenvolvidos desse mundo. Dá até para imaginar que, quando essa compreensão chega, mereça uma grande gargalhada de quem passou a vida procurando o que estava à suas costas, o tempo todo. Rir do cachorro que corre atrás do próprio rabo é uma identificação parecida com a que temos em um stand up, onde pagamos ingresso para rir de nós mesmos, do mesmo jeito que os antigos Reis tinham os “bobos” da corte, humoristas autorizados a colocar diante do espelho toda realeza.

Essa angústia que nos acompanha desde de que percebemos que o mundo está longe de ser o que esperamos em nossa imaginação infantil, que nos decepciona por não respeitar nossa criatividade e os velhos e eternos preconceitos de certo, errado, bom e mal, Freud chamou de luto. É um bom nome, não pensaria em outro melhor. Esse “peito apertado”, significação da palavra angústia em latim, é o que nos apresenta o mundo real, para o que chamamos de futuro e nos faz olhar para trás e perceber que viemos vindo, sabe-se lá de que jeito, aos trancos, até hoje e pior, será assim que seguiremos; desamparados diante dessa vida que nos parece misteriosa. Ah, se soubéssemos que viveremos depois, que nossas esperanças serão certezas (mas nesse caso precisaríamos de outro nome), que tudo dará certo, que basta imaginar, pedir e agir bem para ganhar. Não há esperança sem medo, nem receio sem esperança diria o gigante Spinoza. Esperar é não ter, é angustia de saber que não conseguimos, tristeza de não sermos capazes e consciência de uma castidade.

Se é o que chamamos de “medo” que nos mantém vivos, como os demais animais, a angústia é esse mesmo medo vestido para festa; medo requintado, sofisticado por ser obra da criação pessoal. Medos simples seriam uma benção, fáceis de entender e conviver. Mas a angústia é um enredo que mostra um  mundo não querer atuar conosco, um monólogo sem público.

Sponville, como bom estóico, diz que a angústia nunca está errada, que seu problema são os prazos. Sim, vamos morrer e isso é certo, mas parece que ela espera para logo e esse tempo errado de palpite, enquanto ficamos parados, só esperando e lamentando como poderia ser a vida se não estivéssemos à espreita é posto fora, sem direito a segunda chance, ao que parece. O pior, seja o que for, precisa ser aguardado com atenção máxima, com todas as probabilidades previstas. Mas parece que a morte e as perdas não tem pressa para chegar e nós ali, esperando, atentos e, é claro, já meio mortos. Sim, dá para morrer pela metade. Quantas vezes isso já aconteceu! Ser meio morto ou meio vivo dirá a auto ajuda é ser otimista ou pessimista. Para mim, é sempre o resultado de dizer sempre aquele “não” que se despede do “sim” com tristeza de mais um luto; não podemos ter tudo, inferno de ter que escolher. Mas também é de esperar, seja o pior, seja que esse mundo finalmente nos de preferência, morte em vida.

O que nos é permitido é saber que é assim, aproveitar esse tempero que é a finitude para tornar o que se vive mais saboroso, pequenas vitórias que somadas vencerão essa morte, que por ser de uma só vez, pode ser menor que a soma de alegrias. Montaigne, filósofo preferido de pessoas que buscam viver nesse mundo como ele é, diz em seus “Ensaios” que “todo contentamento dos mortais é mortal”. Se a morte um dia vence, dá para esquecermos dela na maior parte do tempo e isso já é fazer dela menor que a vida.

Quer saber? A pior morte, a pior perda o pior final é a de esperar, viver como se toda previsão se confirmasse. Mal enxergamos o que é real, que dirá ver o que virá. Não tem óculos para a ignorância.

 Fim ou começo são filhos do medo e da morte. Ser saudável é ser eterno no instante, enfrentar tudo do jeito que é, em sua imensa força de superar nossa imaginação tola de um mundo arrumadinho, bonitinho e certinho. Mundo assim não merece um sorriso inteiro, seria uma consolação. Dizem as mulheres que “bonitinha” é a feia arrumada, pior das ofensas. Lidar com tudo sem perder a alegria, parando de imaginar outro mundo ou de esperar outra chance nesse, como o aluno repetente, que por não aprender, precisa voltar e reprisar a vida que não entendeu.

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