O outro Mundo

Fiquei sabendo…

Encontrei uma pessoa que conhece o “outro mundo”, aquele que vamos depois desse. Quando ele me disse que sabia, minha primeira reação foi de euforia; tem mais depois! Minha alegria foi recebida por ele com certa frieza. Talvez por já estar acostumado, foi o que pensei, já não era, para ele, nenhuma novidade. Quando perguntei ele respondeu:

– Sabe, quando soube, minha primeira reação foi como a sua. Saber que existe é uma coisa, saber como é, é bem diferente.

Seria pior que esse? Não teria como!

Esse mundo tem no absurdo sua matéria prima. Tudo tão sem sentido; as injustiças, a maldade, guerras e exploração. Na hora, pensei que na verdade havia dois; um para quem fosse do “bem”, que respeita as regras daqui e de lá e o outro, aquele onde tem calor e dor e, na antessala, uma longa noite de séculos, pantanosa, com gritos e uivos, todos enlameados, se arrastando, magros e sem dentes. Só podia!

– É um só, não tem dois. Foi o que ele disse com algum desânimo. Todos vamos para o mesmo lugar, independente do que fizemos aqui.

– Mesmo os bons? Perguntei.

– Sim, respondeu, mesmo eles. Buscam na bondade algum retorno, tem ego em tudo, nem que seja sentir-se bem. Somo animais políticos, lembra?

Agora, já nem sei se quero saber. Ele me olhava como quem sabe qual seria minha reação à medida que minhas perguntas fossem sido respondidas. Mas já era tarde, não teria como recuar e ficar só com essa informação tão importante, seguida desse desânimo. Precisava saber tudo, vai que, como nesse nosso mundo, tudo seja uma questão de ponto de vista e meu amigo está vendo pelo pior ângulo. Fui adiante:

– Me conta, conta tudo.

Depois de um pequeno suspiro, como quem começa sua jornada e sabe que não terá muitas alegrias, mas precisa cumpri-la, começou seu relato:

– Para começar, é preciso entender que sempre terá um “outro mundo” para ir depois de cada passagem. Morrer, só morremos uma vez, aqui, depois é como uma mudança, afinal a vida é eterna, só precisa morrer uma vez, já que essa grande pergunta, do que virá depois, já foi respondida.

Sei que você está pronto para perguntar o motivo, mas é simples; existem dois tipos de eternidade; a primeira é essa que estamos vivendo e a outra depois que percebemos que não morremos de fato. Essa nossa experiencia na Terra eu acho mais interessante, já que o fato de termos medo de desaparecer, dá um certo tempero, nos empurra, como uma certa pressa de viver. Depois, que já temos certeza da eternidade, perde a graça.

– Como é lá?

– Parecido com aqui, com algumas alterações. Como tem um mundo atrás do outro, as mudanças são lentas, para ir se acostumando. Para começar, precisa entender que o fato de não ter mais um corpo muda muita coisa. Já não precisamos de comida e nem cuidar da saúde. Não tem hospital, farmácia nem academia. Também não se usa dinheiro, já que ninguém precisa se preparar para nada, na eternidade, não tem futuro. Ninguém trabalha, e como não sente dor, fio ou calor, também não precisa morar em casas como aqui. É sempre dia, nunca anoitece. A noite existe para lembrar nossa mortalidade e desamparo. Lá, não precisa.

-Então não tem casa, banco e lojas?

– Loja tem, de sapatos e roupas femininas, apenas. De bolsa não tem, já que não precisa carregar mais nada.

-Mas você não disse que não tem corpo? Se não tem corpo, para que loja?

Meu amigo que conhecia o outro mundo e esse, deu uma risada;

-Eu disse que não tem corpo, não disse que não tem mulheres. Mesmo que já não tenhamos corpo, mantemos uma psicologia, como uma certa identidade. Não dá para você chegar em outro mundo como chegamos nesse, um bebe, entende? Lá renascemos, aqui nascemos. Como ia dizendo, os homens usam sempre a mesma roupa, é mais fácil e como as funções físicas não existem mais, a vaidade masculina é desnecessária.

Continuando, tem restaurantes, bares e tudo que tem aqui para diversão. O fato de sermos assim, só espíritos, faz desses lugares ponto de encontro, já que não precisamos mais de alimento, mas tem um “faz de conta”, só para animar.

Por não ter dinheiro, como já disse, além de banco, também não tem igreja. Nesse mundo novo, não precisamos de crédito nem salvação. Chegamos lá como morremos aqui e depois de um tempo, e isso lá é muito relativo, mantemos uma imagem mais para adultos ou meia idade. Já quem chega lá criança ou recém-nascido, infelizmente isso ainda acontece aqui, como todo mundo vai para lá, eles ficam sempre jovens. Os bebes voltam para a Terra, quando morrem aqui é por erro do sistema.

Não resisti e precisei perguntar:

– Como assim, “erro do sistema”? Deus não erra, tudo tem um motivo!

Meu amigo ficou me olhando. Depois de um tempo, apenas disse:

– Se sabemos que tudo no Universo é movimento, não há nada parado ou estático. Erros e acertos em todos os mundos amigo. E essa dúvida se existe mesmo um Deus, tem lá também e, imagino, nos mundos seguintes. Desses não sei nada. Quem me conta de “lá”, também não sabe.

– Mas tudo não fica esclarecido? Não acabam as perguntas? Perguntei ansioso.

– Não, o Universo vive delas, se move por elas! Sem perguntas, não saímos do lugar. A cada resposta encontrada, uma pergunta nova. Nunca acaba. Justamente por isso que Deus precisa ser uma grande duvida.

Resolvi mudar de assunto, estava complexo demais.

– O que se faz lá?

– Nada, se pensa, estuda e reflete. Alguns mandam mensagens para cá, mas é raro. Como para mim. Lá é infinito, por não ter matéria. Só chega gente todo dia que morre aqui e poucos vão para os mundos seguintes. Para sair de lá e ir adiante precisa ser outro, aqui, podemos viver sendo o mesmo. Por isso que precisamos morrer. Na verdade, a eternidade só existe pela nossa demora de entender.

-Entender o que?

– Que não há nada para entender, só viver. Nascemos e morremos com medo. Mesmo que não houvesse nada depois, não tem vida no medo. Depois de um silêncio, disse:

– Preciso ir, estamos nesse mundo e preciso trabalhar.

Antes dele virar as costas perguntei:

– São felizes lá?

– Segundo meu informante não. Ele diz que falta corpo, sensação física. Falta tristeza para perceber alegria, falta a morte para dar intensidade, falta abraço e dor nas costas. Falta juventude e velhice, falta vontade do fim das contas.

Minha última pergunta, só mais essa:

– Qual a receita? “Eles” te disseram?

– Eles também não sabem, estão todos preocupados com o próximo mundo.

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