A Criatividade

 

“Criar é matar a morte.”

 Romain Rolland

Estive pensando que a criatividade, por ter sua raiz na palavra “criador” não pode ser algo desse mundo, de dualidade onde impera o ego, o criado. Assim, depois de algumas leituras de relatos sobre como algumas obras foram criadas, cheguei à conclusão de que, para termos uma percepção, insight ou ideia criativa, precisamos nos desconectar desse mundo.

Vou relatar alguns exemplos e depois continuamos nossa reflexão sobre esse assunto, mas procure perceber a semelhança nos relatos. Vou citar apenas cinco, poderiam ser muito mais, mas qualquer pesquisa mais a fundo e até mesmo suas experiências pessoais poderão fazer o caro leitor (a)  abraçar essa teoria.

Começamos por Paul McCartney, músico inglês, que em uma bela manhã do ano de 1964 acordou inspirado por um sonho e compôs a música “Yesterday”. Esse sucesso ficou na história e agora você já sabe que essa música tocou primeiro no sonho que ele teve naquela noite.

Passando para o mundo da ciência, temos o caso de Dmitri Mendeleev (1834-1907), químico Russo que realizava estudos sobre os elementos químicos e suas propriedades. Uma noite do ano de 1869 inspirou a organização da Tabela Periódica, o cientista sonhou com um diagrama em que todos os componentes se encaixavam, e criou assim a Tabela Periódica moderna. Graças a Mendeleev os elementos foram organizados em períodos e famílias para facilitar seus estudos.

No mundo das artes, podemos citar o pintor Salvador Dali (1904-1989), que teve todas as suas obras inspiradas em sonhos. Para Dali nos sonhos estamos livres de toda e qualquer amarra e essa liberdade o inspirava e o resultado são suas fantásticas obras que, para mim, não são mesmo desse mundo.

Já, em época remota Arquimedes (287 A.C a 212 A.C), a história conta sobre como ele inventou um método para determinar o volume de um objeto de forma irregular. De acordo com Vitrúvio, uma coroa votiva para um templo tinha sido feita para o Rei Hierão II, que tinha fornecido ouro puro para ser usado, e Arquimedes foi solicitado a determinar se alguma prata tinha sido usada na confecção da coroa pelo possivelmente desonesto ferreiro. Arquimedes tinha que resolver o problema sem danificar a coroa, de forma que ele não poderia derretê-la. Enquanto tomava um banho, ele percebeu que o nível da água na banheira subia enquanto ele entrava, e percebeu que esse efeito poderia ser usado para determinar o volume da coroa. Para efeitos práticos, a água é incompressível, assim a coroa submersa deslocaria uma quantidade de água igual ao seu próprio volume. Dividindo a massa da coroa pelo volume de água deslocada, a densidade da coroa podia ser obtida. Essa densidade seria menor do que a do ouro se metais mais baratos e menos densos tivessem sido adicionados. Arquimedes teria ficado tão animado com sua descoberta que teria esquecido de se vestir e saído nu gritando pelas ruas “Eureka!” (em grego: “εὕρηκα!,” significando “Encontrei!”). O teste foi realizado com sucesso, provando que prata realmente tinha sido misturada.

Outro caso curioso é de Madame Curie que recebeu dois prêmios Nobel e foi a primeira mulher a lecionar na Sorbonne. Conta-se que uma de suas descobertas deu-se de forma “estranha”. Ela deixou suas anotações sobre a mesa do quarto e foi dormir. Na manhã seguinte elas estavam preenchidas e com os problemas todos resolvidos. Depois de investigar se alguém havia entrado ou, como todo o cientista, avaliado racionalmente como aquilo poderia ter acontecido, observou que a letra que completava as análises e teoremas era a sua. Isso a levou a conclusão de que, dormindo, ela levantou da cama e resolveu os intrincados problemas que estavam pendentes de solução.

Mas qual a coincidência nos relatos acima? Em nenhum desses momentos privilegiados, nossos artistas e cientistas estavam de posse do seu ego. O momento era de relaxamento e entrega, seja nos sonhos ou no relaxante banho que Arquimedes tomava em sua banheira. Evidente que, só mesmo quem não está de posse do seu ego sairia gritando nu e molhado pela rua, assim como nos sonhos estamos entregues ao nosso inconsciente, que segundo Jung está ligado ao “todo”, ou seja, a Criação.

Nesses momentos em que “esquecemo-nos de nós mesmos” é que poderemos nos conectar com essa inteligência que cria e permeia todo o universo. Esse abandono nada mais é do que nos afastarmos do que é desse mundo, ou seja, a ansiedade, a expectativa, os desejos e tudo que se baseia em vivermos em um corpo que perece. Quando acessamos esse infinito, essa eternidade que é nossa essência, estamos  em uno com o Todo. Quando criamos, somos deuses, mas para isso precisamos nos desconectar do que é finito e buscarmos o infinito. Tantos outros gênios fazem os mesmos relatos de que, muitas vezes, não estavam “pensando” no assunto quando veio a solução.

Hoje alguns teóricos da física quântica, baseados nos estudos de Jung, afirmam que existe um “campo” onde toda a informação estaria disponível e em determinados momentos, sob algumas condições, esses saberes seriam acessados. O que explica o fato de muitas descobertas terem sido feitas quase que simultaneamente por mais de uma pessoa. Uma descobriu, a informação ficou liberada em nível humano e outros que estavam nessa mesma busca horas, ou poucos dias depois também fizeram a “descoberta”. Talvez o mais famoso exemplo desse tipo de “coincidência” seja da paternidade do cálculo entre Isaac Newton e Leibniz que, cada um a seu modo, chegaram quase que simultaneamente ao mesmo resultado praticamente juntos.  Imagino que devam estar em algum restaurante chique, lá na eternidade, tomando um vinho e ainda discutindo quem chegou primeiro.

Isso tudo para mim significa que só poderemos acessar nossa divindade, se é que posso usar esse nome, quando nos desligarmos desse “eu” vinculado à matéria onde estamos habitando nessa etapa de nossa eternidade.

Todos temos esse tipo de momento em nossa vida, quando nos desligamos e relaxamos e, de repente,  “descobrimos” ou chegamos a alguma definição importante para nossa vida. Isso sempre acontece em momentos de “abandono” desse eu que está sempre com medo, baseado em sua finitude. Até mesmo a sociologia já entende o ócio como criativo como nos mostra o trabalho de Domenico de Masi.

Quer ser Criador (criativo)? Esqueça-se de si mesmo! Divirta-se, relaxe e se preocupe menos. Não precisa ser como Arquimedes e sair pelado pela rua gritando, mas aprenda com ele e com os demais que seu ego nunca vai levá-lo a nenhum outro lugar em que as companhias não sejam as preocupações e as dúvidas. Criar algo assim, angustiado, é mesmo impossível.

É claro que precisamos trabalhar e buscar nossos objetivos, mas o que erroneamente fazemos é colocar nosso lazer em segundo plano como se fosse algo supérfluo. Sempre digo aos meus clientes viciados em trabalho que o descanso e o divertimento é uma forma de trabalhar melhor, de ser criativo em encontrar novas soluções e métodos. Nunca ninguém descobriu nada importante pensando nisso o tempo todo. Nem aquele nome que está na “ponta da língua” conseguimos lembrar se pensamos nisso demais. Precisamos esquecer do assunto, mudar o foco e o nome vem a mente suavemente. Isso vale para tudo.

Até porque é na diversão que a vida mostra seu lado agradável e quem acha que isso não é importante, que só os compromissos contam é sempre uma pessoa com quem não gostamos muito de estar, chata, em outras palavras…

É na alegria (recomendo a leitura de artigo anterior com esse título) que nos desconectamos, rimos e nos “soltamos” e essa palavra diz tudo o que quero transmitir sobre a principal fonte da criatividade.

Bernard Shaw disse certa vez que as pessoas morrem cedo, apesar de serem enterradas muito tempo depois, quase quarenta ou cinquenta anos se passam entre a morte e o funeral. A criatividade pode matar a morte ou fazê-lo ressuscitar.

E você que está lendo esse artigo, permita-me perguntar: está morto ou vivo?

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Os dados sobre as descobertas foram obtidas no site “Brasil Escola” e “Wikipedia”