Nunca saberemos

“Tudo no mundo começou com um SIM. Uma molécula disse sim a outra e começou a vida. Mas antes da pré-história, havia a pré-história da pré-história. Havia o nunca e havia o sim, sempre houve não sei o que, mas sei que o Universo jamais começou”.

                                               Clarice Lispector – A hora da estrela

“A existência precede a essência”

                                                Jean Paul Sartre – O Existencialismo é um humanismo

Aristóteles, na Metafísica (livro IX), foi o primeiro a dizer com argumentos filosóficos que tudo tem uma causa antecedente, ou, em outras palavras que nada vem do nada. Por mais óbvio que isso possa parecer a metafísica e as superstições adotam o conceito que tudo que existe veio de uma inexistência inicial de todas as coisas, ou seja, foi criado do nada.

Não precisamos, como Aristóteles, ficar pensando no Universo, poderíamos fazer essa mesma reflexão partindo de nós mesmos. Somos o resultado do que nos acontece, vamos mudando, vitimados pelas alegrias, tristezas, frustrações, decepções, doenças, conquistas etc. Tudo no Universo é um movimento constante. Vamos sendo moldados pela vida a todo momento desde que nascemos. Seríamos outra pessoa se tivéssemos um passado diferente e não tem muito como saber como seremos amanhã, afinal, não temos como prever o que e quanto nossos encontros com a vida nos mudarão.

Tudo sempre existiu como diz Clarice Lispector na nossa citação inicial, sempre há um “Sim” para vida, e o primeiro perdeu-se no tempo. Temos essa angústia de procurar a causa inicial para nos sentirmos mais seguros, como se a conhecêssemos, saberíamos o que está por vir, ou nos daria uma interpretação segura de tudo que passamos e da nossa incapacidade de controlar a nós e a vida seria dirimida.

Sartre e os existencialistas perceberam que o conceito de “essência” não resiste a muitos minutos de observação isenta. A busca por essência é a mesma de saber como tudo foi criado, só que no âmbito da individualidade. A cada momento, a vida com sua força irresistível e imprevisível nos joga daqui para lá. A cada acontecimento, de qualquer tipo, somos empurrados “mais para o lado” seguindo rumos imprevisíveis. Hoje dizemos que amamos, daqui a pouco, percebemos que não mais sentimos. Hora temos certeza de querermos isso ou aquilo, muita luta, a conquista vem para logo depois olharmos e percebemos que a pessoa que nos tornamos (enquanto buscávamos esse objetivo), já não é mais a mesma e seja o que for que conseguimos, não nos faz mais brilhar o olhar.

Corremos atrás de nós mesmos como se estivéssemos “escondidos” em algum lugar em nosso interior, ali, parados a espera de ser descoberto e finalmente sabermos quem somos. Desde Sócrates o autoconhecimento está na moda e nunca sai de cartaz, não por ser difícil, mas por ser impossível! Como prender ou capturar o que se transforma, às vezes, até por um sonho que teve enquanto dormia? Nunca vamos nos conhecer, por  termos mudado no segundo seguinte caso isso fosse possível. Mas, como já escrevi em textos anteriores; queremos estabilidade, verdades e criadores!

Lidamos mal com essa imprevisibilidade da vida, queremos segurança, estarmos preparados para tudo que tememos. Só que tudo pode mudar em um segundo, anos de “certeza” terminam sem aviso. Seja com mais ou menos tempo, nos refazemos e seguimos adiante, mudados, buscando essas certezas, essa garantia que nunca chega em outras coisas. Transferimos essa decepção pela instabilidade para quem está do lado, mas sempre contamos com o fator metafísico estabilizador; existe um Ser que criou tudo e conhece ou é a causa inicial e que, portanto, sabe o porvir.

Se não temos controle sobre tudo que nos acontece, o que temos?

Podemos escolher boas causas para o que virá, bons encontros com o mundo que nos tragam a alegria de Espinoza; a vontade de viver e agir mais na vida. Isso nunca será sempre possível, mas sempre ajudará a nos moldar melhor, de sermos afetados e mudados positivamente nesse mundo tão estranho. O que podemos fazer, por entendimento e iniciativa é por boas causas no outro prato da balança, já que a vida se encarrega de preencher o outro com o medo e tudo que nos afeta negativamente, todo dia.

Para um segundo passo, lembrar que todos somos capazes de tudo, um contexto mais forte que nossa vontade (não é difícil de acontecer), pode nos fazer agir de forma inédita e nunca imaginada. Podemos fazer o que nunca fizemos, justamente por tudo ter uma causa, forte suficiente para, em um segundo, nos transformar em alguém que age de um jeito novo e inesperado. Acontece todo dia e, com certeza, já aconteceu com você também.

Muitas vezes conseguimos nos conter, quando nossos medos, bloqueios e avaliação das consequências são mais fortes que esse contexto. Aquilo que pensamos de nós mesmos, sempre como algo estável, tem alguma força de resistência, claro. Precisamos conviver melhor com a instabilidade e mudança contínua, nos lembrarmos disso mais vezes. Isso nos ajudará a nos assustarmos menos com tudo que acontece na vida, com os outros e conosco. Tudo é sempre possível!

Somos compostos de genes de milhares de pessoas que também viveram e foram mudados por suas vidas. Algumas vezes nosso olhar e pensamento tem em um antepassado sua causa. Não se assuste! Pare, pense e veja quem você é hoje e se isso lhe cabe. Nietzsche nos ensinou que nossos pensamentos são resultado de toda a luta que está sempre acontecendo em nós e no mundo. Não controlamos o que pensamos, não temos ciência de todas suas causas, assim como não saberemos o que seremos daqui a pouco.

Se isso assusta, pense diferente; essa é a graça e imprevisibilidade que está por trás do movimento de tudo que é vivo. Esse medo e insegurança é só nossa necessidade de controle, tem muito a ver com o mamífero que somos que sabe que pode morrer e precisa de algum controle (medo) para manter-se vivo. É irracional e faz parte!

Tudo tem causa, seja eu, você ou o Universo, mas ela está distante demais para termos certeza. Podemos descobrir nossas causas ou causas de outras coisas, elas podem ser recentes ou entendidas. Isso nos dá clareza? Sim, e em alguns casos isso pode ser muito útil. Mas lembre-se que o agora é uma mistura de causas múltiplas e anteriores e, ao mesmo tempo, será causa do que virá. Nem sempre percebemos e isso é mesmo muito difícil.

Milhares de espécies já viveram e desapareceram desse mundo por causas diversas, tudo começa e acaba. Os cientistas dizem ainda se ouvir no espaço o eco de uma grande explosão corrida bilhões de anos atras, que até pode ser nossa primeira causa, mas teve outra antes dela e assim por trás. Mas isso não importa, não faz diferença já que estamos vivendo agora, ou como diz Espinoza, somos um esforço em movimento, buscando se preservar e atrás de mais Vida nesse vir a ser, deliciosamente, imprevisível!

Nunca vamos saber nada definitivamente, nunca vamos ter certeza, nunca existirá uma verdade imutável, nunca haverá estabilidade, nunca!

A vida é sempre um SIM!

Um brinde!

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