Eternidade, para quê?

“O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel”.

                                              Platão

“Nós somos cidadãos da eternidade”.

                                           Fiódor Dostoiévski

Foi com a chegada do cristianismo que surgiu no ocidente a ideia de permanência da identidade após a morte. Na época, o que se acreditava, era que, ou éramos compostos de átomos e vazio (ler artigo “Demócrito, o quântico”), ou que nossa alma retornava ao mundo das ideias sugerido por Platão de onde viemos para esse mundo de formas e imperfeições.

Querer continuar a “viver”, mais que um desejo ou medo de desaparecer sempre foi resultado dos nossos apegos a coisas e pessoas que, por comporem nossa identidade, são a razão de existirmos. Em outras palavras, somos nossas relações. Continuar nossos relacionamentos em outro mundo nada mais é do que querer continuar a ser quem somos. Chega ser engraçado que pessoas com vidas sofridas e cheias de problemas de toda ordem, não querem ser outra pessoa nessa próxima vida. Sofrimento e dor também geram pego.

Na dúvida, como bem diz Saramago em seu ótimo livro “Todos os nomes”, escrevemos nomes em lápides, quase indestrutíveis a passagem do tempo. Tudo com objetivo de sermos, pelo menos, uma lembrança que teima em continuar.

Em muitos outros textos, lembrei que esse tipo de interesse em vidas futuras, tem um efeito colateral irrecuperável que é a perda de foco, interesse e vontade de melhorarmos ou vivermos melhor essa vida presente, inquestionavelmente verdadeira. Adiar planos ou realizações, também explica um pouco de preguiça e vontade de arredar algumas pedras pesadas, que preferimos atribuir ao carma ou outra fantasia. Mas, quando isso é uma escolha consciente, longe de ser um problema, é um exercício de decisão, de saber por que dissemos um sim ou um não. Fazer da vida, algo que estamos longe de entender pela sua complexidade, algo tão simples como sofrer agora e ter créditos depois, beira um pouco de irresponsabilidade existencial, mas o medo sempre é o pano de fundo desse triste enredo.

Se a vida são os encontros e troca de afetos, busca de crescimento, pensar, agir e ser diferente, então Viver é um ato subversivo em essência, já que a previsibilidade é o que se busca para que o rebanho não se disperse. Como bem disse Foucault, sempre teremos um padre, psiquiatra ou delegado para dar conta de nos trazer de novo para a obediência.

O ineditismo da vida, movida pelo verdadeiro desejo (ver texto anterior “Spinoza e o desejo”), não necessita que se precise viver novamente. Afinal, quer queiramos ou não, sempre que nos relacionamos com a vida, e isso acontece sempre, estamos alterando a realidade com a nossa presença. Seja o que fazemos, dizemos ou nos verem ou imaginarem, provocamos transformações na realidade que repercutirão eternamente, já que o mundo não será o mesmo depois de nós. Como todos, chegamos “in media rés”, ou seja, no meio do que já existe, que assumimos como verdadeiro e seguimos dali em frente com o tempero da nossa existência.

Ninguém passa em branco, mesmo que faça o melhor esforço para tal, já que sempre despertará, pelo menos, curiosidade sobre o motivo dessa pessoa ser tão ausente do mundo e, alguém sempre poderá achar que isso é uma boa política. Assim, mesmo a interpretação que as pessoas fazem de nós, que pode estar longe da realidade, já uma herança que deixamos. Somos então capazes de influenciar o mundo não só pelo que somos, mas pelo que se imagina que somos.

Nossas ações, aquilo que fizemos, vivemos, nos alegramos e mesmo o que nos entristece constrói essa jornada e, de alguma forma, a verdadeira eternidade (além dos genes) serão esses ecos que deixamos no mundo e nas pessoas voluntariamente ou não.

Quando passamos por ruas de cidades onde não moramos, quantos nomes e vidas que, de alguma forma, mudaram aquele lugar que a cidade se preocupou em não esquecer? Onde moramos, alguns são famosos e sabemos sua origem, e outros nem tanto. Muitas vezes, passamos pela rua que leva um nome que nos é indiferente, não temos ideia do que aquela pessoa fez que afetou esse lugar. A eternidade está em todos os lados! Já estamos nela, já que tudo que existiu antes, existe e existirá será o resultado da ação de pessoas. Na verdade, ninguém nunca morreu, já que sua marca, seja qual foi, ficou.

Nos preocupamos demais, perdemos tempo demais em querer saber se viveremos novamente, sobre a vida que já vivemos antes dessa e deixamos de perceber a realidade. Praticamos rituais e fazendo ações que buscam garantir essa possibilidade tão incerta em troca de avançarmos naquilo que é o mais verdadeiro de tudo.

Adoramos o mistério e o invisível, já que são ótimas telas onde podemos projetar o motivo de nossos medos e adiamentos. Queremos controlar o incontrolável, prever o imprevisível, subindo contra a força desse rio gigantesco chamado vida, quando poderíamos aproveitar a correnteza, fazendo sim nosso percurso, assinando a autoria da nossa existência naquilo que nos é possível. Para isso, simplesmente parar de brigar, de lutar uma luta que nem percebemos que estamos sós no ringue e que conseguimos, ainda assim, perder, nocauteados pela tristeza e a ansiedade. De uma lado, a tristeza, de sempre esperarmos que a vida deveria ser diferente, de outro, o medo que aconteça o que tememos, justamente por nunca ser como esperamos. Esse é o círculo vicioso do sofrimento.

A eternidade nunca foi um tempo contínuo, mas a ausência do que chamamos “tempo”, diferença entre o nascer e o morrer de cada um. Como bem diz o poeta Mário Quintana, a eternidade é um relógio sem ponteiros. Quando estamos “vivos”, exercitando nosso desejo, sendo causa de si mesmo, não lembramos do tempo, do passado ou futuro, já que tempo e vida são coisas muito diferentes.

Ser eterno é obrigatório por fazer parte do mundo, buscar permanecer além da vida já é desnecessário. Cuide das marcas que sua existência deixa, elas ficarão de qualquer jeito.

E depois?

Não importa!

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Oswaldo
Oswaldo
3 anos atrás

Gostei muito, “Prof.”!!!😂 Muito grato por nos estimular a mudar e pela compilação de conhecimentos 👏👏👏

Airton Slaviero
Airton Slaviero
3 anos atrás

muito bom!

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