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Eremita, solidão e descoberta

” A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais!”

Arthur Shopenhauer

Existe um momento na vida que uma espécie de recolhimento se fará necessário. Isso sempre acontece depois de uma grande desilusão ou perda. Seja uma ideia, conceito ou mesmo uma pessoa, quando algo importante sai de nossa vida ela precisa ser refeita, recomposta de alguma forma. É como se um pedaço de nós fosse retirado e o corpo precisasse repor essa perda de alguma forma, voltarmos a ter uma identidade sem aquele pedaço. É sempre um luto, não são só pessoas que morrem, sentimentos, “verdades” e crenças também.

No Tarô, a carta do Eremita representa um ponto que talvez seja acessível a todos nós, já que viver é estar em constante regeneração. No caso dele, esse momento chega quando na sua jornada atrás do autoconhecimento, o personagem (que somos nós), sai de cena para assumir algumas desilusões. Primeiro, ele descobre que vive em um mundo que tem regras e limites, que intuição e agir por impulso normalmente não dão muito certo. Depois, ele descobre que poder e riqueza não só não eliminam sua angústia como não trazem respostas, mas sim problemas novos, aqueles em que a solução não tem preço monetário. Depois, busca nas religiões respostas para esse mundo que estão fora dele e descobre que o que está por trás é o controle não o paraíso. Se assim fosse, teriam surgido outros Cristos, mas a religião não os produz, apenas inibe que apareçam. A ideia não é formar, mas domar.

Depois, pensa que a resposta está nos relacionamentos, nessa tal incompletude que Platão nos legou e transformou pessoas em tampas de panelas e meias laranjas. O que vemos? Os relacionamentos não se sustentam, não por não serem ótimos de se ter, mas porque estão fracassando em cumprir uma missão que não lhe compete.

Nesse momento, não é difícil perceber que o programa cultural não tem nenhuma preocupação com o ser humano, mas só com sua capacidade de produzir e gastar. Suicídios em alta, psicotrópicos vendendo como nunca e cada vez mais pessoas sofrendo com ansiedade. Um mundo que ultrapassa sua imprevisibilidade natural e ruma ao absurdo.

O que sobra depois de tantas decepções? Com certeza a última esperança: a existência da justiça!

Mas, ela é fruto da ideia grega de um universo inteligente que funciona harmonicamente e finito, como uma máquina de um relógio antigo. Quando Zeus formou seu time no Olimpo, a ideia era que a justiça mantivesse o Cosmo em sua perfeita ordem, que ela se encarregaria de que nada destoasse do logos. Bastaram alguns séculos e algumas boas lentes para percebermos que ele é infinito e não tem nada de organizado, é o próprio caos em escala imensurável. Dessa forma, a justiça não é possível, salvo a individual, da própria consciência.

Depois de tantas constatações e pedaços arrancados, não tem outro jeito, a não ser se recolher, assimilar e voltar renovado. Expectativas e histórias da carochinha? Nunca mais!

Quando o Eremita se recolhe parece que abandona o mundo, de fato é o que faz temporariamente, porém, o que realmente abandona são todas as expectativas em relação ao mundo. A sua última desilusão foi a Justiça, a partir de agora desiludido, no bom sentido, porque somente a desilusão mostra a verdade (que não existe verdade), passa a se encontrar.

Desde que nascemos somos para fora e Ele descobriu que essa não é a melhor maneira de viver. Inclusive, já entendeu que nem o que está vendo é o que realmente acontece, é na verdade o que ele projeta no mundo com suas ilusões de como o mundo deveria ser.

 Para ver o mundo, precisará ver a si.

 Tudo é uma representação, vemos o mundo metaforicamente. Quando vemos o mundo, essa é uma visão védica, vemos a capa do mundo, quando usamos nossos sentidos vemos a superfície do mundo. A medida que vamos nos interiorizando, são quatro estados, primeiro é esse dos sentidos, estamos vendo a capa do mundo, depois vem o segundo estágio chamado “sono”, que é quando em uma interiorização maior, fazemos uma alegoria em relação ao sono mesmo, mas um sono de interiorização em que começamos a aumentar nossa realidade interna através até das nossas próprias imaginações, depois vem o terceiro estágio que é o “sono profundo” que é o sono de sonhos, nessa parte do sono não tem separação entre nós e o mundo, ou seja, quando mais vamos nos interiorizando mais iremos realmente vendo o mundo além da capa.

Para que realmente entendamos a realidade, precisamos entender a nossa interioridade, é a frase de Jung que se tornou famosa: “Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, acorda”.

 O Eremita chega a essa conclusão, por isso foi necessário se retirar para conhecer a sua interioridade e quando volta, muda completamente porque volta outro, aquele que conhece seu mundo interior, que se completará na carta chamada “O Mundo”, que representa essa união final com a vida. No estágio do Eremita, alcançou um certo padrão de autoconhecimento, de uma visão completamente diferente da vida. A sua relação com o exterior termina na Justiça, a partir de então irá trabalhar outras coisas, as mudanças, os apegos, vai se aprofundando cada vez mais, até entender-se completamente. Se o “Eremita” é a nona etapa e “O Mundo” a vigésima primeira, ainda há o que aprender, sempre haverá!

Nós e o mundo estamos em caos, o mundo está sempre em nós e estamos junto dele e através dessa desordem nós nos recompomos em cada nova fase, por isso não tem como não passar pela desordem, ela é essa necessidade de arrancar pedaços que nada mais tem a ver conosco ou coisas que percebemos que nunca existiram, só na nossa fértil imaginação.

Cada momento de nossa vida tem um tempo e esses tempos não são regulares, a cada fase ganhamos conhecimento e ela tem começo, meio e fim. A ordem manda que quando terminarmos cada fase, que sigamos para outra, mas muitas vezes gostamos da fase em que estamos, porque já a dominamos e estamos seguros, então vamos para a próxima fase empurrados, saímos da zona de conforto na marra, naquilo que chamamos de crise.

O processo do mundo de impermanência nos empurra, ou vamos por vontade própria, o que ninguém faz, ou vamos no desespero, na crise, esse é o processo entrópico do cosmos e do caos. A cada crise quando bem vivida, ficamos mais elevados, mais maduros. A pergunta é: por que vamos no sofrimento? Porque somos mamíferos e para sobreviver preferimos o conhecido. Lembre-se que temos dois impulsos: de sobrevivência e de vida. O impulso de vida nos empurra para o novo e o impulso de sobrevivência (medo), quer fiquemos onde já conhecemos, sua preocupação não está se estamos felizes e sim se estamos sobrevivendo.

 Somos seres mamíferos, esquecemos isso com uma grande facilidade e não me canso de repetir. Será mais fácil quando nos vermos como mamíferos de grande potencial, ao invés de seres elevados, achamo-nos transcendentais, praticamente deuses, a fonte da criação divina, mas somos 1% diferentes dos macacos e isso é fato científico. Como mamíferos temos medo de mudar e perdemos esse medo quando não aguentamos mais, então não mudamos, somos levados pela “força do vento”.

O processo do caos é condição para a formação do eu, da individualidade, por isso que o mundo é caos, quando estamos bem, estamos em ordem no caos. Quem somos nós? Somos alguém que, quando está em ordem no caos, tem uma identidade. Estamos passando de fase, mas não queremos, é confortável ficar onde conhecemos. Vamos entrando em desordem, em processo de entropia, o que poderia acontecer de forma fácil, fazemos ser doído, porém iremos de qualquer jeito, por isso que toda crise sempre é uma mudança de processo evolutivo. Quanto mais a pessoa se mantém onde está, mais sofre.

Minha opinião é que mais de 95% das crises emocionais são processos evolutivos que não se confirmam, a pessoa precisa avançar, mas não está conseguindo fazer essa transposição. Isso acontece porque tem medo daquilo que aquela pessoa que será poderá fazer, tem medo dela mesma, não se conhece agora e tem medo de não conhecer o que ela será depois de mudada. Talvez também pense que terá que fazer outras coisas que hoje não quer fazer. O Eremita atingiu o primeiro passo da iluminação, que é perceber que é Ele e com Ele, não tem nada a ver com o mundo que sempre foi e será um conjunto de vários tipos de vida que se movem simultaneamente.

Estudar o Tarô é estudar as etapas de um caminho longo, cheio de descobertas, desilusões e perdas. Mas não se preocupe, tudo que você perderá nada mais é do que um excesso, como se estivéssemos, sem perceber, com 5 calças e 15 camisas.

O Eremita já retirou algumas peças desnecessárias, mas ele ainda tem muito que aprender, mas já é de longe um outro ser, que se tornou humano. Como dizia Joseph Campbell , humanidade é uma possibilidade, ninguém nasce com esse status. Só com esforço se transforma 1% em 10%. E o mais engraçado que é tirando, deixando mais leve que a mudança acontece.

Ele sempre aparecerá como um velho, que sempre representa quem aprendeu com o tempo, com uma luz na mão. Isso mostra que parte da escuridão acabou, mas essa luz não veio de fora, nunca vem, mas isso eu tenho certeza que você já percebeu.

Fim de ano

Amigos, ao desejar que todos tenham um ótimo final de ano; que descansem e se divirtam muito, quero informar que os textos do blog retornam em 10 de janeiro. Até lá, somente a crônica do dia 5 janeiro será acrescentada como de hábito.

Estarei  retornando ao consultório a partir de 13 de janeiro. No período entre 02 e 10 de janeiro estarei com conexão a internet limitada; somente a leitura de emails.

Para finalizar uma sugestão:

Agradeça mais, peça menos e aja muito!

2016, como todo ano, será sempre resultado das nossas ações!

O funcionamento da Máquina (1a parte)

       “Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia.”

Fernando Pessoa

Visual of Man's Brain

Livros, programas e trabalhos que relatam pesquisas e estudos sobre o comportamento humano me interessam muito. Sempre me fascinam os “porquês” de nossas atitudes, afinal sempre desconfiei que em sua maioria não fossem conscientes. Com o tempo, estudos e, principalmente, a observação pessoal no consultório fui confirmando essa ideia. Alguns poderão dizer que Freud de certa forma já teria dito isso, mas tenho certeza que nem ele imaginava o quanto somos levados por mecanismos automáticos.

Em seu livro Subliminar, o autor Leonard Mlodinow (editora Zahar) cita uma série de estudos feitos por especialistas em psicologia social que mostram como o inconsciente nos direciona o tempo todo. Vou citar aqui algumas dessas experiências e comentá-las dentro desse enfoque que sempre tratamos aqui no blog; de que só uma consciência ampliada pelo entendimento e prática pode nos tirar desse “sono” no qual vivemos toda a nossa vida. O Livro é rico em estudos para quem se interessar pelo tema.

Em um estudo os participantes receberam três tipos diferentes de detergentes. Foi pedido que experimentassem todos por algumas semanas e depois dissessem de qual tinham gostado mais e por quê. Uma das caixas era predominantemente amarela, outra azul e a terceira azul salpicada de amarelo. Depois do período de testes os usuários demonstraram terem preferido o detergente da embalagem de duas cores. Interessante é que as razões que deram para sua escolha não incluía a da cor da caixa. Na verdade a única diferença entre os três era justamente essa, o detergente era idêntico nas três embalagens.

Esse e outros testes demonstram que escolhemos muito em função da “embalagem”. E isso vale para tudo que compramos e,  inclusive, pessoas. Afinal o que você acharia se chegasse a um consultório médico e fosse atendido pelo especialista com a camisa de um time de futebol? Por isso, algumas profissões fazem do terno e gravata uma necessidade. A embalagem muda a ideia sobre as pessoas, assim como em outro experimento especialistas avaliaram melhor o balanço de uma empresa quando estava impresso em papel brilhante, enquanto outros que receberam o mesmo balanço, mas em papel simples, teceram comentários menos elogiosos.

Dentro desse mesmo conceito, uma loja de vinhos deixava em determinadas horas do dia uma música de fundo. Quando as músicas eram alemãs se vendiam muito mais vinhos alemães em comparação aos demais (cerca de 75%). Quando a música era francesa, os vinhos franceses vendiam mais (cerca de 73%). Na saída da loja, apenas um entre sete compradores disse que a música poderia ter influenciado sua compra, os outros nem perceberam que havia alguma música e de que tipo era ou negaram a influência na sua escolha.

Esse tipo de estudo nos permite ampliar nossa reflexão. Quantas vezes formamos um julgamento de alguém movido por circunstâncias tão aleatórias quantas essas? O quanto algum som, um tipo de papel e tantos outros fatores ambientais que provavelmente nem são percebidos a nível consciente pode fazer com que simpatizemos mais ou menos com alguém ou façamos um julgamento ou cheguemos a conclusão sobre determinada situação baseado em uma circunstância momentânea?

Nossa mente, por segurança, precisa firmar opiniões sobre tudo, inclusive alguém que estejamos vendo pela primeira vez. Quando somos apresentados a uma pessoa, nossa mente vasculha todos os seus arquivos em busca desse rosto. Como não encontrará nada, afinal estamos vendo essa pessoa pela primeira vez, o que determinará nossa simpatia ou antipatia pode ser o jeito de olhar, algum traço da fisionomia, tom de voz, sorriso, etc. Se essa semelhança estiver ligada a algo positivo em meu passado, nossa identificação com essa pessoa será positiva, caso contrário diremos que não rolou “química” ou que não fomos com a “cara” dela. Provavelmente porque algum detalhe lembrou aquele professor que você detestou na infância, mas isso nunca será consciente, porque se for, a própria consciência disso nos empurrara a desconsiderar o próprio julgamento, mas quase nunca isso acontece.

Portanto, precisamos de um grande esforço, de estarmos realmente conscientes e sabermos como funciona nossa mente para que evitemos esse tipo de julgamento tão precipitado. Ainda vigora em nós, o mesmo mecanismo da época das cavernas onde essa simpatia ou antipatia queria significar um perigo a nossa vida ou sermos mortos por algum inimigo desconhecido. Nunca se esqueça que nossa mente está ligada ao corpo físico e que portanto sua principal função é nos deixar atentos a qualquer coisa que possa nos levar a morte.

Já no final do século XVIII, o filósofo Immanuel Kant defendia a ideia que nós construímos uma imagem do mundo, sendo esse processo muito mais complexo do que simplesmente no que existe realmente, mas que criamos isso que chamamos de realidade por acrescentar ao que vemos outros fatores inerentes a nossa mente. Essa soma é o que é para cada um a sua realidade. Quem sabe Kant não tenha se inspirado no princípio oriental de que tudo é maya (ilusão), ou seja, ninguém vê o real, só mesmo aquele que transcende a sua mente e se desfaz dos véus da ilusão, que nada mais é que nossa parte animal que funciona independente da consciência.

Assim, consciente e inconsciente estão se intercambiando a todo o momento e é assim que nosso cérebro funciona. Em outras palavras, misturamos realidade com ficção e disso fazemos o que vemos e pensamos. O que a ciência hoje pode comprovar através não só de testes de comportamento como esses, mas nos exames de imagem, quando nosso cérebro é visto funcionando, é que o inconsciente tem um fator muito mais preponderante. A razão disso é que ele vem se desenvolvendo há milhões de anos, respondendo pela nossa segurança e, portanto, sobrevivência. Isso é mais rápido e automático em cada um de nós, já que mantém as chances de continuarmos a viver. Basta olhar os animais, que funcionam basicamente por instinto. Poderiam eles sobrevier sem o inconsciente? Os perigos a que estão expostos já vem impressos em seus genes e é por isso que em poucos dias já tem uma autonomia que nós humanos levamos alguns anos para atingir. É por isso que sempre é bom, como diz a sabedoria popular, contarmos até dez. Se contarmos devagar, bem devagar, poderá dar tempo de nos percebermos e sairmos um pouco do domínio do inconsciente e termos alguma lucidez sobre nossas ações e reações.

Segundo Mlodinow, a verdadeira quantidade de informação com que podemos lidar foi estimada em algo em torno de dezesseis a cinquenta bits por segundo. Portanto, se nossa mente consciente tentasse processar toda essa informação enviada pelo sistema sensorial, nosso cérebro travaria, como um computador sobrecarregado.

E  isso prova o que dissemos acima e que Kant já defendia. Grande parte do que cada um chama de realidade, é composto de uma parte real (captada pelos sentidos) bem reduzida, e uma outra grande parte é completada pela nosso inconsciente, ou seja, vemos um pouco e criamos todo resto para que nosso cérebro possa funcionar bem.

Para a medicina e a psicologia tradicional existe uma “realidade” e quem estiver fora dela é considerado doente. Pelo que a ciência está descobrindo a cada dia, ser normal nada mais é que imaginarmos todos muito parecidos essa realidade.

Assim, uma atitude bastante sábia é começar duvidando de si mesmo!

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