Reflexão

Reflexões sobre a religião – 2a Parte

Quanto mais nos educamos, mais nossas convicções chegam de segunda mão.  Quando paramos de acreditar na verdade dos outros é que começamos a enxergar a luz no fim do túnel”

Sam Harris – A Morte da Fé

 

Uma crença pode ser definida como algo que nos move na vida. A partir delas que definimos nossa visão de mundo, nossas interpretações sobre tudo que nos acontece e, principalmente, nossas reações emocionais diante de todos os tipos de situações. Essas crenças nos são impostas desde a infância e não costumamos discuti-las, se certas ou erradas durante nossa vida, salvo se nos percebamos sofrendo por elas e tenhamos a coragem de mudar.

Isso também acontece com a religião, me mantenho nela como praticante desde que isso não me traga prejuízos sensíveis, me sinta protegido, crer que ela pode operar milagres a meu favor ou minhas expectativas não serem frustradas. Ouço seguidamente pessoas se dizerem pertencentes a alguma religião acrescentando no final da frase um “não praticante”. Isso é realmente engraçado, porque a própria essência da religião está ligada a prática religiosa. Na verdade dizer-se “não praticante” é não pertencer a referida religião. Esse fato normalmente ocorre, porque essa religião não foi escolhida pela pessoa, mas imposta, normalmente na infância. Por isso tem sido tão comum as pessoas trocarem de religião ou “filosofia” quando atingem uma certa maturidade e não mais sentem culpa por trocarem o que a família lhes deu.

No Brasil isso é muito claro. Pesquisas demonstram o crescimento do espiritismo, por exemplo, sem que haja uma transferência no número dos que se dizem católicos. É fácil perceber que, conforme o artigo anterior, o “católico” faz parte da identidade da pessoa enquanto que a freqüência aos chamados centros espíritas parece ser uma escolha, muito baseada na idéia de que, segundo essa filosofia, vive-se muitas vidas, enquanto o catolicismo defende que a existência é única, seguida pela vida eterna, seja no paraíso, seja no inferno. Isso é claro dependendo das condutas e atitudes certas ou erradas. Convém lembrar que isso depende, já que vi documentários da segunda guerra mundial onde padres benziam canhões, além é claro do período da inquisição, onde a Igreja matou centenas de milhares de pessoas “demoníacas”, revogando, ou queimando (fica melhor nesse caso) o mandamento de “não matarás”. Isso mostra que depende da conveniência.

Sidharta Gautama (Buda) cansou de dizer que não queria imagens suas depois de sua morte, mas que seu ensinamento é que fosse mantido. Hoje as imagens de Buda estão por todos os lugares. É fácil entender que as pessoas prefiram essa imagem, já que através dela é mais fácil lembrar dos ensinamentos, mas não foi isso que Ele pediu.

Já Cristo, pelo que se sabe, levou uma vida de humildade e seu veículo de locomoção era um asno, o animal mais simplório da época. Hoje, o seu representante vive em palácios, coberto de ouro e é dono de bancos. Por isso cabe lembrar que as religiões não foram criadas pelos Mestres, mas pelos discípulos, seus seguidores, normalmente em estágio evolutivo muito inferior. Isso explica as hierarquias, lutas de poder, divisões e todo o tipo de equívocos nas estruturas religiosas do mundo todo mostrados fartamente pela História.

Justamente por isso, tenha calma com sua conduta religiosa. Trabalhe sua religiosidade, que nada tem a ver com religião. Se Deus existe, tenho certeza que você não precisa de nenhum intermediário ou ir a um lugar específico para ser ouvido. Lembre que esses Mestres não deixaram nenhuma linha escrita de próprio punho. Tudo é de 2ª mão, ou seja, escrito por outras pessoas e com a intenção clara de manipular a conduta das massas com claros objetivos de poder. Nunca se esqueça que os chamados livros sagrados têm realmente belos ensinamentos, algumas curiosidades e também absurdos, justamente porque foram escritos de forma que se possa interpretá-los de muitas maneiras. Caso não fossem escritos assim não poderiam transpassar as épocas e séculos.

O homem precisa acreditar em algo maior do que ele, que possa dar algum sentido a vida, a morte e as tragédias que vemos todos os dias. Einstein disse certa vez que Deus não jogava dados com o Universo, que tudo tinha uma lógica e um porquê. Mas se para você essa inteligência não é um velhinho e não tem barba branca, não precisa se sentir à parte de tudo. Desvincule-se dos modelos criados pelos outros e não há mal nenhum em ter a sua própria religião. Sinta-se a vontade para livrar-se dos “pacotes fechados” e poder simplesmente pegar o que quiser das várias religiões existentes para criar a sua própria. Quem disse que elas detêm a verdade? Só pelo fato de termos tantas religiões diferentes que pregam coisas tão distintas é óbvio que nenhuma deve ter a verdade, com sorte, uma parte…

O que realmente importa é você encontrar um sentido, um nexo que tranqüilize, traga paz interior. O que realmente me preocupa é com sistemas fechados que impõe limites e dogmas (verdades que não se discutem). Isso limita a busca do entendimento e coloca uma espécie de coleira. Não é a toa que dizem que somos rebanho…

Sei que as religiões mais tradicionais e dogmáticas tem sua utilidade social, na medida em que impõe a seus seguidores condutas que os afastam de problemas sérios como drogas, álcool e violência. Dão esperança ao desespero nos milagres que podem acontecer, etc.

Buda não falava de nenhum deus e pregava o fim do sofrimento de maneira prática e direta, mostrando que a vida pode ser boa (paraíso) aqui e agora e que o sofrimento (inferno) são nossas condutas apegadas. Cristo um dia perdeu as estribeiras quando viu o templo cheio de gente vendendo bugigangas, comercializando a fé. Diz a história que ele quebrou tudo, bateu nas pessoas e ficou mesmo bravo. Já imaginou se volta hoje?

Está escrito na bíblia que Jesus foi batizado aos trinta anos. Sem dúvida ele tinha razão, é uma ótima idade para, com liberdade e sem imposição, escolhermos uma religião…

 

A Depressão de NATAL

Por detrás da Alegria e do Riso, pode haver uma natureza vulgar, dura e insensível. Mas, por detrás do Sofrimento, há sempre Sofrimento. Ao contrário do Prazer , a Dor não tem máscara.

(Oscar Wilde)

Todo o ano é assim: quando o comércio monta as árvores e o clima de natal começa a chegar é comum ouvir de alguns clientes no consultório a seguinte frase: “Se pudesse, dormiria dia 23 de dezembro e só acordaria dia 2 de Janeiro…” Mas porque isso acontece?

Segundo alguns estudos, cerca de 30% da população ocidental (onde a data é mais tradicional e comemorada) sofre do mal conhecido como depressão de natal ou “Christmas Blues”. As pessoas acometidas desse “mal” sentem na época das festas de final de ano uma angústia, sensação de desamparo, aumento dos níveis de ansiedade e alguns outros sintomas que se assemelham a um quadro depressivo. Penso ser, portanto, oportuno, discutirmos esse tema, já que caso algum leitor seja vítima desse mal estar, possa fazer uso dessa reflexão para melhorar seu quadro.

Existe uma série de fatores que podem provocar essa sensação, mas vou colocar os principais:

Tudo começa com o “clima” de natal, onde todos precisam (?) estar felizes, fraternos, além de outros nobres sentimentos que, nos são impostos de cima para baixo. Caso não nos sintamos assim, é como ficarmos de fora de uma festa em que todos participam e se divertem menos nós. Claramente nos dias que antecedem a data as pessoas são tomadas de uma espécie de euforia que se cristaliza nas lojas onde se realizam as compras dos presentes. Nota-se uma grande ansiedade, correria e pressa, muitas vezes claramente desnecessária, já que muitas pessoas estão até mesmo de férias. Fica-se contagiado negativamente, já que se não me sinto assim, penso que devo ter algo de errado comigo, o que acarreta, no mínimo, uma sensação de solidão.

Também é uma época de convivência obrigatória e alegre, seja com familiares ou colegas de trabalho de quem eventualmente não gostamos ou simpatizamos (não há mal nenhum nisso), mas precisamos estar transbordando de felicidade e, “é tempo de perdoar”, seja o que for, apesar  de podermos ainda não estarmos prontos para esse nobre ato. Essa obrigação de se estar em família, originária da tradição cristã, muitas vezes exige esse sacrifício de se ter que estar com quem não se quer estar. É sempre importante lembrar que não é raro, eventualmente, não termos afinidade ou mesmo não gostarmos de algum familiar próximo. Se desavenças e afastamentos acontecem com amigos (que escolhemos), também podem acontecer na família (onde não escolhemos). Evidentemente que isso provoca ansiedade (toda a ansiedade é sofrimento) e a pessoa não vê a hora de se livrar desse compromisso. Mas o medo de desagradar os demais familiares, não querendo ser o motivo de uma eventual tristeza, faz com que se sinta obrigado a estar presente, afinal, vai que durante o próximo ano alguém importante morre e vem a culpa de ter se dado esse desgosto a  essa pessoa querida…

Não podemos esquecer também das perdas pessoais de familiares que sempre são mais sentidas no natal, já que a família está reunida e a pessoa não está mais presente, o que sempre traz mais um peso emotivo para a data e para a noite de natal. A lembrança dessa perda dura muito tempo e a salvação de uma noite mais animada fica a cargo da presença de crianças, que pelo encantamento dos presentes e até mesmo pela própria condição de criança, ainda não aprenderam com os adultos essas tristezas obrigatórias. Lembrando sempre que, como em nossa cultura, o amor está ligado ao sofrimento, não fica bem ficar muito alegre se os demais estão sofrendo pela ausência de alguém.

Situações e emoções reprimidas com familiares, colegas e amigos precisam ser esquecidas para que a festa não seja estragada, o que aumenta o nível de tensão e faz da noite de natal para muitas pessoas um sofrimento inescapável.

Projetos e metas que estipulamos no ano anterior e, pelo motivo que seja não puderam ser cumpridas, baixam a auto-estima e nos lembram de que, de alguma forma, fracassamos, trazendo um sentimento de inadequação.

E, ainda para piorar, algumas pessoas têm nas compras um escape para suas ansiedades e fazem no natal dívidas que terão que cumprir no ano seguinte por alguns meses, com o objetivo de se sentirem melhores, o que nunca acontece…

Enfim, poderia ainda elencar outras razões para esse fenômeno que tem crescido a cada ano, mas penso que os citados já são suficientes para uma reflexão sobre o tema e, para aqueles atingidos, o consolo de saber que estão acompanhados nos seus sentimentos por muita gente. Nessa hora, procure rever a maneira como você lida com essa data, se dê, de presente, um natal diferente, revogando algumas obrigações que não fazem mais nenhum bem. Procure ser honesto consigo e evite fingir o mais que puder, já que, quando não estamos naturais a tensão está presente e terminamos exagerando na comida, bebida ou compras para nos anestesiarmos. Portanto, se você não sofre dessa depressão de época, pode conhecer alguém assim, torne-se mais compreensivo sem a necessidade de estar perguntado: O que você tem? Porque está com essa cara?

Mas quando isso começa? Pode ser desde a infância, com dias de natal tristes, onde muitas vezes a criança não entende racionalmente, mas sente  o clima e a cada ano, mesmo depois de adulto, a cada natal volta a sentir a mesma tristeza. Mas também isso pode começar a partir de um natal em especial, pelo motivo que for, criando um trauma revivido a cada ano.

Nossa mente, na sua parte ligada a sobrevivência, nos remete ao passado com facilidade, seja por alguma data, música, aroma, etc. Ainda mais se for para a negatividade. Dessa forma, sentimos a mesma sensação da primeira vez mesmo que já tenha se passado muito tempo, e isso tem a finalidade de não repetirmos nada que nos fez sofrer com o objetivo de nos manter vivos. Não existe análise qualitativa nisso. Observe que os bons momentos são lembrados com pouca emoção, como se estivéssemos contando um filme que vimos, mas os ruins…

Aliás, um dos grande problemas dos nossos sofrimentos estão ligados ao fato de não sabermos como nossa mente funciona, o que impede mudanças importantes nos padrões de comportamento. Como poderemos arrumar ou ajustar uma máquina que não sabemos seus princípios de funcionamento?

Para encerrar, console-se com o papai Noel dos trópicos, no calor escaldante com roupa grossa, barba e tendo a obrigação profissional de estar sempre sorrindo, batendo sua sineta dando o fundo musical dessa data que faz tanto bem e mal…

 

O estudo do ONZE

 

“Ah, se fosse assim tão simples! Se houvesse pessoas más em um lugar, insidiosamente  cometendo más ações, e se nos bastasse separá-las do resto de nós e destruí-las. Mas a linha que divide o bem do mal atravessa o coração de todo o ser humano. E quem se disporia a destruir uma parte do seu próprio coração?”

Alexander Solzhenitsyn

Tivemos nessa semana uma daquelas datas que povoam o imaginário das pessoas e que é importante para muitas correntes místicas. Diz-se que em datas com números repetidos como esse 11/11/2011 abrem-se “portais” por onde aqueles que estão conectados ou preparados podem ter um aumento do seu nível consciencial pela sabedoria transmitida por seres mais elevados. Nesses dias nos horários completos como tivemos às 11hs, 11min e 11 segundos essa comunicação é feita pela abertura dos referidos portais. Caso isso tenha realmente ocorrido será muito bom, visto que, como sabemos, até por experiências já realizadas, quando um grupo de pessoas se “eleva” isso provoca um efeito no restante da população, já que parte-se do pressuposto que existe uma “mente coletiva” partilhada por todos nós. O lema é: tudo está em tudo, ou o que está no alto também está embaixo.

Porém, quero aproveitar essa data para falar do número que ficou em evidência, o onze, que, como os demais, tem um profundo simbolismo que pode nos ser útil em nossa caminhada em busca do autoconhecimento.

O onze é uma variação do número 2 (1+1), sendo, portanto um número eminentemente feminino. Tradicionalmente o onze é representado por três figuras a saber: uma mão fechada, um leão amordaçado ou a mais conhecida e que ilustra nosso artigo; uma mulher abrindo a boca de um leão. O onze é também chamado de “A Força”.

A nível psicológico o onze nos remete a mediação (entendimento) entre o ego e nossas forças mais primitivas. Como sabemos, o Leão é um animal selvagem e ameaçador e simboliza que não podemos enfrentá-lo (dominá-lo) de forma tradicional e violenta (masculina), nem podemos simplesmente ignorá-lo. Justamente por isso que esse importante conflito precisa ser realizado de forma subjetiva, interior e sutil, o que justifica plenamente a presença da mulher na gravura. Notem que ela abre a boca do leão sem esforço e não aparenta nenhum medo…

Mas o que é essa nossa parte simbolizada pelo leão? É o que o psicólogo Carl G. Jung chamava de “sombra”, ou seja, cada um de nós tem um personagem agradável para o uso cotidiano que busca a adaptação, respeito e acolhimento dos outros. Mas, também temos um “eu” oculto e noturnal que permanece amordaçado a maior parte do tempo. Emoções e comportamentos negativos como raiva, ciúme, inveja, vergonha, falsidade, ressentimentos, lascívia, cobiça, tendências suicidas e homicidas, etc., ficam escondidas logo abaixo da superfície, encobertas pelo nosso “eu” de consumo externo, mais apropriado às conveniências. Como não gostamos de também ser assim, mantemos essa parte escondida (nos causa vergonha) e a negamos. Dessa forma esse importante território de nosso interior permanece inexplorado.

O grande problema é que esse lado escuro, por não ser dominado, sempre aparece em um momento de raiva, quando bebemos demais ou “perdemos a cabeça”. Nessa hora, nos mostramos mais completos e dizemos o que realmente sentimos e fazemos o que realmente queremos. Mas como isso não combina com a idéia que nós mesmos queremos passar, nos desculpamos dizendo que não sabíamos o que estávamos fazendo, etc…

O ensinamento do onze nos ensina que não podemos voltar às costas para nosso leão, já que sempre que isso acontece ele fica mais feroz e incontrolável. Se não o dominarmos, seremos visitados por doenças psicossomáticas, crises nervosas e são a causa da maioria dos crimes passionais.

Ocorre que esse leão só pode ser domado de forma sutil e acolhedora, reconhecendo meu lado obscuro. É muito fácil saber o que está escondido em nós, basta perceber o que mais me incomoda e me irrita no comportamento dos outros. Como o outro é sempre um espelho onde me reflito, minhas críticas e irritações com outras pessoas só acontecem porque elas me mostram esse meu lado que não quero lembrar que tenho. Também é importante entender o outro lado: tudo que admiro em outras pessoas são potenciais que também tenho que precisam apenas ser desenvolvidos.

Enquanto não domarmos nossa “fera” ainda não teremos atingido nossa plena humanidade, sendo, na melhor das hipóteses um animal que se desenvolveu um pouco mais que os outros da natureza. Só quando me conheço por completo, posso realizar o principal conselho de todas as religiões: o não julgamento! Afinal, quando tomo essa consciência, ao invés de criticar, vejo o outro como alguém que sofre como eu…

Reputo fundamental a reflexão sobre a frase de Jung: “Aquilo que não fazemos aflorar a consciência, aparece em nossa vida como destino.”

Agora algumas curiosidades:

No Sepher Yetzirah*, o décimo primeiro caminho é o da inteligência cintilante, pois diz-se que aquele que o percorre até o fim com “verdadeiro entendimento” pode ser autorizado a ver a face de Deus e continuar vivendo. Para a Cabala, portanto, o ensinamento desse caminho proporciona a verdadeira liberdade.

Para os Taoístas o onze também e representado pela união do 5 e 6, que são o macrocosmo e microcosmo, céu e terra, sendo o número que constitui a totalidade, a via do céu e da terra. É o número do Tao.

*O Sepher Yetzirah é um dos mais antigos e misteriosos textos da Cabala. As primeiras referências datam do século I. Tem uma chamada “versão curta” com 1300 palavras e uma “versão longa” com 2.500 palavras. Sua autoria é atribuída a Abrahão.

Se perdeu esse portal não se preocupe, ano que vem teremos o 12/12/2012. Enquanto isso, pense nos conselhos que o número onze traz…

 

Para saber mais:

Números, magia e mistério: ed Três

Ao encontro da sombra: ed Cultrix

Jung e o Tarô: ed Cultrix

Dicionário de Símbolos: ed José Olimpo

 

Reflexões sobre a Religião

“ E se Deus é canhoto, e criou com a mão esquerda?

Isso explica, talvez, as coisas desse mundo.”

Carlos Drummond de Andrade, Hipótese (In: Corpo)

Tenho intenção de escrever alguns artigos sobre as questões que envolvem os tipos de religiões, porque as pessoas as escolhem, o que procuram, etc. Mas como esse é um assunto de grande abrangência, penso em fazê-lo aos poucos e não de forma seqüencial, já que pode não interessar a todos. Entendo, porém, ser um assunto sobre o qual devemos nos debruçar para ampliar não só nosso autoconhecimento (finalidade desse site) mas para entendermos melhor os outros e melhorar nossos relacionamentos.  Esses artigos, serão normalmente inspirados em três livros (principalmente), que recomendo a leitura para quem se interessar mais: A Morte da Fé de Sam Harris, Deus um delírio de Richard Dawkins e Religião, psicopatologia e saúde mental de Paulo Dalgalarrondo, além e principalmente de minhas opiniões sobre o assunto e das experiências no consultório.

O psicólogo americano Gordon Allport (especialista em psicologia da personalidade), publicou nas décadas de 1950 e 1960 importantes trabalhos onde o que para nós  interessa mais é a definição de conceitos de religião extrínseca e intrínseca. A motivação de Allport foi tentar responder uma inquietante questão: como, no seio das religiões, que em suas doutrinas pregam o amor e respeito entre os homens podem surgir intensas manifestações de ódio racial e discriminação?

Para ele, os sentimentos religiosos da maioria das pessoas são nitidamente imaturos, sendo, na verdade, remanescentes da infância. Entendia que esses sentimentos são construções egóicas em que as pessoas adotam uma divindade para ajudá-los em seus interesses imediatos, em outras palavras, buscam um pai benevolente. Também tendem a ter uma visão de que a sua religião é melhor do que as demais e que deus prefere os seguidores dessa religião em detrimento das outras. Nesse caso, a religião seria um instrumento de autoestima, sendo utilitarista e incidental. Nesse caso, a escolha religiosa seria um mecanismo de defesa da personalidade que ainda não amadureceu completamente. Definia esse tipo como extrínseco, pois a pessoa crê que sendo religiosa, isso seria útil para seus objetivos imediatos. Isso é perfeitamente comprovável, já que todos conhecemos alguma pessoa que abandonou sua religião quando diante de um revés na vida ou de alguma perda importante. Quando isso acontece, claramente havia por parte dessa pessoa uma “negociação”, na medida em que, ao não ser “protegida” pelo seu Deus desse infortúnio, não tem por que continuar nessa religião… Interessante notar que pesquisas demonstram que o preconceito racial é mais comum entre os que freqüentam dos que não freqüentam igrejas. A religião extrínseca dá apoio a exclusões, preconceitos e ódios que deixam claro a imaturidade, já que não existe uma ampliação do “eu” porque inexiste a relação afetuosa com o outro (que não pertence a minha religião), segurança emocional, percepção realista e muito menos autocompreensão. Esse tipo de pessoa nem sequer pensa que a fé é uma questão de crença, portanto não comprovada. Se “fecha” em sua doutrina excluíndo qualquer outro tipo de contraponto a seus dogmas, tentando converter outros e lamentando que sua “verdade” não seja seguida pelos demais.

Em contrapartida, existe uma forma de sentimento religioso que oferece ao indivíduo uma solução compreensiva, não sectária, por meio de uma teoria inteligível para os problemas da vida. Nesse caso a busca religiosa é vista como um fim em si mesma, como um valor subjacente a todas as coisas. Ela é mais desejável, já que não tem um fim pragmático, egoístico e de uso. A religião madura intrínseca é uma teoria mais compreensiva da vida, sem a preocupação de ser provada em seus pormenores. Podemos dizer que aqui encontramos os seguidores de religiões mais cultas e daqueles que tem uma religiosidade, ou seja, não pertencem a uma religião especificamente, mas procuram em conhecimentos variados, sua visão de vida e morte. Encontramos aqui, aqueles que são mais tolerantes, aceitando a idéia que cada um pode “ver” de um jeito diferente. A mesma pesquisa citada anteriormente mostra que pessoas com um tipo de religiosidade intrínseco revelaram-se menos preconceituosas.

O psicólogo social Hans Mol disse que o fator fundamental de se pertencer a uma religião é a busca por uma identidade. Para ele, as pessoas têm a necessidade de uma identidade sólida para sentirem-se seguras. Diante disso, nota-se que pertencer a uma família católica, ser “crente” ou “espírita”, por exemplo, tem implicações de identidade de longo espectro. Essas marcas de identidade podem ser vistas em adesivos em carros, camisetas, slogans, e demarcam não só identidades mas territórios e também rivalidades, por que não.

Assim a conclusão desse campo de estudo mostra que indivíduos mais rígidos, ansiosos e tensos tendem a buscar uma religião mais convencional e fundamentalista, que os guie e diga o que pode e não pode, o que é certo e errado. Enquanto isso, pessoas mais “abertas” buscam mais a religiosidade e espiritualidade do tipo intrínseco, sendo portanto, mais tolerantes, sem uma relação de medo e culpa, sem orientações externas de como conduzir suas vidas. A importância da religião mais tradicional está tanto em fornecer interpretações aceitáveis para vida e a morte (culpa e salvação), mas, sobretudo de identidade, principalmente para indivíduos menos favorecidos e grupos excluídos socialmente.

Cabe aqui, a importante questão para refletirmos: o que leva alguém a escolher uma prática do tipo intrínseca ou extrínseca? Seriam apenas fatores culturais, familiares ou como um condicionamento que recebemos desde a infância e portanto não o questionamos? Seria o “meio ambiente”o fator determinante para decidirmos como será nossa relação com Deus? Evidentemente que, na maioria dos casos, a resposta seria que sim! Mas e as pessoas que pertencem a famílias inseridas em religiões do tipo extrínseca que fizeram outras escolhas? Terá relação com algum tipo de “evolução” o fato de, mesmo nascendo e sendo criadas em um tipo, simplesmente não ser influenciada e escolher outro? E aquelas pessoas que vem de um meio mais intrínseco e preferem, depois mesmo de adultas uma escolha mais convencional? É provável que não tenhamos respostas definitivas, o que não impede que dêem suas opiniões…

O que observamos nas religiões mais tradicionais em suas doutrinas é sua estruturação em cima de fatores de grande influência psicológica como a culpa e o medo. Dessa forma, se a pessoa não consegue seguir suas diretrizes do que seu deus permite ou não, é reforçada a culpa por não ser “obediente, ou um bom(a) filho(a) ” de deus e, como consequência, o medo da punição pela falha. Já os que fazem a escolha oposta, sempre preferem fazer das dificuldades algum tipo de aprendizado e, normalmente, não acreditam em um destino traçado de forma definitiva.

 

Oportunamente continuaremos…

 

 


Além do NORMAL (2a parte)

Você não existe para se tornar um robô e não existe para se tornar igual a mais ninguém. Você tem que se tornar você mesmo! Essa é a maior coragem do mundo, porque a sociedade inteira tenta forçá-lo a se tornar outra pessoa.

OSHO – O cipreste no jardim

 

 

Continuarei nessa semana o artigo anterior de mesmo nome, com o intuito de aumentar a abrangência do assunto. Por isso, caso não tenha sido lido, recomendo que o faça (está logo abaixo), para ter o entendimento amplo sobre o tema.

Se realmente acreditamos que todo o ser humano tem potenciais inexplorados, talentos não utilizados e que essa vivência é fundamental para sua saúde, no sentido mais amplo do termo, e se concordamos que o meio social tem cumprido a função de impedir o florescimento desses talentos, o que fazer?

Penso que uma educação que tivesse essa finalidade seria a saída. O que sempre acompanhamos é o sistema educacional servir a ideologia dominante. Hoje, a escola se dedica a formar mão de obra para o capital, apenas isso. Freud disse certa vez, com acerto, que só a arte seria capaz de libertar o ser humano da angústia existencial. Evidente que Freud não contemplava aspectos mais transcendentes da existência em sua teoria, mas é inegável que quando estamos praticando alguma forma de arte, o bem que isso traz é inquestionável! Mas hoje, a aula de educação artística é relegada e tratada de forma pouco séria. Entendo que a arte, para uma criança é muito mais importante para o seu desenvolvimento do que ensinamentos de matemática, geografia ou ciências que poderiam esperar uma idade mais favorável. Mas como a idéia não é libertar, mas “domesticar”, a educação é tratada da forma que é.

Mais uma vez citando Maslow, ele defendia a idéia de que esse desenvolvimento poderia se dar mais facilmente em um ambiente “eupsíquico”, que seria um meio favorável a essa prática. Isso significaria a convivência com pessoas que valorizam o desenvolvimento da consciência (transpessoal), o que permitiria uma facilitação do processo, na medida em que, em uma atmosfera segura podemos abandonar nossas defesas e medos e nos dedicarmos a experimentação. Hoje isso acontece em cursos e workshops que, felizmente, tem sido cada vez mais ofertados.

Esse estado de desenvolvimento, que revoga os condicionamentos e levam a verdadeira liberdade, já que não mais existe o medo e o apego é chamado pelas Tradições religiosas de diversas formas a saber:

Ele e ele tornaram-se uma só entidade. (Abuláfia, Judaísmo)

O Reino dos Céus está dentro de vós. (Cristianismo)

Atman (consciência individual) e Brahman (consciência universal) são um só. (Hinduísmo)

Da compreensão do Eu decorre a compreensão de todo este universo. ( Upanixades)

Aquele que conhece a si mesmo conhece seu Senhor. ( Islamismo)

O céu, a terra e o homem formam um só corpo. ( Neoconfucionismo)

 

Nesse momento entra em questionamento a meditação como meio de se atingir essa compreensão mais ampla da realidade. Penso que a meditação, seja pela técnica que for, por si só talvez não seja suficiente e não para todos. De alguma forma, noto que as pessoas que tem usufruído mais dos seus benefícios já tem algum tempo de “caminhada”, ou seja, conhecimentos teóricos, mudanças pessoais já realizadas que fazem da meditação algo que se encaixa dentro de um contexto. Aqueles que ainda não atingiram esses pré requisitos sempre tem pouca persistência no processo e não conseguem resultados, nem os mais iniciais como uma tranqüilidade maior, mais tolerância e uma percepção consciente das agitações da mente.

Diz a tradição, que depois que a consciência é transformada e ganha uma estabilização não se chegou ainda ao final da jornada. Depois que as questões mais profundas são resolvidas, uma paz interior é alcançada, existe um direcionamento para o sofrimento humano de forma geral, conduzindo a um sentimento que só quem chega nesse estágio pode descrevê-lo que é a compaixão. Isso quer significar que a pessoa se volta para o “outro”, com a intenção de levar essa luz encontrada às demais pessoas. Esse é o estágio que Campbell chamaria do “retorno do herói” que na verdade é o que aconteceu com todos aqueles que contribuíram para a humanidade.

Maslow e outros transpessoalistas defendem a idéia que essa evolução é tão essencial quanto o abrigo e a alimentação e que quando isso não é atingido desenvolvem-se doenças de toda a ordem que nos seus sintomas iniciais nunca são detectados pelos exames, já que é uma espécie de mal estar existencial que se somatiza no corpo de alguma forma. O que vemos é a tentativa de sanar essa angústia com compensações de toda ordem; alimentação exagerada, compras, drogas,  e outras formas de agregar alguma coisa ao meu “Eu” que me faça sentir melhor, diminuindo o sofrimento.

Na verdade, só uma consciência ampliada pode me dizer quem realmente sou, o que realmente quero. Ao final desses dois artigos fica a idéia de que tudo começa, que toda a busca se inicia pelo auto conhecimento, da descoberta de quem sou, para só assim iniciar uma caminhada que possa me levar de “volta para casa”…

 


Optimized with PageSpeed Ninja