O TAO

“Assim que o toque da individuação entra no nascimento, o Ser e a Vida dividem-se em dois. Desde esse momento – se a maior tranquilidade não for atingida -, ser e vida não tornam a encontrar-se.”

LÜ DSU

Para quem já acompanha o blog, percebe que, de vez em quando, coloco uma estória ou metáfora das mais antigas Tradições com o objetivo de ampliar nossa percepção e trazer um entendimento que nos ajude a entender a nós e a natureza, que sempre é a mesma coisa.

Ao mergulhar na profundidade da estória desse artigo, poderá ficar mais claro sobre o que se fundamenta o Taoísmo que, assim como outras fontes, tem muito a nos ensinar. Ela é simples, mas de grande ensinamento:

Houve uma grande seca. Durante meses não caíra uma gota de chuva e a situação tornava-se catastrófica. Os católicos faziam procissões, os protestantes oravam e os chineses queimavam varetas de incenso e disparavam canhões para afugentar os demônios da seca. Finalmente, depois de tudo ser tentado, os chineses disseram: “Buscaremos o fazedor de chuvas”. E apareceu um velhinho magérrimo, vindo de outra província. A única coisa que pediu foi uma casa tranquila onde, depois de andar pela cidade e conversar com as pessoas se trancou durante três dias. No quarto dia, formaram-se nuvens e houve uma grande tempestade de neve, numa época do ano onde a neve era inesperada e em quantidade inusitada. A cidade começou a fervilhar de comentários e, depois dos agradecimentos e homenagens, o prefeito perguntou ao “fazedor de chuvas” como ele havia conseguido provocar tamanho feito. O velho e magro chinês respondeu: – Eu não fiz a neve, não sou o responsável! Então o prefeito perguntou: – Mas o que você fez durante esses três dias? Ao que o chinês respondeu:  – Ah, isso eu posso explicar. Venho de um país distante onde as coisas estão em ordem. Aqui, as coisas estão em desordem; não são como devem, de acordo com a disposição do céu. Por isso, todo o país não está no Tao, e eu também não estou inserido na ordem natural das coisas, porque me encontro num país em desordem. Tive então que esperar três dias, até estar novamente no Tao; então, naturalmente, a chuva caiu…

O taoísmo acompanha em seus fundamentos muito das demais filosofias milenares da China e a que mais gosto é a versão de R. Wilhelm que as estudou profundamente, tanto que fez a melhor leitura do I Ching para o ocidente. Essa obra também se tornou famosa pelos comentários introdutórios de Jung.

O pressuposto inicial dessas filosofias (algumas ganharam o status de religião), é  que tanto o Cosmo como o Homem obedecem as mesmas leis; sendo o Homem um cosmo em miniatura, não estando em separado do macrocosmo por obstáculos que não possam ser retirados por uma percepção e conduta adequadas. São regidos pelas mesmas leis com pontes que os ligam.

Portanto o homem participa por sua natureza de todo o acontecimento cósmico e está sendo afetado por ele interna e externamente. Por aí, imagino, que você já esteja entendo o que essa estória quer nos ensinar. A proposta é refletir sobre ela, oportunamente, escreveremos especificamente sobre o Taoísmo.

Nosso “fazedor de chuva”, ao andar pela cidade e conversar com os moradores entrou em sintonia com ela, com a desordem reinante que, nada mais era, que a desordem interna de seus habitantes. Imagino que você já tenha estado em algum lugar onde uma pessoa chega e consegue rapidamente “contaminar” o ambiente com sua baixa vibração, fazendo com que comecem a surgir discussões sem nenhum propósito e o clima do ambiente vai por água abaixo. De outro ponto é bem possível que você conheça uma versão dos trópicos do nosso herói chinês; aquela pessoa que ao chegar traz equilíbrio e bom senso onde reinava a falta de entendimento.

Nós somos, exteriormente, o resultado do nosso interior e o que nos cerca é resultado disso. Os países, cidades, empresas, etc., nada mais são do que a emanação da soma das mentes das pessoas que os compõe. O mundo que vivemos hoje está em nítida desordem e nem precisa procurar muito para perceber. Desde o clima, passando pela ecologia, desembocando na verdadeira epidemia de ansiedade que vivemos, com um número recorde de doenças autoimunes e números alarmantes de suicídios, está a nos mostrar que saímos do “ponto” de equilíbrio.

O Taoísmo nos mostra com clareza que precisamos nos “encontrar” e trazer o cosmos (ordem) ao caos (desordem) que estamos vivendo. Nossas emoções estão em completa confusão porque o Ego, que deveria ser nada mais do que um bom empregado, com seus medos e crenças condicionadas, assumiu o controle e as empresas individuais (que somos cada um de nós) estão indo a bancarrota porque o Ego não tem capacidade de gerenciar nossa vida.

O “fazedor de chuvas” encontrou a si mesmo em seu recolhimento, entendeu-se porque se sintonizou com se Self (eu superior) e, quando isso acontece, tudo funciona como deve funcionar, nem chuva demais, nem de menos! A saúde de uma pessoa mostra sua ordem interna e os sintomas e as doenças, sua desordem.

Continuamos buscando fora de nós, através da ânsia material o que só pode ser encontrado internamente, e nosso ego (eu) vai entrando em colapso, porque nada que possamos por ventura adquirir, poderá cumprir a função de fazer nosso Ser e a Vida voltarem a se unir como quando nascemos, como ensina o Mestre nas palavras de abertura. Desculpem, mas nunca vou me cansar de repetir isso!

 Essa divisão é natural, já que nossa busca é de encontrar essa reunificação e encontrarmos a “paz sob o céu” é a comunhão da minha vida com meu ser, vivendo quem realmente sou.

Por estarmos todos nesse caos interno, o mundo em que vivemos apenas espelha isso, afinal as leis são as mesmas!

“O Tao (sentido do mundo, Caminho), domina o homem, do mesmo modo que a natureza invisível e visível”. Essas palavras foram ditas há mais de 700 anos. O que ainda falta para percebermos isso ainda mais claramente?

No livro de Long Yen (sutra budista), encontramos o seguinte ensinamento: “Mediante a concentração dos pensamentos podemos voar, mediante a concentração dos apetites, caímos”. Penso ser fácil interpretar, já que a concentração nos pensamentos tem por finalidade diminuir o poder dos condicionamentos sobre minhas decisões, trazendo a clareza de se estar no domínio, facilitando a manifestação do Self, enquanto que os apetites representam os desejos exteriores que inocentemente imaginamos que vão nos trazer o Tao interior.

Quem sabe as pessoas poderão começar a se dar conta de que esse não é o Caminho e possamos dar um fim a esse mundo que vivemos atualmente, que realmente precisa acabar. Estamos vivendo uma seca de lucidez, de cuidado e de amorosidade.

Acredito que se algumas pessoas se colocarem em ordem, assim como a pedra jogada no lago cria ondas a partir do centro, possamos acabar com essa aridez e fazer mudança, do individual para o coletivo. Tudo começa sempre por você; faça “chover” encontrando seu Tao que é seu Caminho e o sentido de sua vida.

 Esse é um milagre possível!