Vitória sem luta

O grande guerreiro vence sem lutar.

Sun Tzu – A arte da Guerra


 

Preste atenção a essa estória:

“Certa vez, na antiga China, o sábio Ki Siao Tzu aceitou adestrar um galo de briga para o rei da região onde morava. Passados dez dias do início do trabalho, o rei perguntou se o galo já estava pronto para a briga. O treinador respondeu:

– Ainda não. Ele está vaidoso e arrogante.

Duas semanas depois, já com alguma impaciência o rei voltou a perguntar se a galo estava pronto para os combates. Dessa vez, a resposta do treinador foi:

– Impossível! Ele ainda reage a cada sombra e a cada ruído.

Passaram-se mais três semanas. O rei dessa vez chamou Ki Siao a sua presença e, mal disfarçando a insatisfação com a demora, pediu novamente notícias sobre o galo. Ki Siao responde:

– Nada… Ainda está com o olhar muito irritado e ar de triunfo.

Finalmente, dez dias depois, o rei, mais calmo, perguntou pelo galo. Desta vez, Ki Siao respondeu:

– Ele está pronto! Quando os outros galos cantam, isso não o incomoda mais. Quando se olha para ele, fica indiferente, como se fosse feito de madeira. Sua força interior é perfeita. Agora, os outros galos já não ousam se aproximar dele, pelo contrário, desviam-se e vão embora.”

 

Segundo a filosofia oriental essa estória ilustra a maneira de lidarmos com nossos embates na vida. Para eles, só quem não sabe lutar é que busca o conflito, já quem sabe lutar, prefere evitá-lo, buscando a paz.

Normalmente, os inexperientes procuram mostrar a força que possuem, os tolos, por sua vez, procuram aparentar uma força que não tem. Já o sábio, ignora as demonstrações externas e apenas corta seus próprios hábitos de desperdício, favorecendo o crescimento de sua força interior.*

Vivemos em um mundo cercado de conflitos por todos os lados. De certa forma sempre foi assim, mas no ritmo da vida moderna isso é ainda mais intenso. Lutamos por espaço em tudo. Nos empenhamos para adquirir símbolos de poder que agreguem valor a nossa identidade como carros, casas e bens materiais diversos. Estamos em uma eterna competição, baseados em uma idéia de que existe escassez. Nosso colega que senta ao lado no trabalho é, antes de tudo, um concorrente que preciso de alguma forma vencer na disputa dentro da empresa. Na escola, incentivamos a busca por destaque pessoal desde cedo, preenchendo o dia da criança com atividades que visam prepará-la para um futuro competitivo(?) afastando-as do que realmente precisam que é brincar. Tenho tido oportunidade de conhecer jovens que, no final da adolescência já se apresentam depressivos e com crise de ansiedade. Ao contarem suas histórias, percebo que desde cedo, cumpriam uma agenda de tantos compromissos: escola, aula de idiomas, informática, etc…

Medimos nosso sucesso de forma equivocada analisando apenas o patrimônio pessoal, que, quanto mais cresce, tem a contrapartida do desgaste das relações. Tudo isso para, como os tolos, demonstrarmos uma força que, obviamente, não temos. E é simples de verificar: Pergunte a si mesmo qual seu “número” de tranqüilidade. Seria um milhão, dois, três com mais alguns imóveis???

Quando que seu guerreiro vai repousar?

A resposta é: NUNCA!

Sempre o medo estará espreitando, a insegurança; será isso suficiente para que possa descansar? Não há nada de errado com o conforto material, ele demonstra que vencemos nesse aspecto, o problema  é acharmos que ele é a resposta para tudo. Que a vitória nesse aspecto é a vitória final! Se fosse, as pessoas bem sucedidas financeiramente não teriam problemas de ordem emocional. E elas tem, tanto quanto os que ainda não prosperaram.

Independente de tudo é fundamental trabalharmos nosso “Eu” através da busca do conhecimento de si. Fortalecer o interior diminui o medo e pode trazer a riqueza de estar satisfeito com o que temos. Mas fomos educados de forma a estarmos sempre insatisfeitos, nunca é suficiente, querer mais e mais é motivo de orgulho em nossa sociedade.

É preciso entender que aprendemos sobre nós mesmos através do envolvimento com os outros e do enfrentamento dos desafios em nosso meio. Mas o grande e principal problema é que todos os nossos conflitos na vida nada mais são do que projeções do grande conflito interno. Sempre será muito mais fácil que meu inimigos estejam no exterior, assim posso com facilidade apontar os “culpados ” pelo meu sofrimento.

Só encontraremos nossa paz quando nos resolvermos interiormente. Assim como nos ensina a estória, quando o galo serenou seu interior, tudo que acontecia fora dele se transformou. Por isso, os conflitos que travo hoje significam apenas que minha guerra interna persiste. Quando venço o meu grande combate, acabam todos os problemas exteriores. As dificuldades que a vida traz são encaradas com naturalidade e nunca estragam o meu dia, a semana, etc.

Nunca nos preparamos ou fomos ensinados a buscar o fortalecimento interior pela única via possível; a do autoconhecimento. Pelo contrário, as escolas apenas nos ensinam a sermos competitivos, reforçando o dogma da escassez criando um paradigma de vida que só traz ansiedade.

Procure lembrar que sua paz interior nunca poderá vir de nada que seja externo, já que isso sempre pode ser perdido, ou seja, não depende de mim, o que só faz aumentar o medo. Posso assegurar que mesmo que um dia você chegue a seu “número” ideal, existirá uma sensação de vazio, aquela angústia sem explicação. Quando essa hora chegar, lembre que você ainda não procurou a resposta no único lugar onde ela sempre esteve: dentro de você, na maneira como encara e dá significado a sua vida.

Não lute tanto, aprenda com o guerreiro sábio. Esse equilíbrio interior virá quando o foco da luta voltar-se para dentro. Nesse momento não haverá nada mais a ser conquistado exteriormente. Você terá vencido a única e verdadeira batalha que veio travar; a luta contra você mesmo, contra os condicionamentos e os paradigmas que te foram impostos.

O Alcorão, que também é um belo livro que merece ser lido (sem preconceitos), mostra que existem duas “guerras santas”: a pequena, quando a luta deve ser contra os inimigos do Islã e a grande, quando lutamos contra nós mesmos. Só devemos nos ocupar da “pequena” depois de vencer a “grande”. Em outras palavras: se resolva primeiro, depois se preocupe com os outros!

Olha que boa notícia: Sua paz só depende de seu próprio esforço!

 

  • A estória acima faz parte do livro: “Três caminhos para a paz interior” de Carlos Cardoso Aveline. Ed. Teosófica