A Aposta de Pascal

  ” Em caso de vitória ganha-se tudo, em caso de derrota perde-se nada!”

  “O homem está disposto a negar tudo que não compreende.”

                                                         Blaise Pascal – Pensamentos

Pascal viveu pouco, apenas 39 anos (1623 – 1662) mas deixou seu pensamento marcado na história. Desde criança sempre foi enfermo, e, como não poderia deixar de ser, pensou e filosofou em um corpo doente e isso foi decisivo em sua filosofia. Curiosamente, Pascal não falava bem dos filósofos, preferia se dizer um Teólogo, mas não foi só isso. Com mente brilhante, foi um cientista que fez um dos primeiros estudos sobre o vácuo, criou o barômetro e, em 1642 inventou uma calculadora mecânica que fazia contas de adição e subtração com objetivo de ajudar seu pai que era comerciante. O projeto da calculadora só não foi para frente pelo alto custo de sua fabricação e por ser um instrumento estranho de estética ruim, do tamanho de uma caixa de sapatos, mas funcionava perfeitamente!

Mas antes de tudo Pascal era um católico devoto, que sofria por ter uma mente científica. Se Descartes tentou provar que Deus existia pela lógica, Pascal discordava, dizia que Deus só era possível pelo coração, não chegaríamos e Ele pelo pensamento racional. As razões de Pascal eram óbvias; observava a vida e as pessoas e não conseguia ver a ação divina em nada. Era um pessimista pelo que observava: a natureza feroz com suas tempestades, terremotos, pestes, doenças e as pessoas agindo movidas pelo desejo ambição, sexo e poder.

Onde encontrar o Deus cristão nisso, onde está o amor e nossa natureza divina, imagem e semelhança da criação?

Pascal, assim como outros pensadores cristãos, via a maldade humana como consequência do pecado original, mas a presença do amor divino ainda ficava obscurecida, ele acreditava, mas queria também saber! Lutou muito com seu paradoxo entre o que a razão lhe mostrava e o que seu coração pedia, ficava como aquele que joga uma moeda para cima, cinquenta por cento de chance para cada lado.

Foi assim que ele chegou a um pensamento que ficou conhecido como “A aposta de Pascal” que consta de seu livro “Pensamentos”, publicado após sua morte. Sua aposta é baseada na probabilidade, ou seja, como poderíamos apostar na existência de Deus?

Como saber ninguém sabe, já que Deus é artigo de fé, em outras palavras; você precisa não saber que Deus existe para poder acreditar nele. Ninguém coloca fé no que sabe. Assim, Pascal nos convida a pensar dos dois modos; Deus existindo ou não.

Vamos começar pensando na possibilidade de Deus não existir. A vida será vivida sem a ilusão de alguma continuidade da existência após a morte, sem paraíso ou inferno para passar a eternidade. Também não perderia seu tempo em ir a igrejas, rezar, fazer promessas, deixar de comer carne na Sexta-Feira Santa, se confessar e muito menos pedir ajuda “superior” para resolver seus problemas. Ser uma pessoa correta e ética seria uma decisão pessoal, sem nenhuma recompensa além dos limites da vida do corpo. Não haveria créditos na eternidade!

Porém, Pascal vai alertá-lo de uma questão; como você não tem certeza da existência de Deus, corre o riso D’Ele existir, e aí sua conta de débito de ausência e falta de prática cristã lhe trará grandes prejuízos depois da morte, já que existirá um lugar aonde ir e tudo que você não fez como cristão será levado em conta e seu prejuízo será enorme.

Já para quem acredita é mais fácil, vive essa crença em suas práticas religiosas e vida pessoal, estando garantido no que virá depois.

Para garantir um bom resultado, Pascal sugere que, mesmo que você não acredite, aposte que Deus existe e viva como se isso fosse verdade! Nesse caso, você cumpre os mandamentos, vai na igreja, reza, se confessa, lê a bíblia etc. Assim, se Deus existir, você terá direito ao plano “premium” e receberá todos os benefícios vindouros como a glória eterna, dentre outros.

Mas como fazer, afinal se não acredita, como conseguir acreditar verdadeiramente? A resposta que Pascal dará, em outras palavras, é a seguinte: aja como se fosse, conviva com quem acredita que, com o tempo e pela repetição das práticas você acabará acreditando! Seria ser duro com Pascal, mas ele confiava no lema do marketing: diga (faça) algo mil vezes que…

No fim é o seguinte; o mais lógico e racional é acreditar que Deus existe, segundo Pascal, não há nada a perder, só ganhar. Além é claro de você ser uma pessoa correta que viverá uma vida boa, amando e sendo amado. Como ele mesmo diz: “Em caso de vitória ganha-se tudo, em caso de derrota, perde-se nada!”

Como bom cristão, Pascal não levava em conta outras religiões, por isso sua tese não contemplava outros tipos de deus, como os orientais, por exemplo. Também deixou uma lacuna na sua sugestão; em Deus existindo, Ele sabe de tudo que está em seu coração e, portando, saberia que você não acreditava e que só agiu assim por medo de estar errado se “garantindo” de prejuízos. A natureza de qualquer crença é acreditar que é verdade, o que é sempre complicado, já que uma “verdade”, pela sua própria natureza, não precisaria de nenhuma crença para validá-la. Deus leria seu coração e saberia que você agiu por interesse. Mesmo assim, por agir de acordo, o crente de ocasião teria direito ao “plano básico” que ainda é melhor que o inferno.

O grande problema para os pensadores cristãos sempre foi explicar a onipotência de Deus, que tudo pode, que nada acontece sem sua permissão com o mal que há no mundo, seja da natureza seja nas pessoas. Pascal e Santo Agostinho apostavam que não teria sentido viver se Deus interferisse em nós e no mundo para sermos só pessoas boas. Desde o pecado original já nascemos livres para fazer o mal, sermos desejosos e egoístas. Precisamos vencer esse nosso lado ruim, ligado ao corpo e suas inclinações.

Agostinho passou sua vida pensando em adequar a realidade crua a presença de um Deus de amor, Pascal buscou tornar Deus uma aposta sem chances de perder, já outros como Epicuro, diziam que os Deuses, por não serem desse mundo, nada interferem ou Spinoza para quem Deus é tudo e nunca foi “alguém”.

Seja como for, Pascal mostra que mesmo que não exista, se agirmos como se existisse, de certa forma Ele existirá.

Jogue sua moeda para cima, ela até pode cair em pé, mas as chances são pequenas.

Façam suas apostas!

_____________________________________________________________________

Para saber mais:

Pensamentos – Blaise Pascal

Uma breve história da filosofia – Nigel Warburton

Compartilhe este conteúdo:

Share on whatsapp
WhatsApp
Share on telegram
Telegram
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter

Caixa de comentários

Participe! E logo abaixo você pode também dar uma nota de 1 a 5 estrelas para esta publicação.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
Optimized with PageSpeed Ninja