Uma dúvida chamada DEUS

Você não foi feito para viver igual às bestas, mas para buscar a virtude e o conhecimento.”

                    Ulisses – O inferno de Dante

“Não é menos respeitável ser um macaco modificado em vez de barro modificado.”

                    Thomas Huxley

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A existência de Deus tem sido um tema que, ao longo dos séculos, tem colocado a ciência e a religião em campos opostos e penso ser útil refletirmos sobre isso.

 Os cientistas são pessoas que, como todos, são influenciados pelo contexto social em que vivem e realizam suas experiências. Sempre foi assim, e nos dias de hoje, poderíamos acrescentar que seus interesses caminham junto com os que detêm os recursos, sem os quais o trabalho de pesquisa não pode existir. Porém, não há como negar que ainda é o melhor jeito que se tem de se explicar o mundo natural e predizer seu comportamento, justamente por estudá-lo.

No entanto, até bem pouco tempo a ciência tinha se excluído de penetrar no mundo das religiões (temos dois artigos no blog sobre o assunto que foram baseados em pesquisas recentes), que é fascinante, já que lida com o oposto da ciência; a aceitação de fatos e ideias inexplicáveis e que não podem ser comprovadas.

Em 1916, o psicólogo James Leuba fez uma pesquisa com 1000 cientistas americanos baseado em um pressuposto que defendia de que, quanto mais culta fosse uma pessoa, menos ela tenderia a acreditar na existência de Deus, e esse foi o motivo de ter escolhido cientistas, afinal, eles tendem a ter uma escolarização elevada e muito tempo em estudos complexos. Recentemente, pesquisas mostram que nos países mais cultos (onde as pessoas estudam por mais tempo em média) tem aumentando muito o número de ateus, ou seja, pessoas que não acreditam na existência de um Ser superior que ordene e comande a existência e a natureza. Esse, aliás, foi o vaticínio de Leuba, que disse que, com o aumento da cultura da população mundial, esse fenômeno aconteceria. As pesquisas mostram que ele acertou! Na sua época os resultados foram que, diante da pergunta na crença de um deus pessoal, 27,7%  dos cientistas diziam acreditar, 52,7% não acreditavam e 19,4% tinham dúvidas ou se declararam agnósticos*.

Em 1997, Edward Larson (professor de história da ciência da Universidade de Geórgia) e Larry Witham (repórter do Washington Times) procuraram repetir a pesquisa de Leuba com o objetivo de saber se a comunidade científica tinha mudado de ideia em relação a Deus ou mantinha a posição de 80 anos antes. Foram respeitadas as diferenças de épocas e de cientistas ouvidos, afinal Leuba ouviu 20% dos cientistas registrados na sua época nos EUA e, em 1997, esse mesmo número representaria apenas 3%, o que poderia de alguma forma falsear a pesquisa, então adaptações precisaram ser feitas. O que se pode ver é que os cientistas não mudaram de opinião, pelo contrário, já que o número de “crentes” diminuiu. Os resultados foram: 7% acreditavam em Deus, 72,2% não acreditavam e os quase mesmos 20,8% tinham dúvidas ou se declararam agnósticos.

Mas afinal, porque pessoas instruídas como cientistas, com uma forma sistematizada de pensar e pesquisar não acreditam na existência de Deus? Pelo mesmo motivo que atualmente a maioria das pessoas dos países mais cultos, também não: esse deus oferecido pela cultura, principalmente cristã, é mesmo “inacreditável”, justamente por ser humano demais, a saber: fica bravo, pune e condena quem não o obedece….isso dito, é claro, pelos seus “representantes legais” das várias ramificações, sejam elas do lado mais light  ou mais conservadora.

Penso que tanto os descrentes quanto os crentes estão em lados opostos e radicais, o que tende a afastá-los do ponto central. Sabemos todos que a verdade, seja ela qual for, nunca está nos extremos de lugar nenhum. Alguns cientistas, por exemplo, fazem o seguinte raciocínio: se deus interage em grau maior ou menor com o mundo físico, significa que deus é algo como uma parte do universo físico. Sendo assim, a existência de deus é uma questão que pertence ao domínio da investigação científica!

Por esse raciocínio, posso concordar com o autor que inspira esse artigo**, Massimo Pigliucci, que diz que os ateus poderiam ser convertidos facilmente, desde que lhes dessem argumentos sólidos da existência de deus. Acho muita graça, afinal querer reduzir o Inexplicável a uma explicação não é mesmo possível! Por outro lado a ciência se complica, já que também não pode provar a não existência de deus, na medida em que ainda temos uma infinidade de fenômenos ditos sobrenaturais, ou seja, acima da natureza explicável. Nesse ponto, os descrentes poderiam também alegar que os crentes também não podem provar a existência de deus. Ora, a fé se caracteriza justamente por se acreditar em algo que não se sabe. Se Deus pudesse ser provado ninguém precisaria acreditar, saberíamos de sua existência.

Na verdade, o que acontece, em minha opinião, é que, principalmente no ocidente, temos esse deus pouco provável, que não resiste à análise de um cérebro bem formado, como um ente, que tem até uma figura na mente das pessoas, com cabelos e barbas brancas assim como o personagem Gandalf do filme “O senhor dos anéis” que luta de branco contra a força negativa, trajada de negro. Essa dualidade é o mais distante que pode haver de Deus, já que ele se caracteriza por “não ser”. Todas as pessoas que tiveram suas consciências ampliadas (chamados de grandes místicos) que seriam catalogados por, no mínimo esquizofrênicos e psicóticos por essa mesma ciência, sempre definem Deus por termos como: Não Nascido, Imorredouro, Imutável, Imóvel, Não manifesto, Imensurável, Invisível, Intangível, Infinito. Como a ciência poderia descrevê-Lo?

Nessa hora, não posso me esquecer quando o famoso mitólogo Joseph Campbell foi acusado de ser ateu. Ele realmente era, se estivéssemos falando desse deus limitado ou dessa igreja que ainda defende a tese criacionista (adão e eva) e insiste em dizer que o mundo tem 6000 anos de idade, negando todas as descobertas científicas que qualquer criança sabe, de culturas que foram descobertas e estudadas, esqueletos de animais e pessoas com muitas centenas de milhares de anos mais antigos. Para quem o leu e ouviu suas entrevistas, chama-lo assim é assumir uma ignorância oceânica. O que até não é de se estranhar, pois só mesmo uma percepção limitada pode negar tamanhas evidências que tornam a tese criacionista mais voltada para desenho animado do que qualquer outra coisa que possa ser encarada seriamente.

Hoje, mais do que nunca, a ciência, filosofia e religião podem se aproximar e foi a própria ciência, através da física quântica, que fez esse convite. Pode mesmo ter uma inteligência por trás do big bang e uma ironia inteligente em sermos tão parecidos geneticamente com os macacos, por exemplo. Isso poderia muito bem explicar nossas irracionalidades, não acham?

Falta para todos o deus que os agnósticos procuram, que os orientais já encontraram, um Deus que seja uma inteligência e não alguém. Caso contrário, a frase de Thomas Huxley que abre esse artigo tem todo o sentido e é mesmo uma angústia, justamente pelo absurdo que as duas possibilidades contemplam.

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*Agnóstico é aquele que considera os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana. A palavra deriva do termo grego “agnostos” que significa “desconhecido”, “não cognoscível”. Num sentido religioso, agnóstico é aquele que não acredita na existência de Deus, porém não nega essa possibilidade, por se encontrar num patamar racionalmente inacessível. (http://www.significados.com.br/agnostico/).

**O Processo contra Deus. Massimo Pigliucci, tradução Sérgio Luiz Mansur. Fonte: Skeptic Magazine Articles Archives.

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