Sobraram os olhos

Por onde ando, só vejo olhos.

Ruas, comércios, restaurantes e até em carros.

Mudanças inesperadas que vem à tona pelo que está coberto.

Sobraram os olhos.

Máscaras multicoloridas, algumas com símbolos, outras com imagens passam a fazer parte da vestimenta, como o relógio e o celular. Da ala conservadora, talvez ainda resistindo à mudança, máscaras brancas, básicas, como a multidão que pensa que não serão mais necessárias em breve.

De que servem as carteiras de identificação quando os olhos não bastam? Baixar a máscara é necessário para provarmos quem somos. Os olhos nos tornam irreconhecíveis, contam menos. Se íris são únicas e em filmes de ficção e demarcam identidade para entrar em salas secretas, ainda não valem para a vida real.

Máscaras favorecem a falar sozinho em segredo mesmo diante dos outros. Os espelhos da alma agora precisam aprender a falar, será a primeira impressão. O sorriso de “bom dia” já não é mais visto nem ouvido, só pode ser constatado pelo olho semicerrado enquanto passamos uns pelos outros.

Dizem que os olhos não mentem, talvez por nos determos nas palavras, no tom e em outras mudanças no rosto. Agora, precisarão aprender a mentir, não dá para viver sem isso com tantas regras. Rosto coberto vira mistério, matéria exclusiva da imaginação, sempre criativa e preenchida de expectativas. Em breve ouviremos: como aqueles olhos me enganaram ou surpreenderam! Parece que olhos nunca deram conta de convencer.

 Agora, sobraram só eles.

O mercado se apressa em tornar a máscara artigo de elegância e distinção entre os mais e menos favorecidos. Tecidos especiais, porta máscaras assinados por design famoso vira artigo de cobiça. Agora, deixar somente os olhos à mostra é coisa de profissional. Que mensagem sua máscara transmite?

Olhos procuram fora as razões da dor interna e, é claro, suas soluções. Quem nos estuda sabe disso e os comerciais nos oferecem o que precisamos todo instante, em até dez vezes.

Olhos nasceram para fora, para o mundo. Para olhar dentro, precisamos fechá-los, para sentir o aroma, sabor e o que não se explica também.

Nos olhos femininos, sobrancelhas perfeitas para adorná-los, artifícios da maquiagem para parecerem maiores e valorizar sua cor. O que antes poderia ser um recurso a mais, tornou-se único, cartão de visita de uma história e, de quem sabe, um futuro.

Máscaras e tudo que cobrem favorece a interpretação. É o momento de imaginar e sermos imaginados mesmo por quem nos conhece, alijados momentaneamente do que antes compunha um conjunto.

Lembra do dia que nos conhecemos?

Saudade daquela época!

Pena que o tempo não volta!

Frases de quem imaginava e o tempo tratou de mostrar que nada atende as fantasias que criamos para o mundo ser de outro jeito. Daquele jeito que onde tudo termina bem, ou da maior das ilusões; que nunca termina!

O poeta mexicano Octavio Paz diz que “enquanto estamos vivos, não podemos escapar de máscaras e nomes. Somos inseparáveis de nossas ficções – nossas feições”. Assim a pergunta se impõe: seríamos os mesmos se não vissem nosso rosto? Será que com apenas olhos à mostra, seremos diferentes?

Usamos máscaras ou escondemos o rosto desde sempre, seja para um elegante carnaval em Veneza, no teatro grego onde se chamavam “persona”, sete séculos antes de cristo para cobrir o rosto dos mortos no Egito, na China para afastar os maus espíritos ou em rituais religiosos para cumprirem seu papel de impressionar. Precisamos historicamente esconder ou transformar o rosto para quem sabe conseguir o que queremos, nem que seja sermos bem recebidos no outro mundo.

Diz a ciência que as lágrimas nunca são iguais. Alegria e tristeza têm fórmulas diferentes para a vida que insiste em nos surpreender e a mostrar como estamos interligados e capazes de, mesmo sem querer, fazer todo mundo chorar quase junto, seja a dor que se vive ou que só de imaginar, arrepia de medo.

Viver de um outro jeito, talvez. Para isso, um novo olhar!

Sobraram os olhos.

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Helena
Helena
3 anos atrás

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