O sacrifício final

“ O homem precisa aprender a sacrificar seu sofrimento…abdicamos do que nos faz bem em prol do sofrimento…o homem faz isso por pensar que o sofrimento é enviado por Deus.

P.D. Ouspensky

 

sofrendo

 

Esse é 100º artigo postado, e, justamente por isso, quero enfatizar um assunto que tem de alguma forma permeado grande parte dos textos que é o sofrimento.

Um dos motivos mais comuns que o ser humano tem para valorizar o sofrimento e fazer dele algo útil (se é que isso possa ser lógico ou possível) vem da cultura cristã. Foi-nos “ensinado” que o sofrimento, ou uma palavra similar “sacrifício” tem o poder de nos purificar, nos aproximando de Deus.

Isso traz consigo uma atitude inconsciente que nos fala o seguinte; se não estou sofrendo ou fazendo algum sacrifício, não estou me “purificando” ou me aproximando o suficiente de Deus e ser recompensado depois de minha morte. Assim, estar de bem com a vida e sem preocupações passa ser uma coisa que faz com que as pessoas se sintam inadequadas, estranhas, como se algo estivesse errado. Nesse momento, não podendo perder tempo, torno algum acontecimento rotineiro ou insignificante fonte de grandes preocupações. Dessa forma, volto a me preocupar ou estar me sacrificando por algo e meu processo de “limpeza” prossegue.

Se você se perguntar ou for fundo nessa história, verá que sua raiz está na crucificação de Jesus, do qual eu e você somos culpados (já nascemos assim) precisando sofrer bastante para expiar nossas culpas.

Mas na verdade, isso é uma forma de dominação muito bem pensada. Assim, ser explorado, por exemplo, é algo com que tenho que me conformar, até mesmo agradecer inconscientemente, já que ajuda no processo de purificação de todas as coisas ruins que nasceram comigo.

De sofrimento velho ou novo, vou vivendo (será?) a vida, pensando que as coisas desagradáveis que me sucedem sejam obra divina, que sabe o que faz, com a finalidade de me encaminhar ao paraíso.

Como se já não bastasse tudo isso, temos um problema ou um “efeito colateral” desse modo de pensar que está incrustrado profundamente em nós. Como já escrevi anteriormente, as emoções se manifestam em nosso corpo pela liberação de hormônios, o que as torna algo que, pela repetição, nos faz dependentes químicos. Lembre que nos viciamos em emoções e por isso as mantemos por uma vida toda, justamente por criarmos uma dependência desse respectivo hormônio que, por uso constante, passa a ser necessário. Em outras palavras: ser “eu” mesmo, ou a minha identidade passa a incluir essa emoção ou sofrimento. Depois de algum tempo passo a “precisar” dela e consciente ou inconscientemente crio as condições para que ela aconteça.

Espero que agora seja possível entender o motivo de sempre estarmos preocupados por alguma coisa. Não é à toa que muitas vezes você deve ter notado e até expressado para algum amigo ou familiar que o que o está preocupando é algo realmente pouco importante, mas não entende o motivo de esse assunto “pequeno” estar se tornando grande.

É vício mesmo, como o de qualquer droga, álcool ou uma compulsão qualquer.

Mas, como quem pensou tudo isso de bobo não tem nada, além desse paradigma ridículo de que o sofrimento faz bem, para nos deixar sem saída, incluiu um outro pensamento que qualquer criança de cinco anos já relata ter ouvido de seus pais, o que garante a continuidade do “sistema”: Felicidade dura pouco!

Assim, de geração em geração, vamos sofrendo, sendo feitos de trouxas, achando que estamos fazendo grande coisa. Pense nas penitências, promessas que incluem as mais várias formas de privações e tudo mais.

A grande desilusão com as religiões mais ortodoxas vem justamente disso; preocupo-me por tudo, me sacrifico e como pode acontecer algo ruim comigo? Eu não mereço!

Daí, você se sente abandonado por Deus e vira um descrente ou faz o mais fácil; troca de religião, que essa nova sim, garantirá que todo o sofrimento terá um resultado e valerá a pena!

Quer saber? Tudo isso termina virando uma negociata divina. Faço e cumpro tudo e Deus me garante que nada de ruim me acontecerá.

Não vai dar certo!

Portanto caro leitor, se você não consegue parar de sofrer, de estar sempre preocupado por algo, temendo uma desgraça que pode se abater a qualquer momento por ser um pecador contumaz, mas quer se libertar de tudo isso, assuma seu vício de qual foste vítima e toma a única decisão possível:

SE ABSTENHA!

Não se cura nenhum vício sem a abstenção da “droga” não é mesmo?

Sei como será difícil, um “sacrifício” mesmo. Procure não se sentir culpado ou responsável por nada que não seja seu, se divirta mais e viva mais sua vida. Vai que tudo isso que  acreditou a vida inteira não passa de uma grande besteira, uma forma de condicioná-lo. Se determine, pelo menos, a só se preocupar com situações realmente importantes e que tenha uma condição: só dependa de você mesmo o resultado. Se não for, faça sua parte e esqueça.

Vai que, a única coisa que garanta seu futuro depois da morte seja um passaporte: a vida que foi vivida!

Afinal, se o carma existe mesmo ele funciona assim: você sofreu muito então é porque gosta e merece continuar. Se viveu bem, trabalhou, se divertiu e curtiu tudo de bom que a vida oferece, também merece continuar. Pensando de outro jeito: o que você espera (vida futura) se plantou (na vida presente) um pé de pitanga?

Mas essa mudança passa pelo corpo que precisa se acostumar a ter cada vez menos hormônios de sofrimento na sua corrente sanguínea. É com o tempo e novas atitudes que se chega lá!

Por falar em tempo, quando eu tiver mais, seguindo o exemplo dos AA (alcoólicos anônimos) vou crias o SA (sofredores anônimos).

As reuniões acontecerão nos estádios da copa e serão transmitidas em tempo real via televisão e internet para que todos os inscritos no “clube” possam participar. Tenho certeza que você se orgulhará de usar o botom que ganhará depois de algum tempo de abstinência do vício por ter ficado uma semana sem sofrer, um mês…imagine!!!

 

medalhas

 

Que seu último sacrifício (sacro ofício ou trabalho sagrado) seja o de sacrificar seu sofrimento.

 

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Maria Inês
Maria Inês
9 anos atrás

Após a leitura do artigo comecei a fazer um pequeno retrospecto da minha caminhada e observei que várias vezes me senti uma pessoa “não merecedora”
e agora percebo onde está a razão de tal pensar. Passei o tempo todo buscando
uma religião que me proporcionasse uma resposta para minha inquietação e
continuo aguardando até hoje. Começo a partir de agora exercitar o primeiro
passo do AA, só por hoje não pensarei em sofrimento e culpa. Grata Eduardo.

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