O Paranóico

Crônica publicada no jornal FolhaSC dia 2 de fevereiro de 2016.

– Doutor, minha mulher disse que estou paranoico.

– Relate detalhadamente o que está acontecendo Sr. Waldemar.

– Seguinte Doutor, eu vou contar, mas preciso que o senhor me ouça com atenção. Pode parecer banal, mas tenho certeza que existe um complô organizado contra mim.

O médico psiquiatra não pode evitar arregalar os olhos. Afinal, estava diante de um cara aparentemente normal, que trabalha em uma empresa há muitos anos e tem dez anos de casamento e dois filhos. Expressava-se corretamente, sem exagero na roupa e bem educado.

– Ok, pode começar, estou ouvindo.

– Bom doutor, tudo começou quando dei início a construção da minha casa, faz um ano. O primeiro sinal foi com a equipe de pedreiros. Eu ia à obra de manhã cedo e perguntava se estava tudo bem e se tinha material para o dia. Eles diziam que sim. Quando era dez da manhã o pedreiro ligava para dizer que o cimento tinha acabado.

– Como pode? Será que ele não sabia que ia acabar? E isso não foi uma vez, foram várias e eram assim com as madeiras, ferros, pregos e tudo mais. Só podia ser perseguição!

– Depois que a casa estava erguida, teve o cara que ia colocar o piso. Ele marcou várias vezes e nunca ia. E o pior, o que me deixou certo que isso era um plano,  era o fato que ele nem avisava que não ia. Deixava-me esperando. Quando eu ligava, ele dava uma desculpa e dizia que iria dia seguinte e faltava de novo.

O médico não se conteve e perguntou:

– Mas por que o senhor não chamou outro para fazer o serviço?

– Aí é que tá doutor, chamei. Adivinha? Também não foi! Tá na cara que era um complô. Foi aí que minha mulher começou a dizer que eu estava com esse negócio de paranoia. Mas deixa-me continuar, tem mais:

– Foram umas quinze transferências até que consegui que um colocador, esse era bom, só desmarcou duas vezes e fez um serviço direito. Daí eu pensei que podia ser tudo coisa da minha cabeça. Foi quando veio o eletricista.

O médico prontamente interrompeu:

– Esse foi?

– Também não doutor.

 Nesse momento o Waldemar já tinha lágrimas nos olhos e parecia que estava passando por tudo novamente.

– Acredita que ele sempre precisava ir embora antes de terminar o serviço? A impressão que dava era que ele tinha marcado com outros clientes na mesma hora. A desculpa era que tinha trazido o fio ou a canaleta errada. Como, se eu havia passado as especificações do engenheiro por email? Nessa hora, o que “eles” queriam era que eu cometesse uma loucura doutor. Cheguei mesmo a pensar em dar uma surra nele. Mas quando eu percebi que tudo era armado, mudei de tática.

– Como foi que percebeu que era tudo armado Waldemar?

– Porque fui no Google e coloquei meu nome e cpf lá. Não tinha nada, era como se eu não existisse doutor!

– Mas Waldemar, você usa internet, tem email?

– Não, mas meu filho de cinco anos disse que tudo está no Google. Ele não mente doutor, ele sabe! Todo mundo está no Google. “Eles” já tinham começado a querer dar um fim em mim, só pode!

O médico ainda precisava de mais dados para o diagnóstico. Como a consulta era pelo convênio, precisava encurtar para não demorar muito. Buscando ir ao final da história disse:

– Ok, entendi. Mas e depois? Conseguiu terminar a casa sem atropelos?

O Waldemar arregalou os olhos, enxugou as lágrimas e olhou em volta, como se outras pessoas estivessem na sala. Sussurrou:

– Claro que não doutor! Preciso contar sobre a colocação do gesso e dos móveis sob medida.

Impaciente e vendo os 10 minutos da consulta serem insuficientes, o médico quis abreviar:

– Também não foram?

– Pior doutor, foram. Só que me enganaram na entrega. O cara do gesso ligava todo dia para dizer que as placas estavam vindo e nunca chegavam. Já a empresa dos móveis, prometeu entregar em trinta dias e levou três meses. Isso que tinha dado uma entrada de metade do valor. Tá na cara que todos estavam unidos contra mim. Queriam que eu cometesse uma loucura ou sumisse. Agora me diga doutor; tenho alguma doença?

O médico coçou o queixo e suspirou interrompendo o Waldemar quando ele ia falar da empresa que instalou o portão eletrônico.

– Waldemar, antes de dar o diagnóstico preciso fazer uma pergunta: Você nasceu em Jaraguá, sempre viveu aqui na região?

Com cara de quem não tinha entendido o motivo da pergunta respondeu:

– Não doutor, vim transferido pela empresa para cá. Morava em outro estado.  Quando cheguei, logo em seguida comecei a construir. Mas isso interessa no meu problema?

O médico foi levantando da cadeira e com um sorriso disse batendo nas costas do Waldemar:

– Você não tem nada Waldemar. Fique tranquilo! Se isso fosse problema, seríamos todos paranoicos nessa cidade.

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