O Intermediário

 

   “O universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso:  é-lhe indiferente.”

Carl Sagan

Uma leitura um pouco mais atenta do Gênesis poderá aguçar nossa curiosidade sobre um ponto sobre qual tratará nosso artigo dessa semana. Diz o livro que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, e que, em cada dia algo foi feito. Resumidamente foi assim:

No princípio Deus criou o céu e a terra, mas como a terra estava sem forma e em trevas, primeiro criou a luz e ficou satisfeito (algumas bíblias trocam por “e viu que era bom”). E assim terminou o primeiro dia.

No segundo dia, Deus separou a terra das águas e ficou satisfeito…

E assim, foram passando os dias onde foram criados os animais, as plantas e, ao final de cada, dia lá estava Deus se dizendo satisfeito com sua criação.

Pois, chegamos ao sexto dia, onde Deus criou o homem e a mulher a sua imagem e semelhança, abençoando-os, pedindo para se multiplicarem e dominarem as criaturas da terra, do mar e as ervas e plantas. Mas, por algum motivo, depois da criação do homem e da mulher, Deus não externou sua satisfação. Por quê? Esqueceu? Tinha outra coisa para criar em outro lugar? Afinal seria muita pretensão nos acharmos a última e melhor criação de Deus, tenho certeza que depois da terra outros milhares, se não bilhões de planetas e galáxias foram criados, maiores que nosso minúsculo planeta.

Se observarmos bem, veremos que de todas as criações de Deus, talvez o homem seja a única que não esteja completa em si mesma. O mar é o mar e isso não muda, assim como nenhuma planta fica diferente de sua natureza. Uma semente de rosa não nos trará um girassol quando florescer, muito menos algum animal excederá sua natureza. Assim, um cachorro, cavalo ou qualquer outro animal nunca será diferente do seu potencial inicial. Existe até um princípio na Cabala que diz que o potencial inicial de qualquer coisa é sempre inversamente proporcional no seu desenvolvimento. Se, por exemplo, observarmos qualquer animal recém-nascido em comparação a um bebê, esse animal parecerá muito mais desenvolvido, já que em poucos dias estará se movendo, comendo sozinho etc. Enquanto isso, o bebê humano se não for cuidado morrerá em poucos dias ou horas, já que nessa fase inicial não tem nenhuma autonomia e é totalmente dependente.

Por outro lado, assim como nenhum animal se supera, o ser humano pode tornar-se desde uma pessoa cruel até mesmo um santo ou iluminado, como foram Buda, Cristo, Mahavir, Maomé entre tantos outros.

Recentemente ao ler uma palestra de Osho, me chamou a atenção ele dizer que o ser humano é um ser “transitório” que não tem as limitações do animal, mas em sua grande maioria não consegue atingir, quase nunca, o último estágio evolutivo possível. Foi nessa hora que me lembrei dessa curiosidade da não manifestação de satisfação de Deus quando da criação do homem. Ele não disse que ficou satisfeito, justamente porque não estava “pronto” ou “acabado” como os animais e as plantas, por exemplo.

Podemos nos tornar tudo que quisermos, desde alguém mal e cruel como nenhum animal é, até mesmo alguém que se dedica a humanidade de corpo e alma como muitas pessoas ditas “santas”, os grandes cientistas e pensadores e como os Mestres espirituais cultuados pela história.

Concordo plenamente com essa ideia e nem precisa ir tão longe; é só observar a história de muitas pessoas consideradas comuns, que fizeram revoluções em suas vidas, só não mudando o nome e a identidade, mas se transformando em pessoas completamente diferentes do que eram antes. Isso demonstra realmente que não estamos prontos, mas em constante aperfeiçoamento, conforme a teoria do bom e velho Darwin, mas também com o potencial inesgotável como “semelhante” ao Criador. Não existe outra maneira de juntarmos a ciência (a teoria evolutiva já provou ser verdadeira, afinal nosso DNA é 98,5% igual ao dos macacos), e a religião pela nossa capacidade de darmos saltos gigantescos sobre nós mesmo a qualquer momento da vida realizando verdadeiros milagres evolutivos.

Deus que, segundo consta, é perfeito em si mesmo não poderia gerar algo imperfeito como o homem, e seu silêncio sobre sua satisfação significa esse potencial que todos temos de nos transformarmos no que quisermos desde que tenhamos a vontade e a ousadia necessária  que as grandes obras necessitam (recomendo aqui a leitura do artigo intitulado “Os quatro pilares da realização”).

Mas, como humanos que somos, habitando um corpo que perecerá, inevitavelmente temos sempre medo de mudarmos pela insegurança que isso traz. E isso é característica de animais e não de deuses que tem a plena consciência de sua eternidade. Estamos sempre transitando entre os opostos, ora com medo, ora, arriscando tudo pela busca de felicidade e da realização. Não dá para discordar que realmente somos algo transitório entre o inferior e o superior.

Justamente por isso, temos épocas ou fases em que nos sentimos sem futuro, apenas sobrevivendo como os animais e, em outros momentos, sonhando e criando como Deuses. Somos os dois, dependendo de onde está nossa consciência: se ligada ao corpo com seus medos ou a eternidade onde todas as possibilidades são possíveis. Nessa hora sempre lembro que as pessoas têm uma mania de se permitirem sofrer até onde não aguentam mais, para só assim, se lançarem em busca de seus sonhos e criarem seus próprios mundos e universos. Não precisa esperar tanto, precisa?

A mitologia, que nos ensina tanta coisa, mostra que heróis como Hércules, Perseu e tantos outros sempre foram filhos de deuses com humanos. Já quando nos fala de sermos dominados pelos instintos, assim como os seres considerados inferiores, as figuras que os simbolizam são sempre uma mescla de homens com animais, como o deus Pan por exemplo, que é metade homem, metade bode.

Acredito ser interessante refletirmos sobre essa essência ambivalente que temos e por onde sempre estamos oscilando, ora para o inferior, ora para o superior. Talvez seja essa nossa grande tarefa a empreender nesse mundo; assumir qual dos dois queremos ser.

Hércules
Deus Pan

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Benedito Alves de Souza
11 anos atrás

Muito interessante esta questão levantada por este texto do Eduardo: ” Deus após criar o homem não disse se foi bom ou ruim “. Acredito que Ele tenha dito: Vocês ainda estão incompletos, Fiz o que estava ao meu alcance por vocês, em respeito ao vosso livre arbítrio, agora o resto é com vocês. Tens dois caminhos à vossa frente para seguir: Um, que levará à Luz e à sabedoria , outro, à escuridão e à ignorância, a escolha é de vocês. Sinceramente, eu Benedito, não sei o que aprontei para estar no meio desta encascada toda. Mas deixa pra lá, o negócio é seguir o caminho da luz, é dificil, mas seguramente é o que me faz sentir mais seguro, Sou gnóstico, mas sei a diferença entre virtudes e conhecimento. Respeito Osho, mas não me atento muito a ele. Me ligo mais a Jesus, é mais claro e mais objetivo. Bem, vou parar por aqui, porque sei que O Eduardo já me conhece……Mas gostei muito deste texto. Sinto falta de mais postagens……

Cláudio Cesar de Lima
Cláudio Cesar de Lima
11 anos atrás

Não creio que um deus tenha que descansar, ou mesmo que arrependa-se de sua criação, exceto se ele mesmo não for perfeito. Aliás, se é onisciente já deveria saber, de antemão, que o homem seria o que é, com todas as suas imperfeições.
Também é inacreditável uma criação como a citada, o que impossibilitaria pinturas e provas de existência de milhões de anos. Porém, a Bíblia – muito embora deturpada com o passar dos anos – é uma verdade inegável, o que sugere realmente a criação relatada.
Como poderia ser, se há milhões de anos o homem já habitava a terra? A explicação me parece óbvia: Foi uma criação … hum… particular, uma espécie de teste…
Difícil (diria Galileu) continuar acreditando que o sol gira em torno da terra, ou que estamos sós no universo, superiores a outras existências.
Portanto, que tal abrirmos os olhos para outras possibilidades aparentemente fantásticas? Certamente que quando tudo se esclarecer estaremos mais preparados para compreender e aceitar que sempre estivemos com os olhos fechados.

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