O ERRO

“Muitos de nós levam a vida presumindo que estão basicamente certos o tempo todo, sobre basicamente tudo…”

                                                     Kathryn Schulz

                                                                                                                                                        crenças

Lidamos mal com o erro, e penso que isso ocorra por não sabermos avaliar sua importância. Só o erro nos ensina e deveríamos ser mais gratos a ele. São justamente eles que nos mostram a melhor maneira de acertarmos e de entendermos o que está a nossa volta.

Mas é interessante o fato de pensarmos que, ao levarmos nossa vida cotidiana de forma natural, isso nos leva a pensar que estamos certos sobre quase todas as coisas. Partimos de pressupostos sobre quase todos os aspectos da vida, e são esses pressupostas que também chamamos de preconceitos, ou seja, temos conceitos que entendemos corretos e, a partir deles, tomamos nossas decisões.

Imagine, por exemplo, que você esteja fazendo uma viagem e não conheça o lugar onde esteja. Precisará pedir uma informação para chegar onde quer. Se muitas pessoas estiverem passando a sua volta, sua escolha sobre a quem pedirá a informação será totalmente baseada em preconceitos. Seja pelo tipo físico, roupa ou algum outro fator que será analisado em fração de segundo, sua escolha recairá sobre aquela pessoa que você pré conceba que poderá lhe dar a orientação correta.

O preconceito, portanto, é extremamente útil, mas ele é baseado em ideias que, na maioria das vezes, nem questionamos se são corretas para nós. Assim, nos dizemos contra os preconceitos raciais, por exemplo, mas vez por outra um ato ou outro pode deixar claro que isso ainda não está bem resolvido em nós. Isso porque os preconceitos agem inconscientemente em nós, o que quer dizer que são quase um movimento automático no nosso cérebro.

Mas, quando nos descobrimos errados, nos sentimos muito mal, e só nos “entregamos” quando não temos mais mesmo nenhuma saída. Até o último momento, lutamos pelo que acreditamos certo, dando justificativas que nos isentem de nos sentirmos mal por estarmos errados. Ao fim, antes de capitular, podemos dizer: tudo bem, estou errado, mas….

Para Kathryn Schulz, “em nossa imaginação coletiva, o erro não está associado apenas à vergonha e estupidez, mas também a ignorância, indolência, psicopatologia e degeneração moral. Longe de ser um sinal de inferioridade intelectual, a capacidade de errar é crucial para a cognição humana. Longe de ser um defeito moral, ele é indissociável de algumas de nossas qualidades mais humanas e honradas: empatia, otimismo, imaginação, convicção e coragem”.

Associamos nossa auto imagem a conceitos que acreditamos corretos e mudá-los não é mesmo fácil. Mas se o erro tem uma vantagem que devemos valorizar sempre é justamente permitir que nos atualizemos e possamos corrigir nossas ideias a respeito de tudo. Seria algum absurdo pensarmos que será sempre o erro que nos definirá mais verdadeiramente? Melhor que Descartes com seu “penso logo existo”, Santo Agostinho se saiu bem melhor com “fallor ergo sum”, ou seja: erro, logo existo!

O erro é sempre uma experiência própria, enquanto o preconceito será sempre uma experiência não adquirida por vivência, mas, normalmente, aprendida pela cultura ou educação que recebemos.

Poderemos passar pela ciência que é a que mais erra, sendo, portanto, a que mais busca o acerto. Seja em que ramo for, desde a terra ser o centro do universo às inúmeras vezes que o café fez mal e depois fez bem, quase todas as “verdades” científicas caíram por terra ao longo do tempo. Mas isso não tira o mérito da ciência, mas a eleva, na medida em que busca o acerto vendo que errou. Claro que isso não é tão simples, afinal, cientistas são pessoas e demoram a aceitar seus erros, que eram verdades para eles quando chegaram a suas descobertas.

Tendemos a associar todas as nossas crenças ao que entendemos moralmente certo, e por isso sempre será um ótimo exercício revermos nossos conceitos do que é certo. Isso é melhor do que somente reagirmos a situações e termos que nos desculpar depois, principalmente quando percebemos que erramos de forma nítida.  Mas pelo conceito estar arraigado em nosso inconsciente só percebemos depois.

Justamente por isso, o fato de errarmos é de grande importância; justamente por ser uma experiência. Como nos ensinou Sidarta Gautama, um dos Budas, a verdade só pode ser comprovada por termos vivido a experiência. De mais a mais, como seres tidos como imperfeitos podem acertar sempre?

Deveríamos aceitar melhor os nossos e os erros dos outros. Como psicoterapeuta, costumo dizer a meus clientes que o erro só é mesmo um problema quando não aprendemos nada com ele, e o pior, ainda repetiu e continuou a sofrer.

Podemos poeticamente dizer que quando estamos errados é como se tivéssemos uma verdade momentânea, que perdeu validade. Da mesma forma, como a evolução do homem tem mostrado em todos os campos, as verdades também são efêmeras.

De certa forma, todos estamos certos, pelo menos enquanto não somos “desmascarados” pela vida ou situações, e isso é uma boa maneira de pensar em como lidar com as pessoas que pensam diferente de nós. Tanto nós como o outro poderão a qualquer momento se perceber como errado, então por que se preocupar e pior; tentar impor aos outros nossas verdades transitórias?

Podemos ter a consciência socrática de que nada sabemos, e isso torna muito mais fácil  lidar com nossas crenças e com as dos demais. Para que discutir? Sendo o erro uma experiência individual, vai ser mesmo difícil convencer os demais do que achamos certo, não concorda? Lembre sempre que, para alguém tomar sua ideia como certa, ele terá que aceitar que a dele é errada e isso não é um exercício fácil, como já citei anteriormente.

A dúvida sobre tudo ou a certeza de nada saber, é um tipo de exercício extremamente evolutivo, afinal, para estar em dúvida e aberto a rever meus conceitos, preciso estar bem consciente e não estar muito preocupado em defender meu ego.

Nossos sentidos, que são nossa leitura de grande parte da realidade, nos enganam a todo o momento e isso é fácil de perceber. Mesmo nossa memória (ver artigo anterior sobre o assunto), já está mais do que provado que nos engana sempre, criando nossas lembranças, nos coloca diante do fato de errarmos como algo inerente a estarmos vivos.

Dizemos que gostamos e depois desgostamos, prometemos que nunca faremos algo e logo depois estamos com vontade de experimentar. Prometemos coisas que não conseguimos cumprir mesmo que na hora da promessa estejamos certos do que dizemos e assim por diante.

Aliás, penso que promessas e juramentos nada mais são que tentativas de permanecermos achando certo o que já descobriremos errado um dia, tornando o transitório definitivo.

Assim, sempre que ficamos surpresos ou espantados com algo é porque nossas expectativas e preconceitos estavam errados. Não é?

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O presente texto teve como inspiração a leitura do livro:

Por que erramos? – Kathryn Schulz  ed. Larousse

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Maynara
Maynara
9 anos atrás

Certo e errado em relação a que ou a quem? Se não existe verdade universal, o que é certo e o que é de fato errado? Concordo com Sidarta, experienciar é a “chave”.
Promessas são formas de cobrança futura de uma pessoa que no segundo seguinte não existe mais…mudamos a cada instante e viva o agora!!

sergey
sergey
9 anos atrás

… honre um erro como uma intenção escondida…

estratégias oblíquas.

Elizete (mensal XVII - Instituto mente)
Elizete (mensal XVII - Instituto mente)
9 anos atrás

Professor sempre um espetáculo com seus artigos obrigada!!! Adoro ler e sempre aprendendo mais.

Cláudio Cesar de Lima
Cláudio Cesar de Lima
9 anos atrás

Bem, dizem que errar é humano… Humm… me parece que desde o “começo” alguma coisa já deu errada… e não foi consertada, salvo algumas tentativas frustradas. Enquanto estiver dando certo ( a citada intenção escondida), a tendência é mantê-lo para sempre ou até que nos conscientizemos do erro. E então, partir para erros novos. Errar, portanto, seria preparar-se para o acerto depois, num sucessivo jogo de erros e acertos, como é a própria vida que teimamos em transformar em difícil.
Há como tornar o transitório definitivo? Viver é um erro?

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