Do homem e do animal

            “A verdade sempre será aquilo que realmente você ver sem pensar. O que foi ouvido nunca será verdadeiro”.

                                          Sabedoria Sufi

homem e animal

Quanto dos nossos pensamentos e preocupações é realmente nosso?

Talvez o caro leitor, já assíduo no blog, possa estar pensando que estou me referindo aos nossos condicionamentos, ou seja, formas de pensar vindas por introjeção desde a infância, oriundas da família, religião e sociedade,  que ficam rodando em nossa cabeça como um disco arranhado (os mais antigos sabem do que falo). E, de tanto rodarem, terminamos assumindo como verdades absolutas e pautamos nossa vida por eles, e, por mais infelizes que por ventura estejamos, temos imensa dificuldade de desafiá-los.

Desta vez, porém, me refiro a outro tipo de pensamentos que não são “nossos” e que, independente do quanto já tenhamos nos livrado dos condicionamentos, esses não nos abandonam jamais; refiro-me aos pensamentos atinentes ao nosso corpo, que, por fazer parte da natureza não difere em muito na sua estrutura dos animais. No que tange ao cérebro, por exemplo, temos um neo córtex (cérebro novo), que desenvolvemos mais recentemente, já que o mais antigo chamado de reptiliano e o desenvolvido posteriormente chamado de emocional ou límbico é compartilhado por grande número de mamíferos e até algumas aves.*

Quando digo que esses pensamentos não são “nossos”, estou falando em relação a nossa Consciência que deveria pautar todas as nossas ações, já que de posse dela, temos sempre uma clara noção de tudo que nos envolve e isso também inclui os pensamentos automáticos (condicionamentos). Na verdade, o que nos difere dos animais é justamente essa Consciência que temos e eles não. Porém, é sempre importante lembrar que essa Consciência é de uso facultativo e só está disponível eventualmente quando algo nos tira do “piloto automático” ou por uma busca pessoal de manter-se a ela conectado. Essa segunda opção é fartamente estudada e faz parte da psicologia oriental que desenvolve muitas práticas para isso, algumas de domínio público e outras restritas às Escolas iniciáticas. Por isso, não surpreende que os laboratórios de psicologia utilizem animais em seus experimentos buscando testar e entender o comportamento humano. Sem a utilização da Consciência, não há mesmo muita diferença!

Esta talvez seja a maior luta que temos a travar em busca do nosso autoconhecimento: entender o funcionamento da nossa mente e passar a dominá-la, sabendo de sua finalidade e que ela não é nosso último recurso, já que sempre estará (ou deveria) estar submetida à Consciência. Todos os pensamentos ligados ao nosso corpo tem por finalidade mantermo-nos vivos, saciar nossas necessidades imediatas e evitar ou diminuir nosso sofrimento que para a mente, pode nos levar à morte.

Então se imagine com fome ou qualquer outra necessidade básica que lhe traga sofrimento. Não é difícil perceber que os pensamentos que teremos estarão totalmente focados em suprir esse sofrimento e imagino que, por exemplo, você não estaria disposto a conversar sobre religião, política, economia diante dessa situação. Da mesma forma, se estivesse em uma sala de aula ou ouvindo uma palestra seu aproveitamento seria quase nulo, justamente porque esse tipo de pensamento ligado às necessidades do corpo, praticamente impediriam que você conseguisse a concentração necessária. Só que quero enfatizar é que isso não tem a ver somente com essas necessidades básicas do corpo, mas também com necessidades emocionais e sentimentos como raiva, vergonha, etc.

Podemos ir ainda um pouco mais fundo; como nosso metabolismo está sempre funcionando de acordo com o que estamos imaginando, mesmo nossas “alucinações” sobre o passado e futuro com a qual a esmagadora maioria das pessoas estão viciadas, as tiram completamente a percepção da realidade fazendo com que tomem suas decisões e escolham seus caminhos baseados em um “estado de espírito” sem nenhuma conexão com o que realmente é a verdade naquele momento. Quando estamos à mercê do corpo e suas necessidades, não somos o que somos. É como se essas necessidades nos tornasse uma pessoa diferente que estará no comando até que o assunto se resolva de alguma forma. Se você um dia já disse “perdi a cabeça”, pode compreender agora que sua “cabeça” teve por alguns momentos um outro dono que não era essa pessoa que você pensa que é. Concorda?

Os pensamentos ligados ao corpo sempre estarão presentes, independente da Consciência, mas a presença dela faz com que esses pensamentos não nos comandem ou exerçam influência decisiva em nossas escolhas. É uma tremenda bobagem achar que um dia eles cessarão, já que enquanto o corpo viver haverá uma mente e, portanto, emoções, dores e necessidades fisiológicas ou egóicas pedindo atendimento e fazendo que qualquer sofrimento pareça eterno. É justamente por isso que os países orientais tem uma cultura de sempre demorarem a decidir e só pode ser mesmo por terem essa percepção há muito tempo. Até mesmo os trâmites lentos da justiça se tornam necessários para que a decisão sempre seja tomada com o maior distanciamento possível, o que sempre torna a “verdade” mais fácil de ser encontrada.

Infelizmente nos deixamos inebriar pelas coisas que imaginamos e, consequentemente, “drogados” pelas emoções correspondentes e vamos perdendo o contato com a realidade. Desde que a criança aprende essa doença chamada preocupação (pré-ocupação da mente) com seus pais, passa a viver esse estado ilusório, estruturado em cima do medo do futuro. Por isso que acho que mais ninguém nos últimos tempos chegou ao “reino dos céus” justamente pela perda da conexão com o presente, características das crianças e ausente totalmente dos adultos preocupados, ou seja, estressados, ansiosos, tensos e, consequentemente, doentes.

Na verdade, o que é real só pode ser constatado quando apenas estamos vendo e não pensando. Pensar significa julgar, atribuir significado e isso tem a ver com nosso “programa”, com o nosso dia, com o quanto bem ou mal estejamos nos sentindo, se estamos com alguma dor ou qualquer preocupação. Todos esses fatores que não tem a ver diretamente com a Consciência é que nos dão a interpretação do que estamos vendo e isso está muito longe de ser chamado de realidade.

Torna-se necessário, portanto, percebermos os nossos pensamentos, buscando suas origens. Temos os pensamentos do corpo, os que herdamos de quem nos educou, e do medo do futuro que é da natureza da mente. Nenhum deles tem a ver com essa essência imortal que habita esse corpo onde moramos. Saber diferenciá-los, relativizá-los e entende-los é o exercício de cada minuto de quem busca seu autoconhecimento.

Enquanto isso não acontecer será esse verdadeiro caos, que é não vermos a realidade, mas imaginá-la o tempo todo sob as lentes distorcidas de tudo que nos atormenta a cada momento.

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*Para saber mais, ver teoria do cérebro trino.

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