Filosofia

Nem isso, nem aquilo

 

“Tocar o mal acarreta o grave perigo de sucumbir a ele, precisamos, portanto, deixar de sucumbir a qualquer coisa, inclusive ao bem. Um bem ao qual sucumbimos perde seu caráter ético. Qualquer forma de vício é nociva, quer se trate de álcool, narcóticos ou idealismo. Precisamos evitar em pensar o bem e o mal como opostos absolutos. O reconhecimento da realidade do mal, necessariamente torna relativo o bem – e também o mal – convertendo cada um deles na metade de um todo paradoxal.”

Carl G. Jung – O problema do mal no nosso tempo.

“Bem e mal são os preconceitos de Deus; dizia a serpente.”

Nietzsche

bem e mal

A filosofia sempre se debateu sobre essas questões básicas como o conceito de verdade, de moral e do que se considera o “bem”. Todo o julgamento que fizemos se dá, em meu entender, porque nossa mente sempre precisa de definições já que isso a deixa segura por, digamos, entender o que se passa e a de formar uma ideia a respeito seja do que for. Não é difícil de exemplificar: quem já não conheceu uma pessoa e só de vê-la (interpretá-la seria a palavra correta) fez todo um julgamento, simpatizando ou não. Passado algum tempo, convivendo, essa ideia inicial foi totalmente reformulada. A questão seria mais simples se esperássemos um tempo para depois dizer o que achamos dessa pessoa. Mas nossos julgamentos são automáticos e isso não podemos evitar, mas, não levar esse julgamento em consideração, sabendo que o tempo é mas sábio que a mente, isso sim já é uma evolução.

Quando estamos falando do que é o “bem” e o “mal” isso também acontece, só que nesse caso, foi à cultura que nos forneceu as bases desse entendimento automático da mente, e lá estamos nós julgando rapidamente, de novo!

Jung diz que o julgamento moral, pelos motivos acima, está sempre presente e isso também traz consequências psicológicas. De certa forma, ele poderia estar tratando do conceito de carma quando afirma: “Assim como no passado, também no futuro, o erro que cometemos, pensamos ou intencionamos, se vingará de nossa alma.”

Mas qual a certeza que temos que a base desses conceitos que nos foram introjetados por educação ou porque não dizer, por punição, são realmente corretos? Tudo é subjetivo e tem sofrido mudanças, dependendo da época ou necessidade. Isso quer simplesmente dizer que a base do conceito de “bem” e de “mal”, como todos os outros, é incerta e relativa, muito relativa.

Aprendemos que nenhum valor pode ser maior que vida humana, certo? Depende, já que se entrarmos em guerra contra outro país (isso ainda acontece, por mais incrível que pareça), se em uma determinada ação eu vier a tirar a vida de muitos “inimigos” serei condecorado, considerado herói e até terei no futuro uma estátua em alguma praça. Aliás, a maioria das figuras nessas praças são de heróis de guerra, que, dependendo do ponto de vista, poderia chamar de assassinos, ou não?

Todos amam seus animais de estimação, os tratam como pessoas, gastam fortunas com eles, mas daqui a algumas horas de voo, eles fazem parte do cardápio de restaurantes caros. Quando alguém aparece ou é denunciado por maltratar um cachorro, pode até ir preso, mas de outro lado não se importa muito com a rotina dos abatedouros, onde animais com o mesmo cérebro emocional (capacidade de sentir e sofrer) de seu amigo “que só falta falar” são trucidados diariamente, para nosso deleite gastronômico. Em outros lugares, esses mesmos animais são sagrados e arderemos no inferno se os maltratarmos. Diante de tantas incoerências, porque poderemos afirmar que alguma coisa ou ação é realmente boa ou má?

Torna-se necessária muita coragem para exercer a liberdade de evitar aquilo que é considerado “certo” e termos a ação de fazer o que se entende por “errado” se nossa decisão interior (poderemos chamar de ética pessoal) assim o entender. Conforme a filosofia hindu, neti neti (nem isso, nem aquilo). Penso tornar-se necessária uma elevada dose de confiança e autoconhecimento para fazer o mal, quando se sente necessário. A maioria das pessoas sucumbirá aos condicionamentos sociais e a opinião normótica sobre o tema.

Na verdade, quando a ação é consciente ela é sempre certa para quem age, a questão da avaliação moral dessa atitude fica por conta da cultura vigente e dos limites que essa cultura pode impor. Como a esmagadora maioria das pessoas é totalmente inconsciente (no que se refere aos “porquês” de suas atitudes), torna-se fundamental um manual de conduta ou código moral para nortear o que se pode ou não fazer, já que, como as ovelhas, precisamos de quem nos leve.

O grande problema é que vagamos pela vida com essa profunda inconsciência, destituídos de liberdade de pensamento, estamos sempre nos apoiando nessas velhas frases e não tomamos nossas decisões de forma lúcida e isso nos leva a projetá-las nos demais. Se todos temos uma sombra que nada mais é do que esses conteúdos não vivenciados e reprimidos, nós enquanto coletividade também os temos, e nos responsabilizamos pelas consequências da cultura que vivemos e que ajudamos a manter, seja pelo nosso conveniente silêncio ou total ignorância.

Nossa educação não se preocupa em formar pessoas que se conheçam e que, portanto, tenham recursos de encontrar suas decisões conscientes, mas apenas se preocupa em formar mão de obra e tornar todos incapazes de realmente saberem o que querem de si mesmos, transformando os diamantes individuais em pedras comuns, condicionáveis e manipuláveis. É uma alquimia às avessas.

A resposta para sabermos o que seria o “bem” ou o “mal” precisa que saibamos quem somos e isso, infelizmente, nunca será fornecido pelo Estado (leia-se “educação” que sempre trabalha pela ideologia que está no poder), seja de que lugar for. Não se formam pessoas livres, isso é perigoso demais!

Como já escrevi artigos anteriores, conhecer-se significa saber o bem que se é capaz de fazer e os crimes também. Aliás, o que seria da sociedade sem as leis e punições? A maioria das pessoas só quer ver como real o bem de que são capazes. Penso que ele só será mesmo real, quando a consciência das nossas “capacidades” para o mal estiverem bem visíveis, tanto quanto as qualidades. O crescimento se dá quando, por escolha, e não por imposição, decido não fazer o mal e não projetá-lo, fazendo o bem. Esse autoconhecimento é da maior importância, pois através dele nos aproximamos daquele extrato fundamental, ou âmago da natureza humana onde se situam os instintos, como diz Jung.

Se o conceito de Deus é de totalidade, sem divisões, seus filhos também deveriam ser assim e esse é nosso destino evolutivo, mas enquanto fracionados pelo “certo” e “errado” estaremos em constante sofrimento e assim não teremos como continuar a caminhar em busca dessa totalidade.

Assim e só assim, será fácil decidir que é verdade ou mentira, fora disso, continuaremos como crianças pequenas, perguntando com os olhos arregalados e esperando que nossos “educadores” nos digam o que posso ou não posso ser ou fazer, se sou “bom” ou “mal”.

Tudo tem um preço e ser inocente é um dos mais caros.

Uma dúvida chamada DEUS

Você não foi feito para viver igual às bestas, mas para buscar a virtude e o conhecimento.”

                    Ulisses – O inferno de Dante

“Não é menos respeitável ser um macaco modificado em vez de barro modificado.”

                    Thomas Huxley

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A existência de Deus tem sido um tema que, ao longo dos séculos, tem colocado a ciência e a religião em campos opostos e penso ser útil refletirmos sobre isso.

 Os cientistas são pessoas que, como todos, são influenciados pelo contexto social em que vivem e realizam suas experiências. Sempre foi assim, e nos dias de hoje, poderíamos acrescentar que seus interesses caminham junto com os que detêm os recursos, sem os quais o trabalho de pesquisa não pode existir. Porém, não há como negar que ainda é o melhor jeito que se tem de se explicar o mundo natural e predizer seu comportamento, justamente por estudá-lo.

No entanto, até bem pouco tempo a ciência tinha se excluído de penetrar no mundo das religiões (temos dois artigos no blog sobre o assunto que foram baseados em pesquisas recentes), que é fascinante, já que lida com o oposto da ciência; a aceitação de fatos e ideias inexplicáveis e que não podem ser comprovadas.

Em 1916, o psicólogo James Leuba fez uma pesquisa com 1000 cientistas americanos baseado em um pressuposto que defendia de que, quanto mais culta fosse uma pessoa, menos ela tenderia a acreditar na existência de Deus, e esse foi o motivo de ter escolhido cientistas, afinal, eles tendem a ter uma escolarização elevada e muito tempo em estudos complexos. Recentemente, pesquisas mostram que nos países mais cultos (onde as pessoas estudam por mais tempo em média) tem aumentando muito o número de ateus, ou seja, pessoas que não acreditam na existência de um Ser superior que ordene e comande a existência e a natureza. Esse, aliás, foi o vaticínio de Leuba, que disse que, com o aumento da cultura da população mundial, esse fenômeno aconteceria. As pesquisas mostram que ele acertou! Na sua época os resultados foram que, diante da pergunta na crença de um deus pessoal, 27,7%  dos cientistas diziam acreditar, 52,7% não acreditavam e 19,4% tinham dúvidas ou se declararam agnósticos*.

Em 1997, Edward Larson (professor de história da ciência da Universidade de Geórgia) e Larry Witham (repórter do Washington Times) procuraram repetir a pesquisa de Leuba com o objetivo de saber se a comunidade científica tinha mudado de ideia em relação a Deus ou mantinha a posição de 80 anos antes. Foram respeitadas as diferenças de épocas e de cientistas ouvidos, afinal Leuba ouviu 20% dos cientistas registrados na sua época nos EUA e, em 1997, esse mesmo número representaria apenas 3%, o que poderia de alguma forma falsear a pesquisa, então adaptações precisaram ser feitas. O que se pode ver é que os cientistas não mudaram de opinião, pelo contrário, já que o número de “crentes” diminuiu. Os resultados foram: 7% acreditavam em Deus, 72,2% não acreditavam e os quase mesmos 20,8% tinham dúvidas ou se declararam agnósticos.

Mas afinal, porque pessoas instruídas como cientistas, com uma forma sistematizada de pensar e pesquisar não acreditam na existência de Deus? Pelo mesmo motivo que atualmente a maioria das pessoas dos países mais cultos, também não: esse deus oferecido pela cultura, principalmente cristã, é mesmo “inacreditável”, justamente por ser humano demais, a saber: fica bravo, pune e condena quem não o obedece….isso dito, é claro, pelos seus “representantes legais” das várias ramificações, sejam elas do lado mais light  ou mais conservadora.

Penso que tanto os descrentes quanto os crentes estão em lados opostos e radicais, o que tende a afastá-los do ponto central. Sabemos todos que a verdade, seja ela qual for, nunca está nos extremos de lugar nenhum. Alguns cientistas, por exemplo, fazem o seguinte raciocínio: se deus interage em grau maior ou menor com o mundo físico, significa que deus é algo como uma parte do universo físico. Sendo assim, a existência de deus é uma questão que pertence ao domínio da investigação científica!

Por esse raciocínio, posso concordar com o autor que inspira esse artigo**, Massimo Pigliucci, que diz que os ateus poderiam ser convertidos facilmente, desde que lhes dessem argumentos sólidos da existência de deus. Acho muita graça, afinal querer reduzir o Inexplicável a uma explicação não é mesmo possível! Por outro lado a ciência se complica, já que também não pode provar a não existência de deus, na medida em que ainda temos uma infinidade de fenômenos ditos sobrenaturais, ou seja, acima da natureza explicável. Nesse ponto, os descrentes poderiam também alegar que os crentes também não podem provar a existência de deus. Ora, a fé se caracteriza justamente por se acreditar em algo que não se sabe. Se Deus pudesse ser provado ninguém precisaria acreditar, saberíamos de sua existência.

Na verdade, o que acontece, em minha opinião, é que, principalmente no ocidente, temos esse deus pouco provável, que não resiste à análise de um cérebro bem formado, como um ente, que tem até uma figura na mente das pessoas, com cabelos e barbas brancas assim como o personagem Gandalf do filme “O senhor dos anéis” que luta de branco contra a força negativa, trajada de negro. Essa dualidade é o mais distante que pode haver de Deus, já que ele se caracteriza por “não ser”. Todas as pessoas que tiveram suas consciências ampliadas (chamados de grandes místicos) que seriam catalogados por, no mínimo esquizofrênicos e psicóticos por essa mesma ciência, sempre definem Deus por termos como: Não Nascido, Imorredouro, Imutável, Imóvel, Não manifesto, Imensurável, Invisível, Intangível, Infinito. Como a ciência poderia descrevê-Lo?

Nessa hora, não posso me esquecer quando o famoso mitólogo Joseph Campbell foi acusado de ser ateu. Ele realmente era, se estivéssemos falando desse deus limitado ou dessa igreja que ainda defende a tese criacionista (adão e eva) e insiste em dizer que o mundo tem 6000 anos de idade, negando todas as descobertas científicas que qualquer criança sabe, de culturas que foram descobertas e estudadas, esqueletos de animais e pessoas com muitas centenas de milhares de anos mais antigos. Para quem o leu e ouviu suas entrevistas, chama-lo assim é assumir uma ignorância oceânica. O que até não é de se estranhar, pois só mesmo uma percepção limitada pode negar tamanhas evidências que tornam a tese criacionista mais voltada para desenho animado do que qualquer outra coisa que possa ser encarada seriamente.

Hoje, mais do que nunca, a ciência, filosofia e religião podem se aproximar e foi a própria ciência, através da física quântica, que fez esse convite. Pode mesmo ter uma inteligência por trás do big bang e uma ironia inteligente em sermos tão parecidos geneticamente com os macacos, por exemplo. Isso poderia muito bem explicar nossas irracionalidades, não acham?

Falta para todos o deus que os agnósticos procuram, que os orientais já encontraram, um Deus que seja uma inteligência e não alguém. Caso contrário, a frase de Thomas Huxley que abre esse artigo tem todo o sentido e é mesmo uma angústia, justamente pelo absurdo que as duas possibilidades contemplam.

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*Agnóstico é aquele que considera os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana. A palavra deriva do termo grego “agnostos” que significa “desconhecido”, “não cognoscível”. Num sentido religioso, agnóstico é aquele que não acredita na existência de Deus, porém não nega essa possibilidade, por se encontrar num patamar racionalmente inacessível. (http://www.significados.com.br/agnostico/).

**O Processo contra Deus. Massimo Pigliucci, tradução Sérgio Luiz Mansur. Fonte: Skeptic Magazine Articles Archives.

Espiritualidade: difícil definição

“Hasan procurou Rabia, num dia em que ela estava sentada entre diversos contempladores, e disse: – Eu tenho a capacidade de andar sobre a água. Venha, vamos ali para aquela água e, sentados sobre ela, poderemos ter uma discussão espiritual.

Rabia disse: – Se você deseja se separar dessa augusta companhia, por que não vem comigo para voarmos e conversarmos sentados no ar?

Hasan respondeu: – Não posso fazer isso, pois o poder que você menciona eu não possuo.

Rabia disse: – Seu poder de permanecer imóvel sobre a água é o mesmo que o peixe possui. Minha capacidade de voar pode ser realizada por uma mosca. Essas habilidades não fazem parte da verdade real – elas podem se tornar o alicerce da egolatria e da competição, não da espiritualidade.”

          Bhagwan Shree Rajneesh – Sufis o povo do caminho

Gravura de Rabia
Gravura de Rabia

Em uma cultura centrada no Ego, como a que vivemos, essa velha estória Sufi permanece mais atual que nunca. De um lado, continuamos com essa velha ideia de que a pessoa dita “espiritualizada” é medida pelas dificuldades que passa, ou aparenta passar, em sua relação com o aspecto material.  Precisará mesmo ser alguém pobre para ter desenvolvido sua consciência pela via do sofrimento ou da privação? Será que as coisas materiais tem mesmo essa capacidade de iludir o verdadeiro “buscador” a ponto de, necessariamente, serem rejeitadas como uma prova ou tentação?

É claro que todos já conhecemos pessoas humildes que conseguiram altos níveis de consciência, mas isso não me parece uma obrigatoriedade, você, caro leitor, o que acha?

Particularmente, penso que uma pessoa que se realiza financeiramente tem muito mais facilidade de perceber que não é o material que explica e dá sentido a vida, justamente por possuir isso e não sentir-se “completa” e em sintonia com o mundo que a cerca. O que vemos, justamente por ser incentivado pela cultura dominante, é que os bens materiais nos trarão a total realização e completude. Justamente por se acreditar nisso, é que vemos as pessoas destruindo sua saúde para poder adquirir essas expressões de poder que dão status e reconhecimento.

Só existe mesmo o desapego quando ele é real e não uma divagação que fica bonito de se dizer, buscando uma imagem perante os demais de que traga essa aura espiritual, como um guru. Para poder se dizer desapegado a condição inicial é poder ter o objeto em questão. Os próprio sufis dizem que por ser esse mundo material, devemos mostrar nossa competência também nesse aspecto, mas que, se por ventura tudo for perdido, seja pelo motivo que for, tudo poderá ser reconquistado, não sendo, portanto, motivo para grandes tristezas. Essa relativização da materialidade é uma concepção que se adéqua muito bem aos nossos tempos, apesar de muito antiga.

Nessa bela estória, Rabia coloca o ego de Hasan no seu lugar, mostrando como ele havia perdido a direção, achando que se pudesse andar sobre a água isso representaria uma grande evolução se diferenciando dos demais. Puro ego! Para ele, conseguir esse feito representava uma grande conquista e a Mestre mostrou que ele havia, na realidade, involuído, já que um simples peixe era capaz de tal “façanha”.

Conheço pessoas muito evoluídas espiritualmente que vivem com conforto, frequentam restaurantes e viajam pelo mundo. Para mim, sem tirar o mérito das demais, isso é a espiritualidade do século XXI. E é muito importante ressaltar que não há nada de errado, que de vez em quando, elas não possam ter seus momentos de raiva, medo e angústia. A diferença é que essas pessoas sabem muito bem a diferença entre o que elas realmente são e o corpo que elas habitam, muito ligado a esses sentimentos. Justamente por isso, logo conseguem trazer-se de volta ao equilíbrio.

Ser Humano compreende saber-se habitando um corpo que faz parte dessa natureza e que, como o de qualquer animal, busca sobreviver e tem o medo como norma. Afinal, é justamente lidando diretamente com esses sentimentos nada nobres que, ao observá-los, vamos conseguindo lidar melhor com eles.

Ser “espiritual”, em minha opinião, é tocar a vida sem medo, focado no presente, relativizando o futuro já que não sabemos o que virá, nem apegado a um passado que não existe mais e muito menos voltará um dia. É estar relaxado muito mais tempo do que tenso. É saber a hora de trabalhar, de se divertir e ter em si mesmo uma ótima companhia. O que torna uma pessoa assim ótima de se ter por perto, não acha?

Ser “espiritual” é não sofrer por pensamentos ilusórios e estar sempre longe dos extremos, aceitando os outros como são sem tentar salvá-los ou mudá-los, já que reconhece que não existe apenas uma verdade ou caminho, aliás, eles são tantos quantos os habitantes desse mundo.

Portanto, para ser “espiritual” não é obrigatório pertencer a nada, fazer parte de nada. Até pode acontecer, mas essa pessoa é totalmente LIVRE, não condicionável, simplesmente porque não tem medo de ser punido nem se sente culpada caso não atenda alguma ordem “superior”. Sua ética é ampla, justamente por valorizar a casa (planeta) que vive e todos os seres vivos, respeitando o direito a vida e a liberdade.

Ser “espiritual” é reconhecer suas qualidades e ter sempre bem presente o mal que pode causar, afinal isso é conhecer-se verdadeiramente, não se iludindo consigo mesmo, o que mantém todo seu Ser em harmonia que justamente significa paz e guerra em equilíbrio.

Penso que tudo isso esteja ao nosso alcance, se realmente quisermos e me parece bem mais difícil que andar em cima da água, afinal a sociedade sempre cobrou um preço caro por quem fugiu do rebanho.

                                                          maria-vai-com-as-outras

Comportamento indiscreto

            “Errar é humano, ser apanhado em flagrante é burrice”.

Millôr Fernandes

máscaras

Essa é a notícia:

Para avaliar a hipótese de vários autores que teorizam que as condições do ambiente- sujeira e janelas quebradas, por exemplo, poderiam propiciar comportamentos anti-sociais, Keizer e colaboradores conduziram um estudo.

Neste estudo era observado o comportamento de holandeses ao alugar bicicletas com um papel de propaganda que deveria ser retirado do banco da bicicleta, embora não houvesse lixeiras por perto. Foram realizadas observações em duas situações distintas: na primeira delas, indivíduos alugavam bicicletas em locais limpos e conservados, ao passo que na segunda situação os locais eram sujos e com muros pichados.

Os resultados demonstraram que indivíduos que buscavam bicicletas em lugares mal cuidados, jogavam papéis no chão com maior frequência, reforçando a hipótese inicial. Outro estudo realizado na mesma linha de trabalho, foi realizado utilizando envelopes endereçados e transparentes com notas de 5 euros dentro. Os achados mostram que em ambientes sujos, os indivíduos costumavam pegar o dinheiro ao invés de colocar a carta na caixa do correio.”*

 

Esse exemplo é apenas um dos muitos estudos e experiências realizados sobre comportamento humano e pode nos ser útil refletirmos sobre ele na nossa jornada em busca de nos conhecermos melhor.

Até que ponto o ambiente altera o comportamento de uma pessoa? O que faz alguém ter comportamentos diferentes diante do mesmo estímulo quando a única diferença está no ambiente onde está inserido?

Entendo que isso está diretamente ligado a estarmos ou não em um estado de consciência alerta ou movido apenas por condicionamentos, sem uma percepção real do momento. Não tenho dúvidas que o estado de percepção que temos é o que nos faz  agir de forma tão antagônica.

Para quem já acompanha o blog, sabe que entendo que a pessoa pode experimentar apenas dois níveis de percepção; alerta (consciente) onde tem o total poder sobre suas ações, com plena capacidade de ser o que quer “ser” que poderemos chamar de pró ativo e o outro, sem consciência de si, agindo como um robô que foi programado pelas suas crenças, condicionado e que apresenta apenas comportamentos reativos, ou seja, não é dono de suas ações. Infelizmente nessa segunda opção estão 99% das pessoas que habitam (vagam) pelo planeta terra. Pessoas que “sonham” com mudanças, mas ficam apenas nos desejos e ainda não descobriram a coragem de se tornarem originais, cumprindo seu destino de serem únicas.

Assim, enquanto reativos, somos passageiros na condução de nossa própria vida e ficamos sempre dependendo de bons ventos, sorte e destino. Pessoas assim, por não terem nenhum controle sobre si mesmo, reagem ao ambiente, de formas diferentes; se ele for limpo e organizado de um jeito e de outra forma se esse mesmo lugar estiver em desordem. Se o local é sujo, desarrumado, isso desperta o que elas têm de pior em si e agem de acordo com o ambiente. Quando em “bandos” como, por exemplo, as torcidas organizadas e gangues, pessoas normalmente cordatas (escondendo sua identidade com as características do grupo como as roupas comuns que todos usam, por exemplo) podem transformar-se em verdadeiros animais, agindo com violência e crueldade. É claro que isso também faz parte de nós, mas normalmente consegue-se controlar a fera ligada aos nossos instintos pelo medo das punições que a sociedade cria para nos manter sob controle.

O estudo acima mostra que quando o ambiente era limpo e organizado a pessoa levava com ela o papel que estava na bicicleta até a primeira lixeira disponível, justamente porque o local não combinava com uma atitude de desleixo e falta de educação. No outro ambiente o papel era jogado no chão pela maioria das pessoas. Outras experiências como essa já foram feitas em banheiros públicos com o mesmo resultado, seja nos países de terceiro mundo, seja como esse, na Holanda, onde o nível de escolaridade é imensamente maior que no Brasil. O que mostra que isso não tem a ver com educação, mas consciência!

Já nos caso dos envelopes, as pessoas simplesmente roubavam o dinheiro, ou seja, o ambiente as tornou ladras, ou apenas despertavam nelas essa vocação? Enquanto que no outro local, mais arrumado, a grande maioria colocou as cartas na caixa de correio, não se tentando em ficar com o que não lhes pertencia.

Quer outro exemplo, agora no Brasil?

“O professor Ahmed Atia El Dash transformou em uma sala de espera o ponto de ônibus instalado na esquina entre a Avenida Luiz de Tella e a Rua Desembargador Antão de Moraes, na Cidade Universitária, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas. De origem árabe, ele mora e mantém uma consultoria em Barão e resolveu melhorar as condições do espaço público instalando uma pia com um filtro e copos plásticos, um revisteiro com exemplares de revistas de informação, uma lixeira e um mural com o jornal do dia….O que antes era um ponto de ônibus cheio de lixo e mal cuidado, virou uma espécie de varanda agradável. “Antes as pessoas jogavam lixo e até animais mortos, a gente tentava limpar e não adiantava. Aí entendi que era melhor mudar o ambiente. Mudei o piso, flores, gramas, coloquei o jornal para ler nos tempos de espera e as pessoas não estão destruindo nada. Mudando o ambiente, a gente muda o comportamento da pessoa”, disse o professor, especialista em tecnologia de alimentos…As intervenções foram feitas há duas semanas e, para a surpresa de muitos, o ambiente permanece intacto e imune ao vandalismo. “É uma coisa que pertence a todos nos e todos podemos cuidar. As pessoas estão elogiando e até colocando revistas para os outros lerem”, disse Ahmed.”**

ponto de ônibus reformado

Depois que foi feita essa “reforma”, acabaram as pichações e o vandalismo e as próprias pessoas cuidam do lugar. Lembrando apenas que as paradas de ônibus são normalmente frequentadas pelas mesmas pessoas.

No fim, somos essa dualidade que por total falta de autodomínio, poderemos expressar ações completamente opostas movidas pela cor ou limpeza das paredes e outros fatores que, por sermos totalmente inconscientes, podem fazer de nós pessoas ou feras.

O que resta no final dessa reflexão é que enquanto não nos tornarmos humanos, que se espera ser melhor do que os animais irracionais, muito mais do que qualquer outra coisa, ficamos apenas torcendo para que nada mostre o que realmente somos. Parece que sermos educados é um fingimento que praticamos pelo medo de não sermos amados e respeitados pelos demais.

Não é a toa que todo o dia a imprensa noticia escândalos de comportamento envolvendo pessoas distintas, grandes empresários, pessoas da mídia ou religiosos que tiveram a má sorte de serem flagrados quando viviam seu “outro lado”, onde estavam mais perto de si mesmas. E é justamente por se identificarem mais com isso do que com uma natureza superior, precisam, mesmo que às escondidas, vivenciarem seu lado obscuro.

Somos todos nesse mundo dual “luz” e “escuridão” e só mesmo quando buscamos ter uma consciência de nós mesmos poderemos escolher o que somos. Se não, a “luz” será sempre algo forçado e mantido pelo medo, enquanto a escuridão uma verdade que espera nunca ser descoberta.

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*Disponível em: http://cerebro-online.blogspot.com.br/2010/03/o-ambiente-e-sua-influencia-no.html

**Disponível em:http://correio.rac.com.br/_conteudo/2013/04/capa/campinas_e_rmc/50403-professor-reforma-ponto-de-onibus-por-conta-propria.html

Quando o NADA é TUDO

     “A desgraça do ser humano é nunca estar em casa”

Pascal

“Quando a mente cessa, Deus começa”

Yogananda

vazio

Nossa cultura, baseada na produção, materialismo e racionalismo é toda alicerçada em ter no material a identidade que faz uma pessoa ser ou não respeitada, ter ou não poder. Assim, desde os primeiros anos de escola, somos ensinados para “sermos” alguma coisa um dia. Mesmo nossos pais, que foram educados por pessoas que também sofriam desse mal, nos perguntam: o que você vai ser quando crescer?

Quanto mais crescemos, aprendemos a mesma teoria mentirosa de que o mundo é escasso e que devemos estar aptos a disputar nosso espaço e, para termos essa tal riqueza que nos trará admiração dos demais, precisaremos ser competitivos, fortes e hábeis para chegarmos à frente dos concorrentes (que aos domingos em Igrejas e Templos são chamados de irmãos). Até hoje as escolas se preocupavam em preparar seus alunos para o vestibular (competição) e nunca se preocuparam em seus currículos em fazer dessa criança alguém que se conheça, que domine algum tipo de arte (que sempre é um dos remédios para a angústia, por acalmar e superar a mente) e assim possa compreender a existência, encontrando sua paz sem depender de nada que tenha alguma marca.

Precisamos, incansavelmente, “ser” alguém na vida e estarmos sempre em atividade “fazendo” alguma coisa, ou seja, produzindo. Assim, essa cultura criou a ansiedade que é o medo de chegarmos ao final da vida sem termos “sido” ou “feito” algo importante que nos traga a riqueza material e o respeito dos demais, que ficaram para trás na corrida e na luta pela sobrevivência. Por fim, apenas “sobrevivemos” baseados no fazer e no ser. Mas o que é esse “ser”? Refiro-me às identidades e personagens que criamos para nos adaptarmos ao meio e conseguirmos sobreviver e sermos aceitos pelos demais. Isso é sobrevivência, até mesmo uma simples bactéria ou inseto também sobrevive sem tanto sofrimento. Evidente que sobreviver é importante, mas isso nos traz alguma realização interior? Se assim fosse, o mundo seria o que é hoje?

Mas o que está por trás e na essência de quem “faz” e “é” alguém?

Um vazio!

Na simbologia numérica o algarismo “zero” tem um profundo significado. Nada começa pelo “um”, afinal para que ele possa existir, precisará não ter tido existência anterior, onde só havia o “zero” que representa o vazio. Não é à toa, que os antigos herméticos simbolizavam Deus por um “zero”, ou vazio.

É justamente nesse vazio que tudo se origina, é o terreno fértil da criação e nossa cultura nos exilou de nossa verdadeira natureza vazia, por onde surgiu nosso “eu” ou Ego, que é representado pela nossa metade que “é” e “faz” alguma coisa. Ficamos mancos existencialmente como se só houvesse o Ego. O resultado disso é a ignorância existencial e o medo. Esse Ego, que nasceu do vazio, um dia morrerá, justamente por ter nascido, mas o vazio é o eterno que sempre fomos e esquecemos quando aprendemos com outros esquecidos que só existe um Eu, material (corpo) que vive em um mundo de aparência material, sendo transitório e efêmero tanto quanto nossa beleza ou feiúra.

Para recuperarmos nossa outra perna e termos o equilíbrio precisaremos dessa reconexão com nossa natureza que é destituída de Ego. Ninguém nos ensina a tirarmos, pelo menos, algum tempo por dia para nos despirmos de nosso Ego e não sermos “ninguém” e não fazermos “nada”.

É fundamental dedicarmos um tempo para nos voltarmos para dentro, sair do “um” e voltarmos ao “zero” que o originou. Não ser ninguém, não ter nome, profissão, família, amigos, religião, time de futebol, partido político, etc. Simplesmente não ser e não saber nada! Tornar-se um santo ignorante, que por nada saber não sofre, não deseja e não tem medo ou angústia, características do que passa, não sendo portanto verdadeiro. Apenas “não ser” sem passado e sem futuro que são puras alucinações, coisas que a eternidade desconhece, justamente por viver sempre no presente.

É um exercício simples, feche seus olhos por dez ou quinze minutos por dia, respire natural e calmamente e abra as brechas que Yogananda nos sugere para que o “milagre” de realmente Ser aconteça.

Nesse final de semana, tive a oportunidade de participar de um seminário em Florianópolis, onde Roberto Crema fez um interessante raciocínio. Disse que a palavra “aposentar” significa voltar aos aposentos e que as pessoas tem dificuldade de se aposentar porque não podem voltar a algum lugar onde nunca estiveram. Na hora fiz essa analogia com nossa natureza vazia e a frase de Pascal também se tornou obrigatória para abrir esse artigo.

Nosso medo de morrer, que em muitas tradições é chamado de “volta para casa”, só causa tanto medo e tanto desespero quando pensamos que vamos morrer ou quando alguém querido morre, justamente por não conhecermos essa “casa”, de onde saímos para essa aventura existencial habitando um corpo transitório. Falta-nos, durante essa passagem, nos re-conectarmos com nossa “casa” e lembrarmo-nos de nossa eternidade. Sem isso, continuaremos presos e receosos de tudo, buscando certezas e seguranças que só existem no que não mais evolui, no que está morto!

Alguém que por seu mérito se “recorda”, perde o medo e torna-se livre! Livre para fazer da vida o que ela realmente é: uma aventura, com ganhos, perdas, risos e lágrimas em constante mudança e contradição.

Tire um tempo para você, feche seus olhos e por alguns poucos minutos se livre dos seus personagens, títulos, planos e mesmo do seu nome. Simplesmente não seja, não faça e se preencha do vazio! Procure o silêncio interior (com o tempo você conseguirá), deixando sua mente (ego) se debater por não ter sua atenção e ela irá se cansando e abrindo espaços entre seus pensamentos.

O poeta Fernando Pessoa disse que Deus era um intervalo, um vazio que está escondido atrás da mente que, evolutivamente, nos cabe afastar. Agora espero que você tenha entendido a metáfora da expulsão do paraíso e porque fomos punidos a ganhar nosso “pão” com o suor do nosso rosto, fazendo e fazendo. Estamos pagando o preço de termos esquecidos de nós mesmos.

Nosso mundo exige o ser e o fazer e não há nada de errado nisso, desde que também  possamos não ser e não fazer, encontrando a síntese entre as necessidades do corpo e de quem nele habita.

Depois de algum tempo, essa prática desse retorno às origens, um amigo poderá encontrá-lo e percebe-lo mais sereno, tranquilo e perguntar o que você tem feito para estar assim. Seja sincero e simplesmente responda: Nada!

Agora, se não houver no seu dia alguns minutos para isso, porque você tem muitas coisas para fazer, lamento informar que passarás pela vida apenas sobrevivendo, mesmo que rico materialmente ou não, e nisso não há nenhum mérito e nem precisa ser humano para essa façanha tão pequena.

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