Felicidade

A GRANDE ARTE

                   Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão;
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim pesa, pondera;
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta;
outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente;
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem;
outra parte linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
– o que é questão de vida ou morte –
será arte?

Ferreira Gullar

Imagine que você nunca viu um ser humano nem qualquer animal. Imagine que você observa durante dois dias um bebê recém-nascido e um hipopótamo recém-nascido. Ao final desses dois dias de observação alguém lhe pergunta: Qual dos dois é o mais evoluído? Se, durante esse tempo, você prestou um mínimo de atenção, não hesitará em afirmar, sem sombra de dúvida, de que o filhote de hipopótamo é o ser mais evoluído, isso porque nesse curto período ele já caminha, sabe procurar a mãe para se alimentar, mergulha e tantas outras coisas. Já a criança, pouco ou quase nada se movimenta e sem auxílio, inevitavelmente morreria. Isso acontece baseado em um princípio muito antigo que nos ensina que as potencialidades são inversas ao início, ou seja, o pequeno hipopótamo esgotou sua capacidade evolutiva limitada em curto período, por isso muito rápido. Já o ser humano, quase sem evolução no seu início, tem um potencial evolutivo inesgotável e pode, por seu esforço, atingir os mais altos estágios possíveis.

Porém toda a ironia e paradoxo é que primeiro precisamos nos limitar e isso acontece (e precisa ser assim) pela educação que recebemos, os famosos paradigmas (motivo de  artigo anterior), para somente depois, pela insatisfação com os limites, buscarmos o ilimitado, o cósmico. Nosso programa como humanos é baseado em imitação. Só caminhamos por que vemos outros caminharem, sem isso não buscaríamos nos levantar. Precisamos aprender tudo, mas se quisermos avançar, precisamos desaprender, desobedecendo velhas ordens que nos mantêm seguros e confortáveis, mas isso não é vida, é morte!

Nosso corpo precisa de rotina e de conhecido, já que isso o ajuda a manter-se vivo. Pena, que como a questão é só manter o corpo vivo nos acostumamos pela segurança a estarmos infelizes, acomodados. Repetimos velhas frases mentalmente que ouvimos do tipo: “viver é sofrer”, “Deus sabe, devo mesmo merecer” ou ainda “o sofrimento nos purifica” e tantas outras que, repetidas mil vezes se tornam nossa verdade.

A busca pelo avanço, como nos ensina Gurdjieff, inicia-se por um estado de insatisfação com o que somos e um desejo forte por sermos melhores e colocarmos um ponto final no sofrimento, medo e angústia.

Assim o ilimitado precisa transcender o limitado, ou seja, se nossa percepção não vencer o corpo (nesse sentido falo do medo que ele tem do novo), nos manteremos estagnados evolutivamente. Assim como um rio contém vida pelo movimento da água, a falta desse movimento a torna estragada e nada nela pode sobreviver. Nossa tendência, se nossa percepção estiver ligada ao transitório é buscarmos uma acomodação em tudo, o que nos faz perder toda a capacidade de realmente vermos o mundo a nossa volta e nossa vida propriamente dita.

Elevar nossa percepção é a chave que nos permite qualquer mudança. Em nosso último artigo, escrevi sobre a mente alerta que nada mais é do que essa atenção plena, em que se abrem todas as possibilidades.

Somos nosso passado!

Pensamos nossa vida baseada no que já vivemos, nos medos que nos impuseram e nos limites que aqueles que imitamos tinham para suas próprias vidas. Freud defendia uma ideia interessante de que algumas pessoas tinham um certo receio e chegavam inconscientemente a se sabotarem para não serem melhores que seus ídolos e referências.

Esqueça seu passado!

Ele só conta uma história de uma pessoa que não existe mais. Afinal, se hoje você faria as coisas de outro jeito, é justamente porque quem fez o que fez lá atrás já morreu. Damos, na minha opinião, uma ênfase demasiada ao passado e, como se já não bastasse o que temos, vamos buscar ainda mais em outras vidas… Concordo que, em certos casos, é bom um estudo sobre nossa história, mas sempre muito de vez em quando. Nossa vida é presente e de nossas ações agora, é que teremos o nosso amanhã. Não tem como andar para frente olhando para trás o tempo todo.

Só estando “atento” é que somos capazes de escolher o caminho que vamos seguir. Nesse momento até notamos nossos condicionamentos, mas podemos controla-los justamente por estarmos consciente deles.

Assim como a água é composta de hidrogênio e oxigênio, somos compostos daquilo que podemos chamar de essência e daquilo que aprendemos desde o nosso nascimento. Se nos fixarmos apenas na nossa essência teremos dificuldades de viver plenamente, afinal a vida é no mundo e precisamos saber como nos mover dentro dele. Se não aprendemos nada, se não recebemos nada do exterior como, por exemplo, vamos lidar com as tecnologias e os avanços? Quem já não viu pessoas que chamamos de ingênuas, inocentes que são facilmente enganadas. Falta a elas o aprendizado exterior. São o que chamamos de “puras” ou não contaminadas pela “vida” e suas eventuais maldades. Essas pessoas não vivem plenamente.

De outro lado, se nos fixarmos apenas no que aprendemos, completamente desconectados do que somos realmente teremos um inevitável sofrimento. Mesmo que não percebamos, quanto maior a distância entre como vivo e o que realmente sou, maior tensão e uma insatisfação que nada consegue suprir. Temos aqui, as pessoas que ficam buscando fora de si, o tempo todo, a solução dos seus problemas internos, advindo totalmente do fato de não terem nenhum conhecimento de si e estarem totalmente afastadas de sua verdade pessoal. Com o tempo, sintomas, doenças autoimunes (provocadas pelo próprio corpo) são quase inevitáveis. Quanto maior essa desconexão, mais grave!

Toda a “arte” é encontrar esse equilíbrio, e isso está longe de ser fácil. Se fosse, as pessoas estariam equilibradas e felizes e todas essas farmácias que se proliferam cada vez mais (tem uma a cada cem metros, já reparou?) seriam lojas, lanchonetes ou outra atividade qualquer não ligada à doença.

Como toda a teoria precisa de alguma prática, convido o leitor a tomar consciência do que realmente gosta, que atividades lhe fazem realmente bem, dão prazer. Observe que, em seus momentos de dificuldade são as primeiras coisas que são sacrificadas. Tudo que nos faz bem, tendemos a considerar supérfluo ou facilmente descartável. Assim temos muito mais tempo para nos dedicar ao que não nos dá nenhuma satisfação ou prazer. Se você tem essa tendência (é quase geral) significa que existe um claro distanciamento da sua essência, afinal, se minha conexão é boa, dificilmente me “abandonaria” dessa forma, privilegiando o sofrimento. São justamente as atividades prazerosas que nos dão sustentação para os enfrentamentos do dia a dia e das inevitáveis dificuldades que a vida sempre nos oferece.

A poesia de Ferreira Gullar que ilustra nosso texto, que pode ser lida agora mais profundamente, é um convite para juntarmos essas duas partes, e realmente essa é a grande Arte!

**Não esqueça que voltaremos com novos artigos quinzenalmente.

A utilidade da Morte

“Lembra-te do teu Criador nos dias da mocidade, antes que venham os dias da desgraça e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho mais prazer. Antes que o pó volte à terra de onde veio e o sopro a Deus que o concedeu.”

Eclesiastes, 2ª parte, capítulo 12, 1-7 , Bíblia de Jerusalém.

Falar sobre a morte é sempre difícil e dizer que ela pode ser útil, talvez seja uma ousadia. Não é o tipo de assunto que se esgote em um artigo, mas de qualquer forma, quero abordá-lo sob um ângulo em especial.

A morte, ou uma das perguntas sem resposta, “para onde vamos” é um dos enigmas insondáveis do homem e essa questão nunca será esclarecida e o modo que lidamos com ela é, sem dúvida, muito estranho. Sabemos (em tese, já que não agimos assim), que a morte pode chegar a qualquer momento, sem nenhum respeito a qualquer ordem específica; crianças, adultos, velhos, ninguém tem nenhum controle sobre ela. Alguns pensadores, dizem até que passamos nossa vida inteira fugindo dela ou nos preparando para tentar vencê-la. Para isso, servem os “planos” para a velhice, poupança para os momentos de necessidade e, é claro, os planos de saúde, que na verdade são de doença, para termos os hospitais e médicos aptos e não deixarem que ela chegue.

Apesar de todos dizerem que a morte é certa, nossas atitudes demonstram que a ignoramos completamente, uns por medo, outros por negá-la. Digo isso, porque temos em nossa vida uma série de adiamentos de toda a ordem como se tivéssemos a certeza de que não morreremos. Não há nada de errado em fazermos planos, mas alguns deles, contam com tantos anos de espera, que chega até ser uma desculpa para não fazermos esse ato. Desde uma simples viagem, até algum reencontro ou mesmo alguma experiência pessoal, tudo pode esperar o famoso “momento certo”.

Como a questão do que é morrer está nos domínios da fé, ou seja, acreditamos em alguma teoria, mas não temos nenhuma comprovação, penso ser importante que toda pessoa tenha a sua teoria, que pode ser de alguma religião, filosofia, ou mesmo a sua própria, inédita ou uma mistura de várias outras. Tanto faz, o que realmente importa é termos uma ação na vida baseada no que entendemos da morte. Só assim ela pode nos ser útil.

Pouco importa se você vai para algum julgamento e depois sentar-se à direita (ou será esquerda) do seu deus, se irá para algum umbral ou mesmo passar quarenta e nove dias avaliando suas boas e más ações para depois nascer de novo, o que precisamos é entender que, de alguma forma, essa vida terminará. Assim devemos fazer dela algo útil, divertido e, mesmo os momentos de tristeza devem ser relevados, afinal tudo vai mesmo passar de alguma forma.

Certa vez uma mestre Zen disse que, para acabar com o sofrimento é preciso entrar em contato com o mundo do não-nascimento e da não-morte. Indagado pelo seu discípulo onde seria esse mundo do não-nascimento e da não-morte, ele respondeu: Ele está bem aqui no mundo do nascimento e da morte. Isso quer dizer que é possível ingressar no mundo do não-nascimento e da não-morte através da prática de viver conscientemente a cada momento da vida. Para isso é fundamental levarmos em consideração o fato de que poderemos morrer a qualquer momento!

Para monge e escritor Thich Nhat Hanh, o bom teólogo é aquele que não diz nada sobre Deus, embora a palavra teologia signifique “discurso sobre Deus”. Como escrevemos no artigo anterior, não se deve falar muito o sobre o que não se sabe e acredito que deve se tratar da morte da mesma forma. É simplesmente um evento, que faz parte da vida, sobre o qual nada se sabe.  Muito do desespero que se tem nas perdas, advém não só da ideia de que não se verá mais essa pessoa, mas por também não sabermos o que é isso, que pode a qualquer momento retirar do nosso convívio, seja do jeito que for, pessoas queridas. A falta desse entendimento é a base do medo e do desespero diante da morte.

É sempre bom pensarmos até que ponto estamos, direta ou indiretamente, pautando nossa vida pela morte. Chega-se até a querer relacionamentos para, caso nos “aconteça alguma coisa”, tenhamos alguém para nos socorrer!

Não seria lícito pensarmos o seguinte: a melhor forma de enfrentarmos e até de vencermos a morte é vivermos uma boa vida! Independente de recursos financeiros questione-se sobre isso: Os frutos do seu trabalho estão esperando pela morte, ou estão à disposição da vida? Lembre que o futuro pode até ser planejado, mas ele na realidade não existe, já que são tantos fatores aleatórios e que operam além de nós que devemos saber que tudo pode ser de outro jeito e, quase sempre é assim.

Uma das melhores definições da morte e que faz parte da minha teoria é do filósofo grego Epícuro. Dizia ele: Não temo a morte, afinal quando estou ela não está e quando ela estiver, eu não estarei mais.

Nem eu nem você sabemos o que vai acontecer depois e isso na verdade não importa. Na hora certa saberemos se continuaremos vivos de alguma forma ou se tudo será uma profunda escuridão. Até que essa pergunta seja respondida pela sua própria experiência, lembre-se de cumprir essa etapa que faz parte da eternidade da melhor maneira que puder. Nada contra ser previdente, desde que, procure evitar seus adiamentos. A vida é agora, e a morte é depois.

Faça, portanto, do fato de você e todos que você conhece morrerem em algum momento, algo extremamente útil para que se viva melhor, muito melhor nesse exato instante!

Manifesto e Imanifesto

 

 

 “É verdadeiro, sem falsidade, certo e muito verdadeiro

           que àquilo que está em cima é igual àquilo que está embaixo

           e que àquilo que está embaixo é igual àquilo que está em cima,

 para realizar os milagres de uma única coisa.

  E da mesma forma que todas as coisas foram e vieram do Um,

 assim todas as coisas nasceram desta coisa única por simples ato de adaptação…”

Tábua de esmeraldas (trecho) de Hermes Trimesgistro

 

 

                                                                                                                                                             

Tudo que é manifesto no mundo provém de outro mundo: o imanifesto.

Dizem os cabalistas que a parte grosseira, entenda-se o corpo físico com seus cinco sentidos, foi a última coisa criada por D-us. Não se assuste, não escrevi errado, é assim que muitos escrevem seu nome, afinal se ele não é conhecido, não pode ser expresso.

Isso quer dizer, que fomos criados de “dentro para fora”, ou seja, daquilo que não se pode ver nem sentir (divindade), para o que pode ser visto e sentido (materialidade). Assim nos dividimos na dualidade que nos faz oscilar tanto. Isso justifica a frase atribuída a Cristo de que o “reino dos céus” está dentro de cada um. Justamente por isso que a Cabala nos mostra que não há nada a ser procurado externamente. É como se nosso corpo físico fosse um véu que oculta nossa natureza divina (essa é minha interpretação), justamente por ser limitado no espaço e no tempo. Atrás de nossa consciência ordinária está o ilimitado e a eternidade. É por isso que se diz impunemente, já que é um absurdo, que em algum dia começará a vida eterna. Já estamos nela, só que nossa percepção não consegue atingi-la. É o que Helena Blavastsky chamava dos “véus de Ísis”. Esse é o estado de consciência aspirado pelos místicos (misturar-se a Deus) e meditadores. Isso é realmente fascinante: encoberta pelo que nasce e morre, está a criação que sempre É.

Essa “tese” baseia-se no seguinte: tudo que existe no mundo material, antes habitou o imanifesto, ou seja, o mundo das ideias. Desde uma simples cadeira, até o mais sofisticado aparelho antes de ser fabricado foi imaginado por alguém. Assim, tudo que nos acontece, a vida que vivemos está sendo materializada pelo que antes imaginamos que fosse. Da mesma forma, imagine uma rosa, por exemplo, ela não nasce, simplesmente está imanifesta até surgir. Justamente por isso ela não morre, simplesmente o que ela era, se transforma em outras substâncias que se dissolvem na terra, se manifestando de outras formas em ciclos de vida intermináveis. Somos assim também, com nosso corpo que se dissolve e nossa consciência que se transforma.

Nosso corpo nasceu e um dia morrerá e isso faz parte, mas nosso imanifesto existe desde antes do universo, ou seja, é emanação divina. Todo nosso sofrimento está baseado na nossa percepção que está somente atrelada ao corpo que, por nascer, precisa morrer. Isso torna a vida realmente angustiante e, se pensarmos bem, até sem sentido. Já diante do eterno, as cores mudam, a evolução é constante até voltarmos, por mérito (nada é gratuito, tudo é causa e efeito) à nossa origem divina que hoje se encontra imanifesta em nós.

Toda a doença da civilização é baseada nessa pressa de atingir a felicidade, já que a morte é certa, não há tempo a perder. Quando somos levados a ter plena e total consciência de nossa verdadeira natureza, nos igualamos ao que os místicos chamam de “estado” crístico ou a consciência de Buda. Nesse estágio, o homem e a natureza são uma só coisa, inseparáveis (divinus), e assim fica fácil de entender porque as pessoas que experimentam esse estágio conseguem inferir na natureza como um todo, provocando os “milagres”, impossíveis para aqueles que habitam o limitado, o que perece, estado de percepção baseado exclusivamente no medo de morrer.

Nesse momento, você que me lê, pode querer perguntar o que fazer, qual a “técnica” ou dica para, definitivamente, nos encontrarmos com o que realmente somos?

Dependendo da linha filosófica, mística ou religiosa cada uma terá seu método, mas o que posso sugerir, de imediato, é a simples e dificílima prática da mente alerta. Isso mesmo, simplesmente mantenha-se atento, inteiro em tudo que faz. Comece por respirar conscientemente. Sempre que lembrar, observe sua respiração, isso já é um exercício poderoso! Essa prática nos leva a, pouco a pouco, a uma diminuição do nível de sofrimento, já que no instante presente estou livre do medo que sempre está ligado ao futuro, onde a morte nos espera. Perceba que a angústia e sofrimento nunca estão acontecendo no presente, mas nas culpas do passado e na incerteza (somos pessimistas por natureza) do porvir.

Uma das importantes atitudes a tomar, lembrando que somos nossos pensamentos, é buscar uma percepção clara do que entra pela nossa boca, olhos e ouvidos. Nossas ações muito se baseiam no que entram pelos nossos sentidos todos os dias, precisamos higienizar, comendo corretamente, e sendo muito criteriosos com o que vemos e ouvimos todos os dias, seja de pessoas e meios de comunicação. Observe como a humanidade pensa e age e veja se isso não está condizente com o que pregam as mais diversas mídias, por exemplo.

Aliás essa natureza negativa do nosso pensamento, faz parte da formação do nosso corpo físico, afinal quanto mais medo tiver, por exemplo, mas tenho tendência de manter a vida.

Assim, precisamos trabalhar constantemente nosso pensamento (imanifesto) para que possa ter um melhor resultado no plano concreto da existência. Mas esse trabalho só terá resultado se buscarmos uma parte de nossa consciência que está escondida dentro de nós, onde só uma prática direcionada como a meditação, além do estudo correto, pode nos levar.

Aprofunde cada vez mais sua auto-observação, avalie seus pensamentos e sentimentos constantemente. O budismo nos oferece o método da análise profunda das emoções como uma maneira de nos compreendermos melhor e aos outros também. Mas tudo isso necessita de determinação de querer mudar, e sair dessa maneira de pensar que só aumenta a ansiedade. Será sempre questão de tempo para que esse pensamento constantemente negativo se materialize em nossa vida.

Conforme os artigos que recomendo a (re)leitura no final, ande conscientemente, coma com atenção, esteja atento e pare de ficar “viajando” na agonia, que o sofrimento diminui e muito.

Quanto mais tempo no presente, menos sofrimento, mais saúde e alegria. Acredite ou não, é simples assim!

Se os cabalistas estiverem certos, busque entender como as coisas funcionam e positive seu imanifesto, projetando seu dia e futuro com confiança. Só não esqueça, é claro, de agir e tomar as atitudes necessárias para que se realize o que seu pensamento está criando.

Estou escrevendo esse artigo em meio à natureza e, diante de mim, estão montanhas de milhares e milhares de anos, cobertas de vida que mudam constantemente, com uma serenidade que só mesmo Deus possa experimentar. Isso também sou eu e é você também, afinal, somos em essência unos com o Todo.

Nossa tarefa então é “lembrar” do que realmente somos e de onde viemos, essa é a resposta que falta. Viva hoje sua eternidade, ficando conectado a cada momento e desfrute de uma vida sem agonia. Respeite e cuide do seu corpo para que ele viva bem, já você, que nunca nasceu e nunca morrerá, pense como seria sua vida se sua consciência habitasse o eterno?

*Caso não tenha lido, recomento a leitura dos artigos: “A prisão que nunca existiu”, “Zen Budismo” e a “A prática do Relaxamento” como aprofundamento do presente texto.

Existe “destino”?

“Vem por aqui”- dizem-me alguns com olhos doces

Estendendo-me os braços seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: “vem por aqui”!

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há nos meus olhos ironia e cansaço)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali…

…Não, não vou por aí

Só vou por onde me levam meus próprios passos…

Se, ao que busco saber, nenhum de vós responde,

Por que repetis: “Vem por aqui”?

Prefiro escorregar por becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí…

Se vim ao mundo,

Foi só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada.

O que mais faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem,

Para eu derrubar meus obstáculos?

Corre, nas vossas veias, sangue velhos dos avós

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o longe e a miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tende canteiros,

Tendes pátrias, tendes tetos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos e sábios.

Eu tenho a minha loucura!

Levanto-a como um facho a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cântico nos lábios…

Deus e o diabo é que me guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre deus e o diabo.

Ah, que ninguém me de piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: “Vem por aqui!”

A minha vida é um vendaval que se soltou

É uma onda que se levantou

É um átomo a mais que se animou…

Não sei para onde vou

Não sei para aonde vou

Só sei que não vou por aí!

 

José Regis –poeta português

A questão do “destino” sempre foi tema de reflexão, seja para os filósofos, místicos e pensadores de todas as vertentes. Seria nosso “destino” algo traçado ou escrevemos de próprio punho nossos passos pela vida?

A corrente conhecida como “fatalista” afirma que tudo que nos acontece foi programado com o objetivo de nos fazer evoluir e que nossa trajetória, do dia do nascimento até a morte está previamente definida. Esse tipo de pensamento tira de nós o que conhecemos por livre arbítrio, a não ser que, para aceitarmos essa corrente, concordemos que também nossas escolhas de como agir diante do que nos ocorre também está previamente estabelecida. Dessa forma, o processo evolutivo, em termos de avançarmos e termos uma consciência mais clara depende do ritmo que esse destino determinou. Não há nada que possa fazer para alavancar o processo, é assim e pronto!

Se você concorda com isso, não há nada a ser feito e tudo que lhe acontece de bom ou ruim tem por fim leva-lo à evolução, aceite de bom grado, não reclame e, ainda por cima, fique grato, já que a “existência”, Deus, ou seja, lá quem for, está cuidando de tudo que você precisa passar para atingir o aprendizado necessário para sentar-se ao lado do Criador na eternidade.

De outra parte, temos a corrente que defende a tese de que nossa evolução é responsabilidade exclusivamente  pessoal e intransferível. Dessa forma, se ficarmos na “esperança” de que tudo anda por si, não sairemos do jardim da infância evolutivo, repetindo infinitamente os mesmos erros e sofrimentos, seja em uma só vida, como prega o Cristianismo, ou em várias, pela corrente reencarnacionista. Por esse enfoque, precisamos estar atentos a nós mesmos e com uma insatisfação constante, não que nos impeça de sentirmo-nos bem em qualquer estágio da vida, mas que essa inquietude nos leve a sempre estarmos buscando patamares mais elevados. Assim, entra o conhecimento que se adquire em livros, cursos, etc. Isso tudo, evidentemente, somados a mudanças constantes em nosso dia a dia, colocando em prática esses ensinamentos.

Se você prefere essa segunda opção, aceitar a impermanência em todos os aspectos é fundamental, já que suas mudanças também estarão trazendo alterações constantes e todas as suas relações e a instabilidade será constante. Evolução é sinônimo de mudança e, incrivelmente, estamos eternamente buscando que nossas principais ações na vida (trabalho, afetivo e social), estejam em segurança (certeza), o que quer dizer que elas não evoluem, justamente por não mudarem. Como já escrevemos em vários artigos anteriores essa tendência à busca por estabilidade é inerente ao nosso sistema de sobrevivência e não em relação ao desenvolvimento, já que essa palavra, também por si só, esta ligada a transformação constante.

Essa corrente que nos traz a responsabilidade, é muito melhor, já que por nos tornar autores, nos afasta do fatalismo e da resignação sem enfrentamento. Não penso a vida como um teatro em que todos façam papel de coadjuvante!

Ação, reação. Ação consciente, resultado esperado!

Tudo volta então a desembocar na consciência, de estar e buscar um estado permanente de atenção que me permita encaminhar minhas ações de forma lúcida e isso inclui sair dos condicionamentos que recebi, para ter resultados diferentes, escolhidos pelas ações que tomei conscientemente.

Aliás, sabemos que todos fomos e somos condicionados constantemente e só saindo disso, através da plena atenção é que conseguiremos assumir a direção do filme que contará nossa história. Também é importante lembrar que se tiver “continuação” seguiremos de onde paramos, por isso, de qualquer forma, ser responsável é fundamental.

Sempre é bom falarmos em condicionamentos. Às vezes penso que as crianças deveriam perguntar para as pessoas que as educam se elas são e foram felizes. Se a resposta for um “não”, “mais ou menos”, “a vida nunca é fácil”, etc, caberá sempre perguntar se não deu certo para ela, é porque essa fórmula já demonstrou não ser muito boa…

Leia com muita atenção esse poema que ilustra nosso artigo!

Saia dos caminhos conhecidos e que não levaram nem quem os indicam à plenitude! Arrisque-se! Ter medo é normal, mas se ficar onde está certamente esse filme pode não ter um final feliz, e será só responsabilidade sua!

A Tortura dos Desejos

Essa é uma estória muito antiga que vem a séculos ajudando a entender como vivemos. Guarde-a com carinho:

“Um dia um anjo apareceu diante de um homem bom e correto e disse:

– Homem bom, venho em nome de Deus, avisar-lhe que, dentro de uma semana, ele mudará a água e todos vão enlouquecer.

Depois de o anjo desaparecer, esse homem bom começou a estocar toda a água que pode para não ser afetado pela loucura que iria se instalar. Realmente, depois de uma semana, todos ficaram loucos.

 Passados mais alguns dias, começou a correr na cidade o boato de que um homem havia enlouquecido…

Nosso homem bom começou a se sentir cada dia mais triste, afinal todos o olhavam com estranheza, os amigos se afastaram e ele não era mais convidado para nada. Foi ficando cada vez mais difícil viver assim.

Um dia, na hora de sua prece, o homem bom agradeceu a Deus por ter enviado o anjo e disse que não aguentava mais viver triste, isolado de todos, e sendo, muitas vezes, motivos de risos e fofocas. Disse que esse sofrimento o havia feito decidir que, a partir do dia seguinte, iria tomar a água que todos bebiam.

Dias depois, um novo boato começou a correr de boca em boca: de que o louco havia se curado…”

Conto da sabedoria Sufi.

                                                                                                                                                                                       

Diz-se no oriente, que um dos primeiros passos em busca de extinguir o sofrimento é “desejar não desejar”. Esse conceito é proveniente da doutrina budista e quero refletir um pouco mais sobre ele.

O ser humano é movido a desejos constantemente e isso é natural. Se não estivermos desejando algo e se não tivermos medo de não conseguir esse desejo, perdemos a motivação de viver, e, provavelmente, não teremos vontade de levantar pela manhã. A questão que coloco é que, dependendo do tipo e direcionamento dos nossos desejos, entraremos em um processo de infelicidade e frustração constante.

Existe, então, um tipo de desejo certo ou que não me coloque em angústia? Penso que somente aquele que tem a ver com uma busca evolutiva e não esteja ligado a aspectos materiais. Aprendemos, pela cultura em que estamos inseridos, que a “felicidade” será atingida quando cumprimos a aquisição de bens que, demonstrarão (para ou outros, sempre é assim), que somos competentes e de sucesso. É só observar em volta de suas relações e ver como algumas pessoas, por exemplo, se colocam em dívidas que as fazem sofrer, já que as impedem de curtir melhor a vida, para mostrar que possuem símbolos de sucesso. Isso na verdade, como é da nossa natureza, a busca da felicidade, de ser reconhecido e admirado (a).

O grande problema dessa maneira de se viver é que essa “felicidade” nunca chegará, justamente porque, como não conseguimos esse bem estar nesses objetos depois de adquiri-los, transferimos para a próxima compra essa expectativa, e assim até o fim da vida.

Seremos felizes quando tivermos o corpo perfeito, o carro do ano, a casa elegante, a piscina, a promoção, a viagem, a “pessoa certa” ao nosso lado (esse é tema para outro artigo), a roupa da grife chique, etc. Pare um pouco para pensar e use sua própria vida como exemplo e veja como esse tipo de maneira de viver nos contamina. Estamos sempre sendo estimulados pela mídia, e ela está em todos os lugares, nos bombardeando com a informação de que aquele artigo nos tornará pessoas melhores.

Não é nada fácil nos livrarmos disso, afinal todos a nossa volta são assim, e, portanto, nos cobram isso com perguntas, olhares e julgamentos. Isso se chama cultura e serve a interesses bem específicos. Assim o rebanho passa pela vida correndo atrás do que não existe, em agonia constante, privilegiando com seu trabalho e a riqueza que dele se origina, aqueles que controlam o paradigma. O que quero dizer é que o pensamento que controla a sociedade não tem nenhuma preocupação com o ser humano e seu desenvolvimento, apenas com produção de riqueza. Essa competição é alimentada desde cedo na escola, que sempre está a serviço da ideologia, afinal é dela que vem o salário ( no ensino público) e a mensalidade do cliente (aluno) na escola privada. Desde criança somos educados a desejar esses símbolos de prosperidade, sem nenhuma preocupação com formar um cidadão com senso crítico e com capacidade de usar sua liberdade e de descobrir seus talentos naturais. De lá vem o que é “certo” e “errado”. Como se as pessoas que são o modelo desse modo de viver fossem exemplos de felicidade…

O desejo que nos faz bem é aquele de atingirmos uma libertação, aprendendo a viver nesse mundo sem ser contaminado pelo pensamento doente. Quantos que buscam essa evolução ou não conseguem atingir a posse desses bens, encontram refúgio na alienação das drogas, e compulsões de toda a ordem. Muitos pensam nisso em um ou outro momento, como se fosse um sonho, mas no momento seguinte estão lá com suas atitudes fomentando a angústia e o sofrimento sem fim.

Não há nada que esteja fora de você que possa lhe trazer essa paz interior (isso é felicidade). Da sabedoria antiga aos mestres da atualidade, todos são unânimes em afirmar que precisamos encontrar dentro de nós esse ponto de quietude. Consta que Jesus tenha dito que “o reino dos céus está dentro de vós”.

Sei que isso está longe de ser fácil, ser diferente dos outros tem sempre um preço caro. Ainda mais se seu objetivo for atingido, e sua simples presença mostrar aos demais o sofrimento a que eles estão submetidos. A força do pensamento dominante estará se esforçando para trazê-lo de volta ao aconchego do grupo.

Não há nada de errado em se possuir o quer que seja, o erro é transferir para isso seu bem estar. Possua tudo, lembrando que nada possui. Não torne qualquer objeto, pessoa, ideologia ou religião o chão sobre o qual caminha. Quando é assim, estamos sempre com medo de que isso acabe de uma hora para outra, afinal como não depende de mim  o medo está sempre ao meu lado.

Toda e qualquer viagem é feita com mais conforto quando a bagagem não é grande.

Mas não é fácil, e nem o homem bom de nossa história resistiu…

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