Crônica

A Vida

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A foto do menino correu o mundo. Virou símbolo da tristeza nacional e da dor que Chapecó transmitiu para todo planeta conectado. De Cristiano Ronaldo a Guns’n’Roses mensagens de apoio, com a oração do Papa e estádios e prédios pelo mundo em verde. Dessa vez, não simbolizava esperança.

Morreram jogadores do país do futebol, jornalistas, dirigentes e torcedores que estavam realizando o sonho de viajar com o time para sua disputa mais importante. Era hora de se tornar “grande” e a expectativa era imensa. Todos sentiram a tragédia, mesmo quem tentasse não pensar nela, escondendo-se nos afazeres diários. Há quem diga que existe uma “mente coletiva”, soma dos nossos pensamentos e foi isso que não nos deixou parar de doer. Nos colocamos no lugar dos torcedores que perderam seu time e os ídolos que poderiam se eternizar na conquista. Quem é pai ou mãe, nem se fala. Nos colocamos no lugar dos filhos, e não é difícil lembrar que um dos primeiros medos que temos consciência é de que a morte leve nossos pais, símbolo na nossa estabilidade e segurança, de quem chega em um mundo tão estranho.

Perdemos jogadores e jornalistas que não nos conheciam, mas que nós conhecíamos. Faziam parte da nossa vida com suas jogadas, entrevistas e comentários. Gente que entra na nossa vida pela televisão, celular e tablet, que passa a conviver conosco e que também explicam quem somos, seja por torcer, seja concordar ou não com suas opiniões.  Os mais velhos, derramaram lágrimas mais uma vez e descobriram que a dor é sempre nova. Dá um desânimo quando percebemos que nem a experiência do sofrimento torna a dor menos intensa. Choramos por que continuamos esperando que a vida tenha algum nexo. Quanto mais pensamos, nos damos conta  que as explicações não fecham e que se todos virássemos “estrelas” precisaríamos de mais um ou dois céus.

Não basta se colocar no lugar do outro, como nos mandam os princípios iniciais da ética dos limites e do respeito, mas há quem diga que o que conta é sentirmos o que o outro sente.

Esse menino sentado na arquibancada vazia, está velando sua esperança.

Ainda faz parte de sua vida as histórias onde os super-heróis sempre vencem o mal no último minuto, o “mocinho” conquista a donzela e encontram a felicidade eterna ou quando a justiça pune o malvado para mostrar que nesse mundo o bem sempre vence e o mal não prospera.

Imagino que ele esteja procurando colocar o que aconteceu com seus heróis de chuteiras nesse mundo que lhe venderam desde que nasceu, onde todos têm um anjo da guarda, penúltimo recurso diante das adversidades que têm por função nos salvar. Quando ele ainda não dá conta, sempre tem Deus, Pai Maior, que cuida e vigia a todos nós em nossos pensamentos e ações que, com certeza, luta o tempo todo contra as maldades e injustiças que podem nos vitimar.

O que nos choca é tentarmos colocar isso dentro dessa “lógica” de dois mil anos e fica faltando o mais importante; o por que?

As “linhas tortas”, parece, não chegam a lugar algum mas podem ser, quem sabe, uma consolação que não se entende nem tem muita lógica. Mas o que tem?

Esse é então, nos asseguram os contadores de histórias, o mundo do bem. Aqui ser correto abre todos os caminhos e agradecer todo dia por tanta proteção é a última das obrigações antes de dormir, assim como abençoar a comida que compramos, mas que nem é mérito nosso, parece.

O que falta nos países miseráveis onde milhares morrem de fome diariamente é o agradecimento, a oração ou anjos. Só pode!

Mais tarde nos damos conta que Papai Noel não existe (é apenas uma licença poética) e o professor de biologia nos dará a triste notícia que os coelhos não botam ovos. Vamos crescendo e percebendo que o mundo de verdade é que cria o mundo perfeito dos cinemas e das histórias, para fazer um contraponto. Quando os adultos choram nos filmes românticos, só pode ser por descobrirem que o amor de gente de verdade é bem mais difícil e pode acabar sem um final feliz.

Precisamos de um mundo idealizado para suportar a crueza da realidade.

Amadurecer é tomar consciência de uma fragilidade inescapável. Podemos morrer, pessoas que gostamos também e se vê na televisão que uma chuva ou vento destrói casas como a nossa. Nada há que possamos fazer para evitar e a insegurança cria as diversões e paixões da vida, momentos em que esquecemos que tudo pode mudar em um minuto.

Esquecer é, muitas vezes, a condição da alegria. E a felicidade só dura pouco, como diz a sabedoria popular, porque nos lembramos.

Mas isso tudo vai acontecendo, uma descoberta de cada vez e vamos nos acostumando, perdendo as ilusões e a graça em conta gotas.

Esse menino, perdeu tudo de uma só vez.

Dois de novembro

O túmulo era em mármore negro. A antiga foto preto e branco mostrava um rosto jovem e sorridente em uma moldura dourada. Abaixo, as datas que marcam a passagem, sempre efêmera para quem fica com a dor da morte; os vivos.

Ela carregava um pequeno vaso com flores de plástico, que, hoje sabemos, também morrem, como tudo. Nas lágrimas mais escassas a cada ano, lembranças de pessoas que já não existem mais, independente de terem ou não morrido. Os filhos não vieram, de novo. Compromissos com a vida, sempre mais urgentes. Parece que eles pensam que os mortos sempre podem esperar. A cada ano, uma oportunidade de resgatar as ausências anteriores que nunca se cumprem.

Transformou seu pensamento em som, murmurando baixo, querendo enganar a si mesma e ao falecido:

– No ano que vem eles virão.

Lembrava da sua infância enquanto passava um pano umedecido na lápide. Naquela época, não se ouvia música nesse dia. Era proibido falar alto, e todos tinham a obrigação de se mostrarem tristes, inclusive as crianças, quem nem sabiam ao certo o que era morrer. Não via a hora desse dia terminar. Na manhã seguinte podia voltar a sorrir e a brincar. Demorou a entender o dia de finados.

Tudo foi ganhando significado com o tempo; os avós, depois os pais. Perdas que vão nos empurrando para um canto, onde estamos sós no mundo. Os filhos salvam a angústia, pois poderemos viver na vida deles e dos que virão. Eternidade garantida pela ciência que pouco consola.

Quando se despediu, lembrou com um arrepio que a idade já não poderia garantir a visita do próximo ano. Quem sabe? Ao lado, um túmulo vazio que ela se recusava a olhar. Encontro marcado, cada vez mais próximo. Engoliu em seco.

Enquanto caminhava em direção ao portão, observou que cada ano tem menos gente nesse dia no cemitério. Muitos vão antes, principalmente se o feriado fica perto de um final de semana. O dia de finados não é dia dois, mas começa ou termina sempre mais tarde ou cedo, dependendo dos compromissos. Concessões em favor do trabalho ou de uma folga para descansar. Primeiro a vida e por que não?

No noticiário, os comerciantes de flores dizem que o movimento caiu muito. Um post no Facebook divide a dor da saudade com mais gente, um smile chora por nós e dá menos trabalho. Facilidades inegáveis da vida moderna.

Na rua, pessoas caminhando, outras correndo e bicicletas com gente colorida. Namorados de mãos dadas, vivendo momentos em que a morte nunca existiu e existirá. Cinemas lotados, lojas abertas no shopping e futebol à noite na televisão.

Olhou para si, em um susto. Percebeu que nesse ano não veio com sua saia e blusa preta. Pensou em se sentir culpada com sua calça jeans, tênis e camiseta amarela. Está calor, pensou, enquanto lembrava a si que nunca deixou de visitá-lo nesse dia e que a roupa pouco importava. Percebeu uma certa raiva, quando um pensamento maldoso lhe perguntou se ele viria todo ano se fosse ela que tivesse morrido.

– Perigava trazer a outra junto. Nunca ele iria respeitar a viuvez como eu. Também não sei se tivesse me casado de novo se viria todo ano. Guardaria as fotos em uma caixa, a vida precisa continuar.

Pensamento que consola e se vinga de situações impossíveis, por nunca terem se tornado reais. Como vivenciamos e imaginamos saídas e soluções mágicas, que não combinam com a realidade!  Sonhos de olhos abertos que colocam algum brilho na vida real, tão áspera e injusta.

Sua vida continuou, mas sem um novo amor ou companhia, que no fim da vida se tornam sinônimos.  Ainda ostentava o título de viúva, solteira por imposição do destino e falta de novas chances.

Chegou em casa e caiu no sofá. Nas paredes em cima do balcão, muitas fotos para fazer de conta que a família existe. A verdade é a solidão. Talvez um filho “dê uma passada” no final de semana, quem sabe? Visitas cada vez mais rápidas, às vezes trocadas por duas ou três palavras no Whats que ela finge entender e mostrar que não precisa de nada, sempre que vem essa pergunta protocolar.

Um dia, ela também será só um retrato e, quem sabe, uma lembrança a cada dia dois de novembro.

A última desilusão

 

Ficou paralisada diante da tela do computador.

Nunca dá para dizer que algo é inacreditável, já que se acontece, torna-se necessário acreditar. Lutar contra a realidade não dá, é um romantismo placebo. A notícia teve o efeito de uma grande desilusão, mais uma.

Mais de cinquenta anos juntos! Como pode?

De uns tempos para cá, as uniões estão sofrendo um golpe atrás de outro. Isso não faz bem para as pessoas, nós precisamos acreditar que os compromissos podem durar para sempre. O amor precisa ser invencível! Precisa!

 Tem palavras que deveríamos tirar do dicionário; para começar, todo e qualquer juramento e “para sempre”. Jurar, no fim das contas, é prometer que nunca mudaremos, e o que é pior, independente das circunstâncias. Isso não é possível!

Talvez o problema seja mesmo falta de experiência. Quem pediu para jurar, algum dia jurou para alguém de carne e osso?

Tem juramentos que não tem graça. Sem conviver é fácil!

Isso de estarmos sempre mudando tem dois lados; não existe nenhuma condenação, por outro, sei lá quem vou ser e o que esse que serei pensara e irá querer da vida?

 Isso tira a tranquilidade, dá uma ansiedade de um futuro incerto. Por outro lado, que graça teria um futuro certo? Se nunca mudássemos, gostaríamos sempre da mesma coisa…chato por um lado, já que nunca conheceria coisas novas, seguro por outro.

Que confusão!

Melhor não pensar. Mas a cabeça não para de falar.

A vida não está mais nos dando os exemplos de que é possível, que dá para, mesmo mudando, gostar de estar sempre junto.

O Willian e a Fátima?

Tantos filhos, sucesso, dinheiro, fama. Mas o tempo, ou a previsão do tempo mudam tudo! Jamais se poderia imaginar!

Mesmo um homem sério pode se abalar e as esperanças das pessoas comuns sofreram um duro golpe.

Como ele pode deixar de gostar dela? Tão simpática, sempre sorrindo!

Será que ela pode tê-lo cansado? De tanto sorrir?

Mal tínhamos nos acostumado com esse duro golpe, quando de repente, a pá de cal: O Brad e a Angelina, e agora?

Ela que sempre é muito decidida, mais uma vez tirou da sua vida tudo que poderia, mesmo que somente um dia, vir a incomodá-la. Dos seios ao Brad, a mesma regra. Não teve dó.

Ele pediu para voltar e ela irredutível. Diz que não quer mais e até apareceu na internet que bloqueou o telefone para não receber chamadas dele.

Como uma mulher pode não gostar de receber ligações do Brad? É o sonho de todas, menos dela.

O que ela sabe que não sabemos?

Pode alguém tão perfeito ter defeitos? Seria a perfeição uma expectativa que nos mantém motivados?

 A realidade não ajuda. Por isso não vou a palestras motivacionais, pensou ela, fico toda empolgada e dois ou três dias depois, o mundo não percebeu meu entusiasmo e volta a ser como sempre foi. Dá até ressaca, que nem bebedeira.

Decepção, mais uma!

Mas mesmo o Willian e Fátima, o Brad e a Angelina não ficaram cinquenta anos juntos. Chega um tempo que, mesmo que esteja ruim, as pessoas ficam pela companhia. No fim sempre foi uma grande amizade, temperada com carinho e uma briga, vez por outra. Mas depois de mais de meio século, os laços deveriam ser tão fortes que não dá para imaginar um sem o outro. Dias atrás saiu a notícia que um casal que estavam juntos a mais de sessenta anos morreram com horas de diferença; um de doença e o outro, por não querer ficar nesse mundo sozinho.

Que lindo, o amor vencendo a morte!

Mas como eles foram se separar nessa hora? Será que não perceberam que o casamento está sofrendo duros golpes? O que custava pensar no quanto isso é importante para as pessoas continuarem a acreditar que pode dar certo, para sempre? Depois de cinquenta anos, recomeçar?

Agora não acredito em mais nada!

Levantou e foi fazer o almoço, secando as lágrimas com o avental.

Na tela do computador continuava estampada a notícia: Bob’s e Ovomaltine se separaram. Mal terminaram o e Ovomaltine anunciou que vai ser só do MacDonald’s.

Os relacionamentos não são mais os mesmos!

Que pena!

 

 

 

Apenas uma saída

– De jeito nenhum Carlos Alberto!

Engoliu em seco. Ter nome composto só serve para saber quando a mãe, desde pequeno, e depois a esposa, estão bravas com ele. Pensou em algo que pudesse dizer para reverter a situação.

– Amor, você não me entende.

– Entender? Nem sua mãe entenderia, se bem que ela…

– Não fala da minha mãe! O assunto é somente entre nós. Estou me sentindo sufocado!

– Sufocado? Nenhuma mulher admitiria isso! Nem seja louco de sair por aquela porta!

O Carlos Alberto sentiu que suas chances estavam diminuindo, mas o tempo estava correndo contra ele.

– Amor…amor, não estou fazendo nada de errado. Todo homem tem seus direitos, mesmo casado.

– Direitos? Carlos Alberto, vivemos em uma cidade pequena. São onze e meia da noite de uma sexta-feira, o que as pessoas vão pensar de mim se te verem sozinho a essa hora na rua? Ainda mais onde você está pensando em ir.

– Então vem comigo amor, vamos juntos.

– Só me faltava mesmo isso Carlos Alberto! Não admito, não concordo e acho ridículo.

– Você prometeu quando casamos…

– Sai dessa Carlos Alberto! Tenho até vergonha.

– Mas vergonha do que?

– Disso, disso!

A situação tinha chegado no limite. Quando o silêncio chega, os argumentos acabaram e alguém vai ter que ceder. Ela estava irredutível. O Carlos Alberto sabia que não tinha muito mais tempo, alguém poderia chegar primeiro e de nada teria valido toda essa discussão. E o pior é que ela já estava quase chorando.

Resolveu jogar sua última cartada:

– Não me importei quando você foi no encontro da sua turma da faculdade, mesmo sabendo que seu “ex” também estaria lá.

Ela estava de costas. Quando virou o rosto, o estômago do Carlos Alberto gelou.

– O que você está querendo dizer com isso Carlos Alberto Souza?

Agora ferrou, pensou o Carlos Alberto. A inclusão do sobrenome não deixava dúvidas: sua última cartada não tinha dado resultado e ainda tinha piorado o que já estava ruim.

A voz do Carlos Alberto saiu fraquinha, quase balbuciando:

– Eu só quis mostrar que sou compreensivo, amor.

– Seu covarde! Como pode dizer uma coisa dessas! Eu já estou formada a mais de cinco anos e estou casada com você!

– Então amor, é isso que quero dizer. Eu confio em você cegamente. Qual problema de eu ir ali para…

– Chega!! Mais uma palavra Carlos Alberto e não sei o que eu posso fazer! Não vou deixar você ir naquele lugar, que essa hora deve estar cheio de gente. Que vergonha!

– Mas é um minuto…

Dessa vez ela gritou:

– NÃO!

A batalha terminou.

Abatido,  Carlos Alberto foi para o quarto. Estava sentindo-se incompreendido.

Olhou pela última vez o celular antes de desliga-lo. Agora, ainda teria que dar um jeito para não estragar todo final de semana.

Enquanto tirava a roupa para colocar o pijama, lamentou pela última vez e falou baixinho:

– Estava aqui pertinho. Tudo bem que era um bar…. Não custava nada, bem que ela podia ter compreendido. A essa hora, alguém já pegou aquele Pokemon.

O Olhar

Hoje decidiu olhar atentamente para a estátua. Já tinha pensado nisso muitas vezes, mas a vantagem de querer encontrar uma estátua é saber que ela sempre estará lá. Mas, como tudo tem ressalvas, as que ficam são só as dos heróis. Os políticos, mesmo de pedra, são retirados quando descobrimos seus reais motivos. Quando Lênin caiu na praça vermelha, na Perestroika Russa, mostrou que nenhum político está seguro, mesmo depois de morto.

O movimento naquela hora era pequeno, todos estavam almoçando. Temia que seu encontro com a estátua fosse mal interpretado, mesmo que não fosse falar nada em voz alta. Seria demais esperar que não o achassem louco, conversando com uma figura de pedra.

Passou a mão no rosto dele, como se querendo fazer contato com a história, ou trazendo a figura inerte à vida, como fez Michelangelo com seu Moisés. Mas esse não era tão real, não parecia conter vida. Ficou pensando em como uma reprodução podia ser assim; sem significado. Afinal, esse era o rosto de um personagem famoso.

Ao observar melhor, viu que os olhos eram inexpressivos, não havia pupila neles, só um espaço em “branco” sob as sobrancelhas. Era por isso que não parecia uma pessoa!

Nos pés, o nome, as datas e seu mérito: herói de guerra.

As praças estão cheias deles e mostram nossa incapacidade enquanto civilização. O crescimento, os ideais e a história ainda se constroem sobre cadáveres. Parece que foi casado, era o que dizia a biografia na Wikipédia. Imaginando como era a vida dele, se perguntou: Será que chegava em casa, depois das batalhas vitoriosas, colocava os filhos no colo, dizia da saudade da esposa e se permitia descansar em cima da sua glória, feita de pais e filhos que nunca mais voltariam?

Barba espessa e longa, cenho franzido; cara de mau.

Não dava mesmo para decifrá-lo, saber o que pensava.

Que criança teria sido, o que era a vida para ele?

Vez por outra, passava um transeunte e olhava a cena com curiosidade. Alguns poderiam até estar pensando: o que tanto olha, será um parente distante, com mesmo sobrenome?

Já não se importava mais. Estava absorto em entender aquele homem.

Precisava dos olhos para decifrá-lo e eles não estavam lá.

Seja uma estátua, uma foto ou mesmo uma pessoa, ninguém consegue enganar com seu olhar. Podemos até ter algum controle da informação que queremos transmitir, como queremos que nos vejam, mas se alguém olhar nos nossos olhos seremos descobertos. Uns dizem que são as “janelas da alma” e se forem estão sempre abertas, mostrando todo o interior.

Deve ser por isso que, durante alguma discussão, ficamos irritados quando não nos olham nos olhos. Nosso interlocutor quer nos esconder a verdade, parece que não importam as palavras, queremos as janelas. Não queremos que nos contem o que há lá dentro, queremos ver!

Óculos de sol é a roupa dos olhos, esconde nosso pudor emocional, como faz o tecido com o corpo.

Esse homem de pedra não tem vida por não ter olhos. Esse vazio torna-o um cadáver.

Deve ser por isso que as estátuas não têm pupilas. Feitas por encomenda, o artista não conhecia a alma do homenageado, como poderia por vida nele, desnudá-lo em suas verdades interiores?

Resolveu ir embora. Sua visita não tinha sido bem sucedida. Continuaria curioso sobre aquele personagem. Até uma foto 3×4 nos fala mais que uma grande estátua ou busto, que é a valorização da cabeça, da razão sem emoção. Os olhos estão lá, sempre vazios.

Alguns poetas, eternizados em algumas cidades, como Mario Quintana em Porto Alegre ou Drummond no Rio de Janeiro estão lá de corpo inteiro, e sorrindo. Não me lembro de algum herói de guerra que sorri, não poderia mesmo, sua glória é a destruição e não há muita graça nisso.

Na época daquele homem, não havia fotografia, só o que sobrou daquela vida foi um nome e um par de olhos vazios em uma pedra.

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