Autoconhecimento

Força ou Inteligência?

       “A natureza nunca nos engana; somos sempre nós que nos enganamos.”

                                                                                 Jean-Jacques Russeau

        “Há uma pergunta que me parece dever ser formulada e para a qual não creio que haja resposta: que motivo teria Deus para fazer o universo? Só para que num planeta pequeníssimo de uma galáxia pudesse ter nascido um animal determinado que iria ter um processo evolutivo que chegou a isto?”

                                                                                    José Saramago

Desde os primórdios, o homem se prostra diante da natureza pedindo clemência, por sentir-se fraco diante de tamanha potência do mundo, que, ainda hoje não consegue entender. Ventos, raios, trovões, infestações e tempestades eram vistos como punições divinas e, de joelhos, pedíamos, e ainda pedimos, perdão por sermos somente humanos, frágeis e impotentes.

Nossa incapacidade de entender a natureza nos encaminhou para um raciocínio simples para conter essa sensação de vulnerabilidade; “alguém” comanda tudo isso. Da época dos vários deuses com especialidades (assim como na medicina e no direito, por exemplo), a divindades únicas isso ainda vigora. Incrivelmente, o homem não percebe que a natureza não é inteligente, mas sim uma força que empurra a vida para frente em busca de mais vida, cada vez, mais vida!

A natureza vista com olhos desapaixonados é insana! Milhares ou milhões de espécies já desapareceram por vários motivos e novas vão surgindo. A humana, por exemplo, tem registro de atividade inteligente que datam de 300.000 anos, quando as primeiras pedras foram afiadas com objetivos de facilitar as atividades. Ou seja, começamos a usar nossas capacidades ontem!

Mesmo com toda tecnologia desenvolvida a vida nos parece um mistério, já que sua força não tem um sentido que possamos controlar ou antever o que sempre nos angustia cada vez mais.

Para que esse entendimento surja, mesmo que desesperadamente, precisamos criar figuras míticas com uma inteligência superior, não afetadas por essa natureza e para que isso seja possível, atribuímos a ele(s) sua criação. Das vontades misteriosas e incompreensíveis chamadas de “linhas tortas” em nosso tempo, continuamos a buscar o consolo de que por trás de tudo exista Alguém que tudo controle e comande por ter sido seu criador, estando, portanto, fora desse mundo onde tudo se move, parado, eterno e infalível.

Quando, antigamente, pela criação de técnicas de cultivo, conseguimos passar a ter tempo para pensar, observávamos as estrelas se moverem durante períodos de tempo cíclicos, percebemos a mudança que sua posição no céu poderia ser prevista, daí, chegamos à conclusão que tudo estava traçado não só para estrelas, mas também para nós com o nome de “destino”, acontecimentos previamente estipulado pela inteligência que tudo comanda, nos trazendo situações que estavam ali para nosso desenvolvimento, purificação ou aperfeiçoamento. A partir daí, começamos a tirar de nós muita das nossas responsabilidades sobre o que nos acontece, o que não deixa de ser uma espécie de entendimento ou aceitação confortável.

Não é fácil estarmos submetidos a uma vida sem sentido, imersos em um processo natural caótico e potente, portanto, imprevisível para nossos limitados sentidos. A inteligência de tudo não está por trás, está em nós e ela existe para aprendermos a conviver e lidar com a força que é a vida, essa força de impulso, criando sentido individual. Como essa força é mais forte e ininteligível, sobram deuses e fé para nos apegarmos a esperança, sempre carente, impotente e ignorante, como nos ensina a filosofia, de que tudo tem um porquê.

Vivemos tempos em que o Absurdo, como definiu Camus, é muito mais provocado pela nossa ignorância do que pela força natural, deixando claro que continuamos crianças, esperando que um pai venha nos tirar das enrascadas e que as forças naturais sejam clementes, “punindo” quem merece e preservando os de bom coração.

Na Vida, dos seres gigantes aos microscópicos, todos buscam mais vida, novas formas se criam e outras desaparecem nesse entrechoque constante desse caos cheio de possibilidades de sentido que nos é oferecido pela Natureza, sempre potente e furiosa em busca de preservação de todos que aqui vivem, excluindo outros, e a ciência buscando as respostas para que elas nos tragam alguma segurança e controle. Nós, humanos, somos desse mundo, temos inteligência que pode parecer que nos separa dele, mas, como podemos observar, ela também pode tornar-se destruição e medo.

Provavelmente, um dia também desapareceremos, e a vida continuará a se propagar pelo universo infinito que os cientistas dizem estar ainda se expandindo, fruto da grande explosão inicial, belo simbolismo dessa fúria que é o que chamamos de vida. Imaginar tudo isso nos traz a certeza do quanto não sabemos e estamos sempre por um fio, como uma formiga que pode ser esmagada simplesmente por estar sob um peso do que é mais forte que ela.

Quando precisamos acrescentar figuras divinas para a vida, quando precisamos que ela tenha algum sentido, mostra que continuamos a não entender o que se passa. Clamar por um deus, seja qual for, é um atestado de que a vida ainda nos dá mais medo que alegria e desfrute. Infelizmente, precisamos esquecer nossa condição, seja mergulhando nas rotinas ou nos desejos carentes para nos distrairmos do medo da morte e do sofrimento. Ainda vemos a vida como o copo meio vazio.

Nossa inteligência poderia estar a serviço da vida e a vida é força, potência e furor. Se Darwin defendia que sobreviver e perseverar está em nossa capacidade de adaptação, entendendo e sabendo reagir ao meio, Bergson via essa capacidade como criativa, sinal de inteligência superior. Seja como for, somos daqui e ainda não entendemos que a casa onde moramos não nos oferece segurança. Não estamos aqui para nos sentirmos seguros, mas para vivermos, olhando para a vida como um girassol, como ensina Fernando Pessoa*, e isso é sempre muito arriscado!

Olhar para o céu e se ajoelhar, clamar por auxílio e pedir proteção não difere do ursinho de pelúcia que as crianças precisam ter ao seu lado para poder enfrentar o escuro do quarto.

Elas fazem isso por temer o desconhecido e os adultos também, cada um a seu modo.

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Fernando Pessoa – O meu olhar (poema)

O Eu e o Devir

“É absolutamente necessário pular no real, atirar-se nele, mexer-se lá dentro, pois é a única maneira de mudar o mundo. A vida é apenas isso: mudar o mundo, transformá-lo, inventá-lo, revolucioná-lo”.

                          Antonio Negri – De volta, pg. 220

“Reconhecemos o escravo por suas paixões tristes e o homem livre por suas alegrias”.

                          Gilles Deleuze

Autoconhecimento nunca sai de moda desde Sócrates, e talvez valha à pena pensar um pouco de porque isso acontece. Não tenho essa resposta, aliás, perguntas como “quem sou eu”, subsistem há séculos, talvez por nunca existir uma resposta definitiva. Isso acontece não só por sermos diferentes, como prova a biologia, mas por nunca termos um Eu estável que possa ser definido assertivamente, já que isso anularia o princípio da impermanência.

Existimos por nós? Talvez não, já que desde que nos damos conta, precisamos uma diferenciação, uma identidade e ela seguirá os caminhos da comparação, afinidade, oposição e, sempre, da necessidade!

Começamos por ser uma cópia adaptativa de quem nos cria e da cultura em que estamos inseridos. Sobreviver é vital para qualquer mamífero, seja de nossa classe ou de outras com menos recursos. Aprendemos a levantar do chão por vermos os maiores em pé, assim como adquirimos a interpretação do mundo que eles nos transmitem, intencionalmente ou não. Daí elegemos a quem imitar e isso sempre vai longe, quase como um financiamento da casa própria, que carregamos por tanto tempo quanto os resultados nos obrigarem a mudar de “casa”.

Da mesma forma, muitas vezes antes de sermos alguém por si, somos uma oposição a outra pessoa. Construímos uma identidade em não ser quem outra pessoa é e isso é fácil de encontrar entre irmãos e na política. Quem se constrói assim, não é alguém por si, mas sua referência é ser quem um outro não é. Qual o problema? O problema é quando essa identidade negativa não consegue se sustentar por si. Mudar como, já que a base identitária é só uma oposição e nunca uma individualidade?

Vale também para cópias, com objetivo de conseguirmos os resultados que outro consegue. Fazer o que ele faz, usar a roupa, falar como, ter os mesmos adereços etc. Da mesma forma, uma ausência de resultados (inevitável), levará a um beco sem saída, também por não partir de algo próprio. Desse modelo vive o marketing com suas figuras de sucesso, que tem uma identidade reconhecida por todos, coisa que todos querem, já que também somos alguém quando somos reconhecidos pelo olhar do outro. A própria cultura cria seus modelos utópicos de como é o jeito “certo” de viver. Como isso é inatingível, mais insatisfação que nem nos permite perceber que tudo pode estar sendo da melhor forma possível. Precisa piorar para percebermos. Quem nos reconhece também é moldado por todo isso, e é desse olhar, onde sempre estamos “errados” de algum jeito é que constatamos que existimos.

A busca de um “ser”, portanto, precisa de uma referência, para termos os benefícios que precisamos, sempre nos comparando de alguma forma, afinal tudo vem de fora. Quando os prejuízos chegam, os primeiros culpados ou quem tem que mudar são os outros, o modelo cultural utópico que usamos ou o mundo. Aliás, mundo, vida, universo ou qualquer outra metáfora, serve para projetarmos as responsabilidades pela nossa expectativa frustrada de como tudo deveria ser. Quando se descobre que isso tudo nunca existiu, somente nos nossos sonhos herdados, nos deparamos com o que resta; precisamos encontrar em nós essa saída ou mudança. Tudo sempre reativamente, sendo empurrado por dificuldades, perdas e desilusões.

O que queremos descobrir com essa busca atrás de saber quem somos? Apenas uma maneira de voltar a sentir-se bem e, nesse caso, não importa a resposta a essa questão primeira, mas somente se os resultados voltaram a ser obtidos. Quando nos deparamos com a impermanência de tudo, principalmente a nossa, descobrimos que somos sempre algo que “está sendo”, na medida em que já não somos mais o que já passou e estamos sempre querendo ser alguma outra coisa.

E o agora? O poder do agora é a constatação desse vazio de insatisfação, de “não ser”, desse caminho até um horizonte que nunca existe para ser atingido e a caminhada já feita, condiciona, pela experiência, passos inéditos a seguir. Nem sempre o passado explica o futuro, já que não somos mais quem caminhou.

Somos esse transitório de uma identidade volúvel, em comparação com outros, em expectativa, angústia e desse desejo platônico da falta. Também somos, portanto, o que nos falta, o que esperamos encontrar em algum lugar, dentro ou fora de nós que possa trazer essa percepção que temos alguma previsibilidade, nem que seja um mínimo controle.

 Com tudo nos escapando pelas mãos de uma reflexão lúcida nos voltamos para nós em busca de algo que nos seja estável, algum “Eu” original, imaculado, não tocado pela experiência que possa na sua natureza pura e imóvel dizer, afinal, quem somos. Quando isso não é encontrado, partimos para a segunda busca; da “criança” que ficou congelada em algum canto da nossa psique. Aquela criança que só brincava, que não tinha medo (por não conhecer a morte), que se sentia livre e segura. Tudo isso porque tinha algum adulto oferecendo essas condições, claro! Mas será que essa ignorância em relação ao mundo é algo possível de reencontrarmos? Aquela criança já se desiludiu porque a vida a brigou a entrar no ritmo das responsabilidades, de atender por si suas necessidades e de temer o que o futuro possa estar guardando. Não penso que ela, caso exista, possa ajudar o adulto sofrido e preocupado.

A mobilidade de tudo nos assusta, daí alguns buscam na criação ou no seu autor algo que seja sempre imutável. É estranho que qualquer criação não seja parte de seu criador e se a realidade é instável, essa imagem e semelhança é negada, como os cegos o fazem com o sol, como diria Victor Hugo.

Quem sou eu?

Um Eu “que não é”, mas que “está” fluindo com o corpo em constante mudança, com pensamentos muitas vezes negando a ideia que se tem de si, suas inclinações, necessidades, dores e medos em uma vida imprevisível, com um sentido (se tiver) muito aquém de nossa capacidade. A vida nos afeta a todo momento não tendo, nem poderia, um futuro que se possa tocar ou ter a certeza de sua existência.

Quando tudo muda o tempo todo, as definições ou descrições são falhas e provisórias, portanto, é mais do que compreensível nossa necessidade de sanar a incerteza da impermanência com alguma palavra que nos descreva, para que a aflição termine.

Quem sabe, se souber quem sou, saberei o que é o mundo ou a vida, quem sabe o universo e seus deuses? Sócrates fez essa promessa e, como nunca parou de perguntar, ele também não encontrou.

Não há nada a ser encontrado, mas provavelmente para ser vivido pela experiência, vendo esse devir incerto pela sua própria natureza, motivo de preocupação, como algo misterioso em si mesmo, que nem ele mesmo saberia se descrever.

Afinal, como viver sem saber quem somos mergulhados nas improvisações de uma vida que é pura força, onde cada ser busca, movido pela sua natureza, sua afirmação e continuidade?

Abandonando essa busca de querer respostas que nos afastam do simples e ao mesmo tempo complexo processo da vida. O Eu será sempre esse vácuo, inserido na vida que nos molda como o vento faz com a areia da praia, mudando a paisagem constantemente.

O Eu nunca existiu como resposta possível e o autoconhecimento é esse caminhar em direção ao nada. A esse horizonte inalcançável por mais que se caminhe. Correr não adianta, parar nos é impossível já que a vida nos empurra.

Nada a fazer a não ser observar essa mudança constante que somos e, ao invés de se entregar ao medo, quem sabe aproveitar essa curiosidade pode ser mais divertido.

Nada está certo, garantido, estável ou pode ser previsto.

Emocionante, não é mesmo?

Quando Deus foi embora

“O império da transcendência, ao mesmo tempo frágil e agressivo, nunca hesitou em recorrer ao etnocídio, ao genocídio e ao ecocídio para estabelecer sua soberania universal”.

                                                           Eduardo Viveiros de Castro

“O mundo começou sem o homem e terminará sem ele”.

                                                           Lévi-Strauss

Para os que sempre moraram aqui, deus nunca morou em outro lugar, em algum “céu”, “Olimpo” ou esteve fora desse planeta. Para eles, Deus é a soma de toda a vida em seus vários níveis, ou seja, própria natureza da qual fizemos parte, assim como as plantas, outros animais, pedras, clima etc. Para os índios, aborígenes ou nativos, pode escolher, ter uma rocha como irmã, o rio como um pai ou a Terra como mãe faz todo sentido. Interessante que, nessa cultura algumas ideias se assemelham mesmo que separadas por continentes. Uma delas é que, antes de nascermos homens, fomos antes plantas e animais. Diferentes das nossas tradicionais expectativas de vidas passadas em locais charmosos como Europa, Egito e Grécia, sempre estivemos aqui, em estágios anteriores de consciência, daí que vem esse respeito que eles tem pelo meio, essa imanência de sempre sermos daqui, nunca de outro lugar.

Estamos inseridos dentro de um contexto, de uma geografia, é dela que respiramos, bebemos e nos alimentamos. Sem essa natureza ou sistema, morreríamos. Por mais óbvio que isso possa parecer, não é assim que vivemos. Em determinado momento histórico ocorreu o que Karl Jasper chamou de “Era Axial”, que, segundo essa teoria, seria uma mutação intelectual em diversas sociedades eurasiáticas entre os séculos VIII e III antes de Cristo, que gerou o profetismo judaico, a filosofia grega, o budismo indiano etc. Foi a partir daí que nos desconectamos dessa visão integrativa, sendo a partir dessa ideia o homem uma criação à parte, onde nosso planeta está a nosso serviço, para nos desenvolvermos. Daí surgiu o que chamamos de transcendência, que coloca deus fora desse mundo, como um gestor do universo que nos vê do alto, de outro lugar. Zeus o deus da antiga Grécia morava no Olimpo que ficava fora do planeta, onde ele ou seus deuses vinham vez por outra para interferir na nossa vida. Séculos depois, veio o cristianismo que só melhorou essa ideia criando um “céu” administrativo, “paraíso” e o “inferno”, lugares para onde vamos, dependendo do nosso comportamento.

Tudo, nós e o planeta (criados separadamente, como mostra o Gênesis cristão), fomos criados por um Deus, que não morava aqui, estava em outro lugar. Segundo essa visão, tudo que nos cerca está a nosso dispor (fomos criados depois que tudo estava pronto), como se fossemos outra coisa, desconectada por chegar depois. É como se o planeta fosse a casa que o criador nos deu para vivermos. Por trás dessa ideia, como já coloquei em texto anterior, está a “certeza” de que esse deus que mora fora, não vai deixar que nada aconteça a sua suprema criação, que é a sua imagem e semelhança…

Imagino que o caro leitor já tenha ouvido falar nos termos imanência e transcendência que significam estar dentro e fora, respectivamente. como já citei acima. Assim, para os imanentes, Deus nunca esteve fora daqui e fizemos todos parte dele. Para eles, o vento, a chuva, as nuvens sobre a montanha trazem sinais e a Lua é boa conselheira para a agricultura e muitas outras coisas. Estamos integrados, nunca separados!

Já para os transcendentes que tem um Deus que mora em outro lugar, que os vigia, pune e dá graças, nós somos uma coisa e o planeta outra. Assim, fica fácil, destruir a biodiversidade, poluir, matar e depredar em nome do “progresso” que nada mais é que tornar tudo uma mercadoria, para aumentar nosso prazer e fazer a máquina girar pelo consumo.

Se esse homem transcendente, que destrói tudo a sua volta, suicidando-se de várias formas foi a melhor obra dessa criação, fiquei preocupado! E você?

Ser filho de Deus que mora fora é do âmbito da fé, já ser filho dessa natureza é uma certeza inquestionável. Somos água, compostos de substâncias químicas todas disponíveis na natureza, somos feitos de imanência!

Como bem diz Ailton Krenak*: “Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivamente humano, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista”.

Assim, desmatar para fazer um estacionamento tem toda uma lógica que nossos ancestrais, que ainda conseguem sobreviver, olham e não acreditam. Sem problema em poluir um rio, afinal é necessário para alocar os dejetos industriais, grandes queimadas para aumentar os pastos e todos os crimes possíveis em nome das coisas que podemos comprar em dez vezes sem juros no cartão.

Para os imanentes não tem sentido poluir um rio, afinal os peixes vêm dali e a água também. Tudo que pode ser industrializado, aromatizado artificialmente é um substituto para o que precisou ser destruído. Pagamos caro para passarmos um fim de semana ou pequenas férias em lugares “paradisíacos” que mantem sua natureza, suas águas limpas e impedem a matança dos animais da região. Em outras palavras; os transcendentes adoram tirar férias na imanência.

Quando Deus foi colocado fora daqui seus seguidores sentiram-se no direito de, como diz nossa citação de abertura, dizer que raças são melhores e tornar as demais descartáveis, afinal só atrapalham, matar quem acredita em outros deuses e destruir o ambiente em nome da sua ideia, chamada de civilização. Os resultados? Uma sociedade cada vez mais doente, ansiosa, suicida e drogada, que se perde em excessos de todos os tipos por pura falta de conexão, de ritmo.

Como não caminhamos mais, corremos nas folgas, como não tem mais rios e mares saudáveis, nadamos em piscinas com cloro, como não temos tempo, tem o fast food, como não dormimos mais de preocupação, temos os remédios que lhe garantem um sono falso e tantos outros exemplos que poderia listar.

Todos chegamos “agora” se formos levar em conta a existência da espécie humana em relação ao tempo de vida do planeta, mas o pessoal da transcendência pensa que tudo foi feito para seu prazer. A ganância traz cegueira, se não saberiam que milhões de espécies já existiram e desapareceram e somos só mais uma, que por ter o potencial de pensar, veio para dominar, segundo sua crença. O problema, então, é o pensamento! De uns chatos e entraves do progresso, criar e integrar com respeito, tendo a natureza como seu Deus maior, de outros destruir por ambição, chancelados por frases escritas em livros, criados pelos idealizadores dessa ideia nefasta. Se o planeta ainda tiver vida após nossa saída, com certeza se recuperará com esplendor. Durante a pandemia do Covid-19, nos locais onde o isolamento aconteceu e as pessoas ficaram em suas casas, a natureza deus fortes sinais de revigoramento, animais voltaram a circular, as águas se purificaram e o ar aumentou de qualidade, mostrando que nossa presença civilizatória é um atentado à vida.

Tem saída?

Encontrar um meio termo, procurando sair dessa Matrix transcendente, diminuindo o ritmo, respirando melhor, buscando alguma espécie de conexão com o que está a nosso lado. Qualquer ato de respeito a imanência, uma simples caminhada, um copo de água, um tempo para relaxar e estar com outras pessoas que nos fazem bem já ajuda. Não precisa fazer como os índios e conversar com árvores, pedras e rios, apenas pare, e observe sem pressa.

A transcendência, desse deus que mora fora tem muita urgência, projeto e metas, justamente para que não percebamos que diminuir o ritmo e olhar a paisagem e não só pensar em chegar ao objetivo (sempre tem um novo, nunca descansamos), é a saída.

Em algum momento, como diz Jasper, tiramos deus desse mundo e o homem assumiu seu lugar e já que tudo é como se fosse uma empresa, merecemos demissão por incompetência!

O deus imanente fala da vida, o transcendente promete outra vida melhor depois dessa, que nos é roubada enquanto corremos atrás da nossa “cenoura”.

Não tem nada em cima, sempre esteve ao lado!

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*Para saber mais: Ideias para adiar o fim do mundo – Ailton Krenak,  Cia das Letras.

A escolha de Páris

“Numa luta de gregos e troianos

Por Helena, a mulher de Menelau

Conta a história que um cavalo de pau

Terminava uma guerra de dez anos

Menelau, o maior dos espartanos

Venceu Páris, o grande sedutor

Humilhando a família de Heitor

Em defesa da honra caprichosa

Mulher nova, bonita e carinhosa

Faz o homem gemer sem sentir dor

A mulher tem na face dois brilhantes

Condutores fiéis do seu destino

Quem não ama o sorriso feminino

Desconhece a poesia de Cervantes

A bravura dos grandes navegantes

Enfrentando a procela em seu furor

Se não fosse a mulher, mimosa flor

A história seria mentirosa

Mulher nova, bonita e carinhosa

Faz o homem gemer sem sentir dor…

                            Zé Ramalho – Mulher nova, bonita e carinhosa.

A escolha de Páris - Tarô Mitológico - Os Enamorados
Tarô Mitológico – Os Enamorados – A escolha de Páris

Nenhuma mitologia fala tanto a nós ocidentais como a Grega. Não são só uma infinidade de palavras que utilizamos em nosso dia a dia, bem como muitos conceitos e ideias que nunca paramos para pensar de onde vem e que estão introjetados em nós pela cultura.

Seus mitos e histórias, muitos séculos depois, continuam falando de nós e nos influenciando grandemente e, para quem por ela se interessa, trazendo muitas respostas e entendimento.

A história que vou contar é uma dessas que falam do feminino, masculino, e da “fortuna” que costumamos chamar de destino. A guerra de Troia foi narrada pela primeira vez por Homero e, tenho certeza que você lembra daquela história do cavalo de madeira, que foi visto como um presente (hoje dizemos quando se recebe um presente inconveniente é um “presente grego”),  que estava com centenas de soldados escondidos em seu interior que puseram fim a uma longa guerra. A ideia foi de Ulisses, mas tudo começou muito antes de um jeito inesperado…

A história de Paris que contarei será acrescida de “detalhes”, ou uma licença poética, se preferir, vinda do filósofo francês Luc Ferry em seu livro “A sabedoria dos mitos gregos” e desse que vos escreve, afinal, como psicoterapeuta, é sempre uma oportunidade trazer a mitologia para explicar quem e como somos e  entender nossos comportamentos.

Tudo começou em uma festa de casamento de Tétis (uma divindade marinha) e Peleu (um mortal, rei de uma cidade da Tessália), que seriam futuramente os pais de Aquiles, personagem importante na guerra de Tróia. Tétis, como toda mãe de menino, temia que seu filho sofresse e o mergulhou no rio Estige logo após o seu nascimento para que fosse protegido pelas águas sagradas do rio. Claro que precisava segurar a criança, e o fez pelo calcanhar, assim essa parte ficou desprotegida e Aquiles morreria com uma flecha envenenada no calcanhar durante a guerra de Troia, desferida por Pária, filho do rei da Etiópia. A morte de Aquiles nos lembra que nada é seguro e que quem nasce, necessariamente morrerá, independente de toda a proteção ou riqueza que venha a possuir. Além disso, todos temos um ponto frágil, nosso “calcanhar de Aquiles”, onde nosso ego sucumbe, perdemos força e poderemos desmoronar se formos atingidos.

Voltando a casamento, a festa foi prestigiada pelos deuses e deusas do Olimpo e até Zeus compareceu, assim como mortais poderosos, semideuses, ninfas etc. Mas uma deusa foi propositalmente “esquecida” de ser convidada, já que sua presença nunca era bem vinda em qualquer evento. Éris, a deusa da discórdia (é isso que significa seu nome e a palavra oposta em grego é harmonia), foi deixada de lado já que era dia de festa e ninguém queria desentendimentos. Onde ela estava, o ódio e a raiva sempre suplantavam o amor e a alegria. Você conhece alguém assim? Se a resposta for sim, então Éris tem seus seguidores até hoje.

Éris era filha de Zeus e Hera, mas fora desprezada pela mãe por não ser bela e foi daí que ela se dedicou a discórdia como forma de vingança. Se Éris nascesse hoje, faria sucesso em um consultório psicanalítico, onde sua relação com a mãe daria bons anos de análise além de processar a própria mãe por bullyng.

Mas Éris não precisou de convite, foi assim mesmo. Ela não perderia uma ocasião tão propícia para gerar desentendimentos e conflitos.

Ao chegar na festa, Éris coloca na mesa principal, onde todos estavam reunidos um pomo* de ouro onde estava gravado “para a mais bela”,  daí vem a conhecida expressão “pomo da discórdia”.

 Pronto, Eris que sabia como causar problemas, acertou em cheio, tocou na competitividade entre as mulheres! Sejam elas mortais, deusas ou simples mamíferas do reino animal, fêmeas disputam o tempo todo quem desperta mais desejo, afinal, são elas que escolhem os genes, sendo responsáveis diretamente pela manutenção e progresso da raça. Nenhuma fêmea desse ou de outro mundo aceita a segunda posição. Conta a história que todas gritaram em uníssono “É para mim então!” Estava armada a discórdia! Éris, sorria!

Por hierarquia, nenhuma semideusa ou mortal se meteria nessa disputa, as postulantes foram Hera, a esposa de Zeus, a quem ele nada podia negar, Atena (Minerva para os Romanos), filha predileta de Zeus, deusa da sabedoria, inteligência, das artes e da justiça e Afrodite, deusa do amor e da beleza. Como se percebe, não eram concorrentes quaisquer.

Éris, como era de se esperar, pede para Zeus decidir, colocando-o em situação delicada. O grande chefe do olimpo, que de bobo nada tinha, se eximiu de responder, já que sua decisão, seja ela qual fosse, traria imediatamente uma alegria e dois problemas.

Zeus então pede para Hermes, seu ajudante para assuntos complexos, difíceis e desagradáveis, buscar nas redondezas, sem chamar muito atenção, algum jovem inocente para fazer o julgamento. Hermes sai para cumprir sua tarefa e encontra um rapaz que, à primeira vista (aqui é um ensinamento importante sobre julgamentos apressados), era um simples pastor troiano. Mas o rapaz era ninguém menos que Páris, um dos filhos de Príamo, rei de Tróia.

Páris fora abandonado ao nascer pelos pais, pois segundo o oráculo ele seria responsável pela destruição da cidade. Foi salvo por um pastor que se apiedou do recém-nascido e o criou como filho. Se você sabe da história de Édipo (oráculo previu que ele mataria o pai e casaria coma mãe) e Moisés, colocado bebê em uma cesta no rio, pode perceber que, livrar-se de crianças que poderiam trazer problemas era comum na época!

Então, sob a aparência de um jovem camponês, esconde-se um príncipe troiano. Com a ingenuidade típica da juventude, Páris aceita ser o juiz e escolher entre as três mulheres poderosas, a mais bela.

Colocado diante delas, cada uma oferece ao jovem o que representam, para convencê-lo na escolha. Hera, que reina ao lado de Zeus no universo inteiro, promete que, sendo escolhida, ele também teria um reino sem igual na terra.

Atena, deusa da inteligência, garante que, sendo eleita, Páris terá vitória em todas as batalhas.

Afrodite, sussurra ao seu ouvido (ela sabia mesmo como fazer), que, se fosse eleita, ele poderia seduzir a mais bela mulher da terra.

Aqui paramos para duas reflexões, antes da escolha de Páris. A primeira; as mulheres e isso simbolicamente é mostrado nos artifícios para permanecerem belas, lutando contra o tempo, valorizam suas qualidades e escondem o que pode tirar-lhes a competitividade e, como os homens, diante da sedução e do poder da beleza feminina, mudam o parâmetro de suas decisões. Ponto para Freud, que, com certeza, buscou na mitologia sua tese sobre a importância da libido. As ofertas de Atena e Hera eram para uma vida inteira e a de Afrodite era um convite ao prazer imediato. Fica a pergunta; se Páris já tivesse tido a experiência do casamento, teria feito a escolha que fez? Nunca saberemos, e isso vale para a nossa e todas as vidas, não é mesmo?

Pelo que se sabe, Páris não demorou muito a decidir, a emoção é sempre muito veloz. A escolha recaiu em Afrodite que oferecia beleza e sedução. Como bem disse Nietzsche, séculos depois, algo em nós pensa, o corpo!

O problema, é que a mais bela mulher do mundo, Helena, era casada! E seu marido, também não era nenhum desconhecido, aliás não é comum mulheres de exuberante beleza escolherem desconhecidos. Helena era esposa de Menelau rei de Esparta, a mais guerreira das cidades, dona de um exército de dar medo (lembra dos 300 de Esparta, o filme?).

Cabe pensar que Páris, se estivesse em casa dormindo quando Hermes foi a procura de um juiz, teria evitado anos de guerra e milhares de mortes. Então, inspirado ou seduzido por Afrodite, tanto faz, raptou Helena, que obviamente se apaixonou por ele, colocando em guerra Gregos e Troianos. Daí também vem a expressão popular “agradar gregos e troianos” como algo quase impossível.

Foi por causa dessa guerra que Ulisses deixou sua Penélope e o filho Telêmaco para ir lutar e ter a ideia do cavalo de madeira, mas a saga de Ulisses é outra bela história de amor, astúcia e escolhas, ligada a essa, assim como nossa vida é resultado de uma séria de causas que se interligam e que desconhecemos suas origens.

Éris conseguiu o que queria e mais, além de colocar três deusas em discórdia, ganhou de bônus a luta de Páris, o fim do casamento de Menelau, a morte de Aquiles para desespero de sua mãe, Ulisses e suas aventuras depois da guerra para voltar para casa e tantas outras coisas.

No fim, a beleza da mitologia grega é mostrar deuses como quase humanos, com suas falhas, inclinações e até ações inconscientes e reativas, como nos mostra a história da escolha de Páris. Deve ser por isso que falamos deles, contamos e recontamos suas histórias até hoje e continuaremos a fazê-lo por muito tempo. São quase humanos, só a imortalidade nos diferencia e isso só acontece porque morremos. Tudo que se diz ser imortal, só acontece por quem os idolatra morrer.

Deuses que erram e tem falhas tem mais a ver com o que observamos acontecendo todo dia na vida. Já os perfeitos, parados, esses que, se existirem (o que é improvável em um Universo que muda a cada instante), não se metem no nosso mundo, como nos ensinou Epicuro.

Qual o problema de estarmos por conta das circunstâncias e vivendo a maravilha da imperfeição? Só assim poderemos continuar evoluindo, sendo um “devir” de causas desconhecidos e futuro imprevisível. Isso é a Vida, que insistimos em tentar prender com nossos conceitos de bem e mal, justo e injusto. Vida não se prevê, é uma força caótica e transbordante!

A imagem que abre esse texto é do Tarô Mitológico e a escolha de Páris ilustra o arcano dos “Enamorados”, sexta etapa do processo de autoconhecimento. Ali, discutimos nossa capacidade de fazer escolhas e suas consequências, sempre muito difíceis de prever, como sabemos, já que razão e corpo nunca se separam.

Só não esqueça que Éris continua por aí, se deliciando com nossos medos, verdades e disputas imaginárias para termos a ilusão de que dominamos ou controlamos o incontrolável e que nos fazem discordar, discutir e disputar por verdades que nunca existiram!

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*Pomo – pseudofruto formado pelo ovário envolvido pelo receptáculo floral, carnoso e muito desenvolvido, e que é a porção comestível de frutos como por exemplo a Pera e a Maçã. Dicionário online.

Eremita, solidão e descoberta

” A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais!”

Arthur Shopenhauer

Existe um momento na vida que uma espécie de recolhimento se fará necessário. Isso sempre acontece depois de uma grande desilusão ou perda. Seja uma ideia, conceito ou mesmo uma pessoa, quando algo importante sai de nossa vida ela precisa ser refeita, recomposta de alguma forma. É como se um pedaço de nós fosse retirado e o corpo precisasse repor essa perda de alguma forma, voltarmos a ter uma identidade sem aquele pedaço. É sempre um luto, não são só pessoas que morrem, sentimentos, “verdades” e crenças também.

No Tarô, a carta do Eremita representa um ponto que talvez seja acessível a todos nós, já que viver é estar em constante regeneração. No caso dele, esse momento chega quando na sua jornada atrás do autoconhecimento, o personagem (que somos nós), sai de cena para assumir algumas desilusões. Primeiro, ele descobre que vive em um mundo que tem regras e limites, que intuição e agir por impulso normalmente não dão muito certo. Depois, ele descobre que poder e riqueza não só não eliminam sua angústia como não trazem respostas, mas sim problemas novos, aqueles em que a solução não tem preço monetário. Depois, busca nas religiões respostas para esse mundo que estão fora dele e descobre que o que está por trás é o controle não o paraíso. Se assim fosse, teriam surgido outros Cristos, mas a religião não os produz, apenas inibe que apareçam. A ideia não é formar, mas domar.

Depois, pensa que a resposta está nos relacionamentos, nessa tal incompletude que Platão nos legou e transformou pessoas em tampas de panelas e meias laranjas. O que vemos? Os relacionamentos não se sustentam, não por não serem ótimos de se ter, mas porque estão fracassando em cumprir uma missão que não lhe compete.

Nesse momento, não é difícil perceber que o programa cultural não tem nenhuma preocupação com o ser humano, mas só com sua capacidade de produzir e gastar. Suicídios em alta, psicotrópicos vendendo como nunca e cada vez mais pessoas sofrendo com ansiedade. Um mundo que ultrapassa sua imprevisibilidade natural e ruma ao absurdo.

O que sobra depois de tantas decepções? Com certeza a última esperança: a existência da justiça!

Mas, ela é fruto da ideia grega de um universo inteligente que funciona harmonicamente e finito, como uma máquina de um relógio antigo. Quando Zeus formou seu time no Olimpo, a ideia era que a justiça mantivesse o Cosmo em sua perfeita ordem, que ela se encarregaria de que nada destoasse do logos. Bastaram alguns séculos e algumas boas lentes para percebermos que ele é infinito e não tem nada de organizado, é o próprio caos em escala imensurável. Dessa forma, a justiça não é possível, salvo a individual, da própria consciência.

Depois de tantas constatações e pedaços arrancados, não tem outro jeito, a não ser se recolher, assimilar e voltar renovado. Expectativas e histórias da carochinha? Nunca mais!

Quando o Eremita se recolhe parece que abandona o mundo, de fato é o que faz temporariamente, porém, o que realmente abandona são todas as expectativas em relação ao mundo. A sua última desilusão foi a Justiça, a partir de agora desiludido, no bom sentido, porque somente a desilusão mostra a verdade (que não existe verdade), passa a se encontrar.

Desde que nascemos somos para fora e Ele descobriu que essa não é a melhor maneira de viver. Inclusive, já entendeu que nem o que está vendo é o que realmente acontece, é na verdade o que ele projeta no mundo com suas ilusões de como o mundo deveria ser.

 Para ver o mundo, precisará ver a si.

 Tudo é uma representação, vemos o mundo metaforicamente. Quando vemos o mundo, essa é uma visão védica, vemos a capa do mundo, quando usamos nossos sentidos vemos a superfície do mundo. A medida que vamos nos interiorizando, são quatro estados, primeiro é esse dos sentidos, estamos vendo a capa do mundo, depois vem o segundo estágio chamado “sono”, que é quando em uma interiorização maior, fazemos uma alegoria em relação ao sono mesmo, mas um sono de interiorização em que começamos a aumentar nossa realidade interna através até das nossas próprias imaginações, depois vem o terceiro estágio que é o “sono profundo” que é o sono de sonhos, nessa parte do sono não tem separação entre nós e o mundo, ou seja, quando mais vamos nos interiorizando mais iremos realmente vendo o mundo além da capa.

Para que realmente entendamos a realidade, precisamos entender a nossa interioridade, é a frase de Jung que se tornou famosa: “Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, acorda”.

 O Eremita chega a essa conclusão, por isso foi necessário se retirar para conhecer a sua interioridade e quando volta, muda completamente porque volta outro, aquele que conhece seu mundo interior, que se completará na carta chamada “O Mundo”, que representa essa união final com a vida. No estágio do Eremita, alcançou um certo padrão de autoconhecimento, de uma visão completamente diferente da vida. A sua relação com o exterior termina na Justiça, a partir de então irá trabalhar outras coisas, as mudanças, os apegos, vai se aprofundando cada vez mais, até entender-se completamente. Se o “Eremita” é a nona etapa e “O Mundo” a vigésima primeira, ainda há o que aprender, sempre haverá!

Nós e o mundo estamos em caos, o mundo está sempre em nós e estamos junto dele e através dessa desordem nós nos recompomos em cada nova fase, por isso não tem como não passar pela desordem, ela é essa necessidade de arrancar pedaços que nada mais tem a ver conosco ou coisas que percebemos que nunca existiram, só na nossa fértil imaginação.

Cada momento de nossa vida tem um tempo e esses tempos não são regulares, a cada fase ganhamos conhecimento e ela tem começo, meio e fim. A ordem manda que quando terminarmos cada fase, que sigamos para outra, mas muitas vezes gostamos da fase em que estamos, porque já a dominamos e estamos seguros, então vamos para a próxima fase empurrados, saímos da zona de conforto na marra, naquilo que chamamos de crise.

O processo do mundo de impermanência nos empurra, ou vamos por vontade própria, o que ninguém faz, ou vamos no desespero, na crise, esse é o processo entrópico do cosmos e do caos. A cada crise quando bem vivida, ficamos mais elevados, mais maduros. A pergunta é: por que vamos no sofrimento? Porque somos mamíferos e para sobreviver preferimos o conhecido. Lembre-se que temos dois impulsos: de sobrevivência e de vida. O impulso de vida nos empurra para o novo e o impulso de sobrevivência (medo), quer fiquemos onde já conhecemos, sua preocupação não está se estamos felizes e sim se estamos sobrevivendo.

 Somos seres mamíferos, esquecemos isso com uma grande facilidade e não me canso de repetir. Será mais fácil quando nos vermos como mamíferos de grande potencial, ao invés de seres elevados, achamo-nos transcendentais, praticamente deuses, a fonte da criação divina, mas somos 1% diferentes dos macacos e isso é fato científico. Como mamíferos temos medo de mudar e perdemos esse medo quando não aguentamos mais, então não mudamos, somos levados pela “força do vento”.

O processo do caos é condição para a formação do eu, da individualidade, por isso que o mundo é caos, quando estamos bem, estamos em ordem no caos. Quem somos nós? Somos alguém que, quando está em ordem no caos, tem uma identidade. Estamos passando de fase, mas não queremos, é confortável ficar onde conhecemos. Vamos entrando em desordem, em processo de entropia, o que poderia acontecer de forma fácil, fazemos ser doído, porém iremos de qualquer jeito, por isso que toda crise sempre é uma mudança de processo evolutivo. Quanto mais a pessoa se mantém onde está, mais sofre.

Minha opinião é que mais de 95% das crises emocionais são processos evolutivos que não se confirmam, a pessoa precisa avançar, mas não está conseguindo fazer essa transposição. Isso acontece porque tem medo daquilo que aquela pessoa que será poderá fazer, tem medo dela mesma, não se conhece agora e tem medo de não conhecer o que ela será depois de mudada. Talvez também pense que terá que fazer outras coisas que hoje não quer fazer. O Eremita atingiu o primeiro passo da iluminação, que é perceber que é Ele e com Ele, não tem nada a ver com o mundo que sempre foi e será um conjunto de vários tipos de vida que se movem simultaneamente.

Estudar o Tarô é estudar as etapas de um caminho longo, cheio de descobertas, desilusões e perdas. Mas não se preocupe, tudo que você perderá nada mais é do que um excesso, como se estivéssemos, sem perceber, com 5 calças e 15 camisas.

O Eremita já retirou algumas peças desnecessárias, mas ele ainda tem muito que aprender, mas já é de longe um outro ser, que se tornou humano. Como dizia Joseph Campbell , humanidade é uma possibilidade, ninguém nasce com esse status. Só com esforço se transforma 1% em 10%. E o mais engraçado que é tirando, deixando mais leve que a mudança acontece.

Ele sempre aparecerá como um velho, que sempre representa quem aprendeu com o tempo, com uma luz na mão. Isso mostra que parte da escuridão acabou, mas essa luz não veio de fora, nunca vem, mas isso eu tenho certeza que você já percebeu.

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