Autoconhecimento

A Alegria

“Deveríamos estar sempre embriagados.

Tudo depende disso é a única questão.

Para não sentirdes o terrível fardo do tempo, que vos abate e empurra para o chão, embriagai-vos incessantemente.

Mas com que?

Com vinho, com poesia, com virtude, como quiserdes. Mas embriagai-vos!”

                                                                                            Charles Baudelaire

Esse trecho que ilustra a abertura desse artigo foi escrito em 1857 e fazia parte do livro “As flores do mal” e causou um escândalo na época. Poetas são assim mesmo; eles conseguem ver além da realidade, e, normalmente, só são mesmo entendidos muito tempo depois. Portanto, se você achou que nosso poeta estava pregando a embriaguez pura e simples é um engano. Na verdade ele nos clama a trazermos alegria a nossa vida, já que sem ela, tudo fica realmente muito chato!

Hoje a ciência pode comprovar isso desde que passou a estudar o funcionamento do cérebro. Cada vez que sentimos prazer, e isso vai desde uma boa comida, um banho relaxante, sexo, etc, esses estímulos obedecem aos mesmos mecanismos de funcionamento, e são os mesmo circuitos cerebrais que estão em funcionamento, independente de onde eles vem, seja de um prazer gustativo, táctil, uma leitura, troca de afeto ou qualquer outro. O que realmente importa, é que ao chegarem ao cérebro esses estímulos produzem uma sensação de bem estar.

Além do relaxamento, tão importante para o descanso dos músculos e sistema nervoso as sensações prazerosas trazem o grande benefício de nos conectarem ao “agora” nos tirando das preocupações que não param de nos afligir, principalmente em relação ao futuro e que mantém nosso sistema orgânico em constante tensão. Estamos formando novas conexões cerebrais a todo o momento e criando novas. Tudo que repetimos reforçam as já existentes e, quando estamos tensos demais, vamos fazendo disso nosso jeito de ser, já que nossas percepções são sentidas pelas nossas conexões mais fortes.

Momentos de alegria e diversão podem ser encarados como verdadeiros remédios naturais que nos mantém saudáveis, então não fica difícil nós estabelecermos uma relação muito curiosa: nos desgastamos, trabalhando muito, nos preocupamos demasiadamente para chegarmos ao ponto de nos permitirmos esses momentos com mais frequência, de termos essa alegria, só que para isso, muitas vezes não nos damos o direito desse relaxamento, de simplesmente fazermos aquilo que nos dá prazer até que cheguemos a esse ponto. Estabelecemos que para podermos “relaxar” precisamos alguns números expressivos em nossa conta. A pergunta que fica é se mesmo quando esse valor estiver lá, finalmente descansaremos um pouco, nos permitindo “viver”, ou continuaremos com medo?

Hoje já sabemos que essas substâncias produzidas pelo cérebro durante os momentos de alegria (endorfinas e encefalinas) são as que nos permitem ver as “cores” da existência. Sem elas tudo seria cinza, exatamente como as pessoas com depressão definem como sentem a vida. Não existem remédios para isso, já que os antidepressivos apenas atenuam os sintomas mais graves desse processo e só mesmo uma mudança de atitude e novas maneiras de se encarar o dia-a-dia podem trazer uma cura, se assim podemos chamar.

Infelizmente buscamos essa alegria em atalhos que nos levam para lugares piores, como álcool, drogas e excesso de comida. O cérebro tem a plena capacidade de produzir essas substâncias agradáveis de forma natural, para isso basta apenas que nos permitamos, e para começar, respeitar nossos tempos internos também ajuda. Nossa cultura diz que todos temos que acordar cedo e trabalhar até o entardecer, mas já sabemos há tempos que cada pessoa tem um horário do dia em que é mais produtiva, também nos dizem quando devemos comer, dormir e qual o dia certo para descansar. Assim realmente fica difícil e não é a toa que a Organização Mundial de Saúde afirma que até 2020 a depressão será a doença que mais incapacitará as pessoas para o trabalho.

Sei que as coisas são como são e não estou dizendo que devemos abandonar tudo e viver de prazeres sem fim. O que estou dizendo, baseado nos estudos da neurociência, é que temos a obrigação, de em prol de nossa saúde, nos proporcionarmos bons momentos. Se você estiver esperando que alguém faça isso por você, esqueça!

O prazer indica que estamos bem! Tudo na sua hora, sem stress. No calor, uma sombra, na fome se permita comer o que realmente tiver vontade, mesmo que de vez em quando. Transgredir normas, pequenas, médias ou grandes, de vez em quando, não antecipará sua morte muito menos assegurará uma passagem sem volta para o inferno. Essa ideia de que devemos sofrer para nos purificar faz parte do conjunto de bobagens ainda não discutidas que vigoram por séculos.

Sempre que puder, aproveite de suas portas (cinco sentidos) e se beneficie de alegria e prazer. Faça das coisas inevitáveis que nos cansam, mas das quais não podemos nos livrar, aquilo que aumentará ainda mais sua sensação de alegria depois. Pesquisas mostram que a quinta-feira é o dia que as pessoas mais se sentem bem, afinal, o final de semana está chegando, já as segundas-feiras são recordistas em acidentes cardiovasculares, já que começa mais uma semana de tensão e problemas… Certa vez ouvi uma propaganda no rádio que dizia que, para o otimista, para cada cinco dias de trabalho tem dois de férias! Esse é um exemplo de reinterpretarmos as coisas, tornando-as mais leves. Como já escrevi anteriormente, só as pessoas realmente livres tem a capacidade de dar novos significados às situações.

Ninguém nasceu para sofrer, ou só para trabalhar de sol a sol. Nos fizeram acreditar nisso e olha como estamos. Veja uma criança e lembre que uma época você não precisava de quase nada para rir e estar bem! Nesse aspecto, é interessante observar que as pessoas dizem que a infância é uma ótima fase não porque se brinca, mas porque “não nos preocupávamos”!

 Nascemos para Ser, e isso inclui muita alegria, divertimento, trabalho, compromissos e prazer. Aliás, já reparou que tudo que é bom é pecado ou engorda?

Você pode estar dizendo que já sabe tudo isso, que já refletiu sobre o assunto ou leu em algum outro lugar. Só que se isso ainda não se transformou em atitude, significa que você não sabe nada!

Somos nossas atitudes, o resto é informação que se consegue até de graça, como nesse artigo, por exemplo…

Para saber mais: “A fórmula da Felicidade” Stefan Klein ed. Sextante

Espelho, espelho meu…

“A triste verdade é que a vida humana consiste num complexo de opostos inseparáveis – dia e noite, nascimento e morte, felicidade e miséria, bem e mal. Nem sequer estamos certos de que um prevalecerá sobre o outro, de que o bem superará o mal ou a alegria derrotará a dor. A vida é um campo de batalha. Ela sempre foi e sempre será um campo de batalha. E, se assim não fosse, a existência chegaria ao fim.”

C. G. Jung

Em alguns artigos anteriores passamos rapidamente sobre um importante assunto no que se refere ao autoconhecimento e vamos nos aprofundar um pouco mais nessa oportunidade. Esse assunto chama-se “Sombrae nos convida a reconhecer a abraçar nosso outro lado, afinal só assim poderemos nos perceber completos.

Tudo que recebe luz faz sombra. Se o Ego (face exterior) é a luz, a Sombra representa as trevas, e é isso que nos torna humanos, possíveis das maiores bondades e das mais cruéis perversidades. Se temos no ego essa imagem de perfeição que queremos transmitir para que nos sintamos adaptados e respeitados,  é na sombra que está o que não aceitamos em nós mesmos e que gostamos de ocultar – nossa agressividade, vergonha, inveja, raiva, etc. Como podemos concluir, nunca na verdade sabemos quem nos comanda, não é mesmo? Justamente por isso que a divisão (diabolos em grego) é nosso inferno, e evolutivamente buscamos a unidade (divinus) para atingirmos nossa completude.

Usamos muito sinônimos quando falamos dessa nossa parte tão desagradável: nossos demônios internos, luta contra o diabo, descida ao inferno, noite escura da alma e até de “crise da meia idade”, quando nos enfurecemos e ficamos “possuídos” fazendo e dizendo coisas nunca antes imaginadas nem mesmo pelas pessoas que nos conhecem desde sempre.

Portanto, a Sombra é nosso lado negativo, soma de todos os atributos que pretendemos esconder, já que se aparecerem oferecerão risco à imagem ideal que temos de nós mesmos e que desejamos que os outros também tenham. Lidar diretamente com a sombra é uma jornada que certamente leva a pessoa a patamares superiores e, realmente, nos transforma definitivamente.

A sombra começa a se formar na infância quando, principalmente a partir dos 2 anos, a criança começa a descobrir que, para conservar o amor de seus pais e outras figuras referenciais, precisa começar a esconder partes suas que eles não gostam. Quem já não ouviu essas frases entre tantas outras:

– Que feio! Você precisa aprender a dividir as coisas!

– Papai e mamãe ficam muito tristes quando você não fica quieto!

– Meninos não choram!

– Não é bonito agir assim!

Assim, vamos colocando todas essas partes nossas em um canto escuro de nossa psique, onde fica tudo que nos dizem que é “errado” e “feio”.  Aqui no ocidente, por exemplo, a cultura cristã jogou durante séculos a sexualidade na sombra de todos nós e o que vemos hoje é justamente uma exacerbada  sexualização em tudo (até em desenhos animados) porque nossa Sombra sempre está a nossa espreita para tomar conta de nós quando abrimos o flanco.

E como ela aparece, ou seja, como nos damos conta de nossa Sombra? Simples: sempre que estamos criticando alguém ou determinada situação! Em psicologia, Freud chamava isso de projeção, que acontece quando lançamos sobre as outras pessoas nossos conteúdos inconscientes. Nunca se esqueça: os outros são apenas espelhos nos quais nos vemos o tempo todo!

Imagino que você já deve ter comentado com algum amigo determinado “defeito” de alguém e esse seu amigo disse que isso não o incomodava. Mas afinal, porque incomoda a você e não a ele? Justamente porque esse “defeito” faz parte de você e não dele!

Quando, lá na infância, por exemplo, você foi reprimido(a) por não compartilhar seus brinquedos com o amiguinho e foi forçado a fazê-lo, seu egoísmo foi jogado na Sombra e é por isso que hoje um ato egoísta que você presencia causa tanta ira e, às vezes, uma reação desproporcional. Espero que esse exemplo ajude a entender a questão da projeção.

Para ajuda-lo a descobrir suas projeções e sua Sombra, faça o seguinte exercício:

Faça uma lista sincera de todas as qualidades que não aprecia nos outros (vaidade, ciúme, ambição, etc.). Quando sua lista estiver pronta (não se assuste se ficar muito longa, é assim mesmo), destaque as características que além de desagradar, mais repudia e despreza nos outros. Essa segunda lista será um relatório bem próximo da verdade sobre sua Sombra, quer você goste ou não, acredite ou não.

Evidente que nem tudo que criticamos nos outros são projeções nossas (a maioria é), mas sempre que nossa reação é demasiadamente forte é sinal de que algo foi mexido nas profundezas do nosso inconsciente. Fica fácil então perceber que quando estamos muito bravos com alguém, estamos dominados pela Sombra e não é a toa que precisamos pedir desculpas dizendo: ”perdi a cabeça e falei bobagens…” Na verdade, o que foi dito não foi pelo seu Eu de consumo externo, mas pela sua Sombra, e é o que realmente você pensa, só que se envergonha.

Outra oportunidade de nos conhecermos melhor em relação à Sombra é nos shows humorísticos e piadas. Quando todos riem e você não acha graça e ainda fica bravo, é sinal de que uma parte sua foi exposta pela piada. Já quando rimos muito, significa que a história fala da parte da nossa Sombra que gostaríamos de ser e não conseguimos, já que não combinaria com nosso Ego.

Mas como tudo tem dois lados, a Sombra também tem seu aspecto positivo. Quando admiramos determinadas qualidades em outras pessoas também estamos nos vendo no espelho. São potencialidades nossas que poderemos desenvolver se trabalharmos sobre elas. Isso acontece quando nos projetamos em ídolos, professores, artistas, etc. Assim também acontece nos relacionamentos afetivos, onde projetamos sobre o outro, e vice-versa, os atributos positivos inconscientes. É claro que, com o tempo, vamos nos “decepcionando”, que nada mais é do que descobrir que o outro (a) não é o que esperava, ou seja, igual a mim.

A Sombra é um assunto para um grande número de artigos, mas penso poder ter ajudado a ampliar sua percepção de si mesmo. Só as pessoas que trazem sua Sombra para luz é que conseguem seguir o preceito do “não julgarás”. Se minha Sombra estiver escondida, aparece o julgamento, se estiver consciente dela, ao invés da crítica, me solidarizo com alguém que sofre do mesmo mal que eu.

Tem um ditado popular que diz: quando apontamos um dedo para alguém, três apontam para nós.  Pura verdade, para o bem e para o mal!

E agora?

“Se você está realmente saudável e não sabe o que fazer agora, a vida perde todo o sentido. Quando uma sociedade é pobre ela é feliz, quando enriquece torna-se triste.”

Osho – O cipreste no jardim

Você já ouviu falar da angústia sem por quê?

Como psicoterapeuta já ouvi falar muitas vezes quando do meu primeiro encontro com muitos clientes. A história é mais ou menos essa, com poucas variações:

“Na verdade, não sei exatamente porque estou procurando uma terapia… Não tenho um motivo específico, nada de complicado está acontecendo. Tenho um bom emprego (ou sou meu próprio chefe), tenho família, filhos, um bom carro, casa própria. Mas sinto uma certa angústia, um vazio, uma tristeza sem motivo…”

Recebemos desde que nos tornamos mais ou menos conscientes, uma espécie de roteiro de felicidade que vem pelo meio cultural, família e, é claro, pela mídia do que é necessário para sermos “felizes” ou sermos reconhecidos como pessoas bem-sucedidas e respeitadas. O que vimos acima é esse roteiro e o que acontece é que quando atingimos as metas estipuladas ficamos esperando que essa “felicidade” chegue, junto com a tranquilidade e a segurança de nos sentirmos fora de perigo.

A questão fundamental é justamente que essa felicidade não está relacionada diretamente a atingirmos as metas materiais ou sociais, mas a vivenciarmos nossos talentos de alguma forma. Enquanto estamos na busca desses objetivos tudo vai bem, afinal estou imaginando que quando cruzar a linha de chegada estará esperando por mim tudo que me foi prometido. Só que, para aqueles que chegam (e isso está acontecendo cada vez mais cedo), onde está a recompensa?

Evidentemente que o conforto material é bom, nos proporciona oportunidades e tudo mais, mas então qual a razão de pessoas abastadas economicamente se sentirem angustiadas?

A resposta é que elas não estão vivendo suas “vocações”, aquele talento com que todos nascemos e que, quando colocado em prática, mesmo como um passatempo, nos preenche e faz todo o resto (que não traz tanta alegria assim) ser encarado com naturalidade. Nenhuma pessoa nasceu sem um dom especial, e é essa vivência que trará o que nos disseram que viria quando cumpríssemos a lista de bens e ações exigidas pelo status quo. O ser humano, como parte integrante da natureza, precisa estar sempre em evolução, buscando algo, tendo um objetivo a atingir, se realizando de alguma forma. Assim como podemos observar em qualquer fruto, quando termina o crescimento, imediatamente chega a morte…

Só os animais ditos irracionais é que vivem apenas para “sobreviver”, para nós, humanos, espera-se mais!

Muitas vezes, fico me perguntando se esse número crescente de doenças autoimunes, ou seja, produzidas pelo nosso próprio organismo, não seriam um sinal de que não estamos fazendo o que deveríamos fazer? Não há nada de errado em cumprirmos esse script, mas se ele não está nos preenchendo, nos realizando, porque não abrirmos espaço, iniciando nossa busca a fim de descobrirmos em que somos realmente bons?

Lembre que não precisa ser nada de espetacular, de grandioso ou inédito. Precisa apenas fazer sentir-se bem! Desde qualquer atividade artística, manual, esportiva ou mesmo solidária, mas que faça você perder a noção do tempo enquanto pratica.

Quanto mais conforto obtemos, mais focamos nossa força em querer mais esperando que o momento da tranquilidade chegue no próximo carro, na reforma, no título que melhorará nosso currículo, etc.

Desista, não é isso!

Não é tão difícil encontrarmos pessoas realmente felizes, mas independente de sua posição financeira, o que elas têm em comum é essa vivência, esse sentir-se “inteiro”, em paz consigo justamente por estarem sendo e vivendo, mesmo que em períodos curtos, sua verdadeira natureza. Imagine então quem faz do seu talento seu trabalho? Essas pessoas realizam suas atividades com alegria e o sucesso financeiro é sempre uma consequência. São pessoas realmente ricas, já que estão felizes com o que possuem, mesmo querendo avançar financeiramente (que é normal), não fazem disso a razão de sua atividade.

Portanto, se você, caro leitor (a) está nessa corrida, proponho um pit stop para refletir se seu trabalho ou estudo está lhe levando a essa realização, ou a ser mais uma vítima do “conto da felicidade” que continua levando alguns a terem crises, ficarem doentes, depressivos, angustiados, comendo e bebendo em excesso, etc.

Caso se descubra seguindo nesse roteiro, que não terá um final feliz, pense no que gostaria de fazer, seja como trabalho ou divertimento, que traga alegria e uma realização pessoal (nessa hora, por favor, não se preocupe com que os outros vão pensar) e traga um tempero agradável a sua vida!

Quantas pessoas conhecemos que passaram por crises agudas, doenças graves e que depois desse evento mudaram completamente suas vidas e hoje estão plenamente adequadas e alegres? Elas entenderam a mensagem da doença e fizeram as correções de rumo necessárias. Outras não tiveram a mesma sorte e fica a questão se não é essa a diferença entre os que se curam e os que perecem?

Não espere que seu corpo mande um doloroso aviso de infelicidade; traga alegria, divertimento e faça o que lhe faz bem!

Quando nos perdemos…

    “Tem uma pergunta que me inquieta: o louco sou eu ou são os outros?”

Albert Einstein

 

 

Talvez tenhamos nos perdido quando nos expulsaram do paraíso por termos comido do fruto do conhecimento. Ao me ligar ao “mental” e transitório perdi o contato com a unicidade do divino. De lá pra cá, fico buscando a paz no conflito diabólico do que vejo e me obrigam a acreditar e do que sinto, mas que me dizem que não existe…

Talvez tenhamos nos perdido quando acreditamos que nosso amigo invisível (para os outros) da minha infância não existia, mas como? Se eu o via e falava com ele?

Talvez tenhamos nos perdido quando deixamos de ser crianças, quando víamos sentido em tudo sem nos preocuparmos com o certo e errado. Quando nos permitíamos sermos verdadeiros e não fazíamos concessões, afinal não tínhamos medo de não sermos amados, porque não víamos maldade nas pessoas.

Talvez tenhamos nos perdido nessas confusões que nem nos damos conta; quando lemos que Jesus teria dito que só as crianças merecem o reino dos céus, mas todos ao meu redor dizem que preciso ser um adulto responsável e, portanto, preocupado e angustiado… Quando na escola e na igreja dizem que somos todos iguais e vejo meus ídolos cheios de preconceitos e me cobrando que seja como eles, afinal isso é certo! Quando me dizem que devemos trabalhar em conjunto e depois me dizem que o mundo é competitivo e escasso, que se não chegar na frente, me faltará comida e abrigo. Mas se isso for verdade, não somos irmãos, mas competidores…

Talvez tenhamos nos perdido quando, na Idade Média quando as bruxas e os magos que sempre fomos, foram queimados porque viam uma ligação em  tudo que os rodeava e os papas e cardeais diziam que nosso Deus traçava nosso destino à revelia de nós mesmos e que só existia uma verdade…

Talvez tenhamos nos perdido quando acreditamos que o mundo tem fronteiras e milhões morrem lutando para manter essas divisões que só trazem sofrimento e separatividade. Quando aceitamos as barbáries das religiões passivamente porque devemos respeitá-las. Perdemos a nós mesmos quando acreditamos que possa existir só uma maneira de se viver e que quem não acredita na minha, está errado.

Nos perdemos quando não temos paciência de fechar os olhos e encarar nossos fantasmas, achando que todas as saídas estão do lado de fora, e não paramos de buscar essas soluções em uma ânsia sem fim.

Nos perdemos quando precisamos anestesiar a infelicidade, achando que uma dose, um doce ou algum remédio milagroso me trarão a paz que procuro.

Nos perdemos quando achamos que tudo pode ser adiado; uma visita, uma viagem, um abraço e um reencontro. Mesmo na eternidade não há tempo para tudo, meu egocentrismo nega a verdade de que são minhas escolhas que fazem minha estrada, me fazendo crer que tem “alguém” que guia meus passos e que sabe para onde está me levando.

Nos perdemos quando nos ensinaram que só a ciência é verdadeira, já que pode ser “comprovada”, quando crio ídolos humanos perfeitos. Galileu em sua genialidade dizia que os cometas eram apenas ilusão de ótica e hoje morremos de medo de que uma dessas ilusões nos destrua. Ele estava errado! A gramática e as metas da ciência são incompatíveis com certa espécie de verdade. Há níveis de realidade que são por demais misteriosos para o bom senso científico. A própria física que tem se encontrado com a filosofia demostra que o visível é apenas 1% da realidade que vemos. Continuamos perdidos preferindo desacreditar no 99% que os poetas, crianças e sábios povos primitivos habitam.

Nos perdemos quando perdemos a capacidade de me observar no outro, apenas me preocupando em criticar o que vejo nele e não gosto de lembrar que também sou, mas quando não percebo que tudo que admiro também é meu e ele está me mostrando para onde devo rumar.

Nos perdemos quando não observamos nosso corpo, que, cuidando da nossa evolução, nos diz que não estamos felizes e fora de rota através dos sintomas que insistimos em negar ou amenizar, persistindo um trajeto imposto de fora para dentro e que nem percebemos que não escolhemos.

Nos perdemos quando não assumimos que somos inigualáveis, e anulamos o que temos único para sermos iguais, padecendo da doença da normalidade que nos faz um rebanho. Pensando assim, precisamos mesmo que alguém nos conduza.

Nos perdemos quando temos medo de assumir as consequências de sermos livres e vivemos um roteiro e não é a toa que precisemos de muitos personagens para seguir passando pela vida sem viver.

Nos perdemos, como diziam os antigos gregos, quando não nos “espantamos” mais com as belezas e os milagres que passam diante de nós todos os dias porque estamos vivendo uma rotina doentia que não nos levará a nenhum lugar, a não ser a um médico e uma farmácia, justamente por vivermos dormindo quando deveríamos estar acordados para apreciar.

Nos perdemos quando reverenciamos homens que pregaram a liberdade de sermos quem somos aos domingos e, no demais dias, nos anulamos seguindo os conselhos dos que se dizem representantes deles…

Enfim…
Vivemos todos com medo, medo de não sermos amados, reconhecidos, acarinhados, protegidos, de perdermos as pessoas que amamos, de passarmos fome, etc. Mas é normal, afinal sempre é o medo o sentimento que temos quando estamos perdidos…

TIMIDEZ

“Toda vez que te olho

Crio um romance.

Te persigo, mudo

todos instantes.

Falo pouco pois não

sou de dar indiretas.

Me arrependo do que digo

em frases incertas.

Se eu tento ser direto, o medo me ataca

sem poder nada fazer.

Sei que tento me vencer e acabar com a mudez

Quando eu chego perto, tudo esqueço

e não tenho vez.

Me consolo, foi errado o momento, talvez

Mas na verdade, nada esconde essa minha timidez…”

Timidez – Biquini Cavadão

                                                                                                                                                                 

Para falarmos sobre a timidez, precisamos, em primeiro lugar, definir o que em conceito psicológico é a personalidade. É, pela personalidade, que nós incorporamos todas as nossas experiências (tudo que vivemos) com os significados que nos deram e como aprendemos a reagir a cada situação. Entende-se a personalidade como sendo uma parte biológica e outra vivenciada com as respectivas emoções. Para dar um exemplo, é como uma forma de bolo (parte biológica) com a massa do bolo que, dependendo da maneira que será feito, terá texturas e sabores diferentes (experiências de vida).

Evidente que podemos falar de uma série de tipos de personalidade que, dependendo do enfoque se divide de várias formas, mas aqui, quando falamos de timidez vamos simplificar em apenas duas: os introvertidos e os extrovertidos, entendendo-se desde já, os tímidos como fazendo parte do time dos introvertidos.

Buscando simplificar o entendimento, poderemos conceituar o introvertido como aquela pessoa que orienta seu foco de atuação na vida para dentro de si, vendo tudo por um ângulo sempre subjetivo, ou seja, interpreta tudo além da percepção ordinária dos cinco sentidos, característica essa das pessoas extrovertidas. Não é a toa que, a maioria dos artistas tem personalidade introvertida. Dando mais um exemplo, o introvertido com sua subjetividade cria uma obra de arte, como um poema, e o extrovertido tem mais facilidade para declamá-lo em público.

Um dos motivos de grande parte dos introvertidos serem mais “fechados (as)” é o fato de possuírem uma subjetividade que procura por uma realidade ideal, diferente da vivenciada pela experiência cotidiana, e isso pode trazer aquela percepção de afastamento e profunda interiorização. Assim, para o tímido não é fácil captar novos amigos, por outro lado os mantêm com mais facilidade, já que sua maneira de ser o torna um bom ouvinte e uma pessoa com capacidade de entender os sentimentos do outro, que sempre são subjetivos.

A timidez torna a pessoa sempre temerosa da opinião dos outros sobre ela e, para não correr o risco de não gostarem dela ou acharem isso ou aquilo ela busca o afastamento. Dependendo do caso, essa é a causa mais profunda da ansiedade que elas sentem em lugares com mais pessoas. O tímido fica sofrendo, imaginando (sempre negativamente) o que todas aquelas pessoas estão pensando dele (a). Alguns preferem nem comemorar aniversário ou outras datas, já que se sentem constrangidas em estarem no centro das atenções e dos olhares e o que é ainda pior; todas as pessoas teriam a possibilidade de interagir e essa perspectiva para a pessoa introvertida é assustadora!

Basicamente, poderemos definir três grupos distintos, mas inter-relacionados de pessoas tímidas: medo da exposição e serem motivo de chacota e rebaixamento, com medo de passar vergonha em público e com medo de falar algo errado.

Pesquisas* mostram que para as pessoas tímidas algumas situações em presença de outras pessoas podem ser dificílimas e as principais são: falar em público (73%), conversar com alguém que deseja afetivamente (64%), conversar com pessoas que ela entende superior por algum motivo (55%), falar com qualquer pessoa estranha por menor que seja o motivo ou situação (50%) e diante de alguma situação nova (48%). Assim, para os leitores que tiveram oportunidade de ler os artigos sobre ansiedade, fica mais fácil entender que o medo projetado diante de qualquer das situações acima é, para a pessoa introvertida, um obstáculo realmente intransponível. Muitas vezes sou procurado para ajudar pessoas a enfrentarem situações como as descritas acima, que vão desde apresentar trabalho em grupo ou diante dos colegas, um trabalho de final de curso universitário, ou mesmo se aproximar de alguém que interessa afetivamente. Na maioria dos casos, a pessoa tímida tem certeza de que não conseguirá se fazer entender, ou que cometerá erros que farão os demais terem uma opinião negativa sobre ela.

Esses mesmos estudos demonstram que as pessoas do tipo introvertido ficam em média mais horas nas internet, principalmente nas redes sociais e sites de relacionamento. Não é difícil entender o porquê disso, afinal estar atrás da tela do computador traz uma proteção e diminui em muito a ansiedade sobre o outro, além é claro do anonimato que, por proteger a identidade social, facilita uma manifestação mais verdadeira, sem o medo do julgamento alheio.

Também é importante lembrar que a timidez, de certa forma, serve como um mecanismo de defesa que permite a pessoa avaliar toda e qualquer nova situação com muita cautela, só que essa resposta ao novo sempre pode vir em forma de fuga ou de negação, afinal é comum nesse tipo de maneira de ser estar decepcionado porque o mundo externo não atinge sua expectativa interior.

Quando os exames de imagens ficaram disponíveis, as pesquisas mostraram que as pessoas tímidas tem uma função maior do lado direito do cérebro enquanto as mais extrovertidas tem o lado esquerdo mais ativo. Como sabemos, o lado direito do cérebro é mais voltado ao pensamento subjetivo, intuitivo e artístico, enquanto o esquerdo é mais lógico e racional.

Alguns introvertidos, movidos pelo medo da exposição, apresentam manchas vermelhas no rosto e pescoço ou simplesmente ficam “vermelhos”, que nada mais é do que a manifestação física do sofrimento interior que eles estão passando. Nessa hora é sempre bom lembrar que, de alguma forma, todos já passamos por situações que nos deixaram corados de vergonha. Pense o motivo dessa reação. Não seria porque essa situação o deixou mais exposto, sem a máscara que todos criamos para sermos bem aceitos e termos certo controle sobre o que as pessoas pensam de nós? Mesmo uma simples queda na rua, um elogio inesperado, uma palavra dita errada diante de um grupo, etc. nos deixam “nus” e a timidez aparece.

 Nos casos mais extremos temos a chamada “fobia social” que impede a pessoa de, mesmo sendo introvertido, ter uma vida minimamente saudável nesse aspecto, necessitando, portanto, de tratamento adequado. A pergunta que se pode fazer então é: quando a pessoa precisa de alguma ajuda terapêutica ou médica? A resposta é simples; quando sua introversão trouxer um sofrimento e perda de qualidade de vida.

Todos nós temos facilidades em alguns aspectos e dificuldade em outros. Ser introvertido não quer dizer uma timidez generalizada, mas forte demais em alguns pontos, principalmente no contato com tudo que gere expectativa e falta de controle da situação. A pessoa tímida trabalha com uma “certeza” negativa dessas situações que sempre geram stress de alguma forma. Porém é nessa interiorização que encontramos a maioria das formas de arte e expressão. A introversão, quando na medida certa (se é que podemos assim dizer), pode dar uma compreensão do mundo mais profunda, indo além do que simplesmente se percebe pelos meios mecânicos dos sentidos.

O importante é lembrar que a introversão não é uma condenação a que estão expostos os tímidos, mas algo que pode ser melhorado e muito com disposição e, quem sabe, uma ajuda terapêutica. Caso sua introversão ser em apenas algum aspecto da vida, é sinal de que pode ser melhorada, afinal em outros pontos isso não acontece. No caso de ser generalizada, avalie os prejuízos e lembre que o ser humano se caracteriza por ser sempre uma possibilidade em aberto e não há nada que não possa ser modificado.

O introvertido ou tímido “sente” a vida de forma mais intensa, elabora significados para tudo e leva a emoção muitas vezes onde o extrovertido nada vê. Como no exemplo que demos acima, enquanto o introvertido se emociona com a música e busca interpretar a letra fazendo paralelos com sua vida e outras situações enquanto no mesmo momento o extrovertido aproveita a melodia para dançar… Não existe certo e errado, afinal o que seria da arte se não houvesse quem dela se aproveitasse da beleza e do significado? Leonardo da Vinci disse certa vez que a arte existe apenas porque temos dois tipos de pessoas; os que criam e os que a apreciam e a julgam bela.

*Ballone GJ – Personalidade introvertida e timidez.

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