A VONTADE

   “Somos dominados por tudo aquilo com que nos identificamos. Podemos dominar e controlar   tudo aquilo com que nos desindentificamos.”

                                                                Roberto Assagioli.

Para a psicossíntese* a vontade não é um atributo disponível facilmente para quando precisemos usa-la. Na verdade, é considerada uma força que guia nossa intuição, impulso, emoção, imaginação, sensação e pensamento em direção a objetivos imediatos e transcendentes. Isso quer dizer que a vontade é um atributo do Self, ou seja, de nossa porção conhecida por Eu superior, não ligada ao corpo físico. Nessa hora torna-se importante diferenciar vontade de desejo. Desejo é emoção, impulso instintivo, mais ligado ao biológico, ao eu pessoal ou inferior.

Dentro desse enfoque, a vontade é a força central da nossa individualidade e precisa ser descoberta dentro de cada um para poder se falar em autoconhecimento. É no exercício da vontade, e não dos desejos, que realmente colocamos nosso verdadeiro Ser em ação. É a vontade que nos faz querer, muitas vezes, além da própria razão, que nos faz acreditar algo ser possível quando para os demais não é. Portanto, só pode ter esperança (nunca deixar de ter atitude em busca de algo), quem tem uma vontade forte. E justamente por não estar ligada ao corpo físico e sua sobrevivência, que a vontade é uma força transhumana em minha opinião. Não é uma satisfação de um desejo, mas a conquista de um sonho ou objetivo!

A verdadeira liberdade do ser humano é seu poder de escolha, e isso precisa incluir sua interpretação dos acontecimentos. Para isso é necessária a vontade, e é só com ela que poderemos nos libertar dos paradigmas e condicionamentos que nos aprisionam, nos proporcionando a oportunidade de realmente podermos dizer que “vivemos nossa própria vida”. Só a vontade, portanto, pode vencer o medo e a insegurança que nos impedem de evoluir, diante dos obstáculos naturais do crescimento.

Dentro desse raciocínio, enquadro a vontade como pré-requisito para a determinação e a confiança. Portanto, caso você esteja esperando um dia acordar com “vontade”, “confiança”, ou sentir uma forte “determinação” para dar o passo que falta, lamento informar que isso nunca vai acontecer. Por ser um atributo superior, a vontade só pode ser exercitada diante do medo e da insegurança que são atributos inferiores, como já frisei, ligados ao físico. Não dá para chegar ao segundo andar sem subir as escadas que estão no primeiro andar. No caminho evolutivo não tem elevador nem milagres. Se existissem, isso seria uma injustiça aos que se dispõem a avançar e não existe injustiça na “Lei” que rege a existência.

Para Assagioli, a vontade é uma experiência direta, portanto indescritível, acima da multiplicidade. Não há como falar da vontade, por ser superior, em palavras que reduzem significados. É como querer explicar a cor verde a um cego, por exemplo. Para ele, a vontade tem uma polaridade masculina (assertividade, agressividade e controle) e uma feminina (aquiescência**, complacência e dedicação). Como tudo que contém em si em igual força o masculino e feminino, a vontade é completa em si mesma, demonstrando seu caráter superior.

Assim, é a vontade humana que nos permite direcionar nossa vida (não existe destino), e se, certas situações estão fora de nosso controle, poderemos escolher como enfrentá-las; seja com coragem ou medo, alegria ou tristeza, tranquilidade ou desespero. Uma se escolhe (superior) a outra é automática (inferior), já percebeu?

Em interessante artigo sobre a vontade, Marina Pereira R. Boccalandro***, afirma que, “…como as animais são mais livres que os vegetais, porque podem mover-se no mundo físico, os humanos são ainda mais livres porque podem mover-se no mundo das ideias. O sistema nervoso humano está capacitado para ser o menos previsível de todas as espécies. Muitas vezes podemos agir automaticamente, seguindo velhos hábitos, mas podemos também inventar, criar e modificar não só os comportamentos, como também o nível das ideias dentro das artes, ciências, filosofia, religião e tantas outras áreas.”

Nesse ponto, me sinto à vontade e, sem constrangimento, para me opor a Descartes com sua famosa frase “Penso, logo existo”, já que esse “pensar” muitas vezes é automatizado pela programação a que estamos sujeitos e dos desejos, sempre ligados  a necessidade de alguma satisfação imediata. Pensar, em minha opinião, não é, necessariamente, “existir”, já que ninguém tem controle sobre seus pensamentos. Insurjo-me a redefinir a famosa frase para: “Tenho Vontade, logo existo!”.

Assim, se sua Vontade anda em baixa, pode observar que sua vida também não está em bom momento, ou “tudo vai indo”…

Todos temos um dom que é necessário ser vivido para que possamos nos tornar realizados e felizes, e se não cumprimos essa missão nos tornamos mais sofridos. Para a maioria das pessoas, viver esse talento só é possível com o exercício pleno dessa vontade que está acima de tudo que nos mantém estagnados, vencendo até mesmo os próprios preconceitos contra aquilo que gostamos em nós mesmos. Essa mesma vontade é a que, por exemplo, supera diagnósticos médicos, levando a sobrevida por objetivos superiores e que deixa a ciência sem explicação, ou mesmo quando alguém faz um “milagre” que podemos dizer, porque não, como um pleno exercício da vontade. Afinal, só com uma força acima do humano se pode agir como um deus.

Para Willian James, a vontade é um ponto central por onde a ação significativa pode ocorrer. Para ele, é a vontade que mantém  uma escolha entre alternativas o tempo suficiente para permitir que a ação ocorra. Isso é muito interessante, já que podemos interpretar esse pensamento da seguinte forma: Tenho vontade de algo, e preciso mantê-la firme, enquanto ela caminha ao lado do medo e da dúvida (certo ou errado), até que minha ação se manifeste no sentido de por em prática a ação necessária. É outra maneira de ver, mas de acordo com o que já foi dito anteriormente. Interessante lembrar que muitas pessoas auto-realizadas, que atingiram grandes objetivos pessoais, relatam que não “pensaram” muito para fazer o que fizeram. Isso mostra que o pensamento, muito ligado aos condicionamentos, é inimigo da vontade, estando ela, realmente, em nível acima do que é normal. Por isso, só pensar está longe de “existir”.

Portanto, a vontade como qualidade é necessária ser trabalhada, como tudo que queremos desenvolver, mas nunca se deve esquecer seu caráter superior, ou seja, que não é algo que se conquista facilmente sem esforço. Precisa se querer muito, e sempre!

Maslow, famoso psicólogo transpessoal disse certa vez que “se você deliberadamente planejar ser menos do que você é capaz de ser, então eu o previno que você será profundamente infeliz pelo resto de sua vida.”

Não é uma condenação, mas uma constatação de que sem a vontade, a evolução ou felicidade não é possível.

Afinal, já que me dei ao direito de enfrentar Descartes, posso lhe perguntar:

                                                     Você Existe?

______

*Psicossíntese – A Psicossíntese ajuda ao entendimento e ao controle dos problemas, à melhoria dos relacionamentos, à compreensão das potencialidades criativas, à contribuição interior para um amplo contexto social e planetário e, ainda, à busca do significado e finalidade da vida. Isso leva ao reconhecimento daquilo que é básico na natureza transpessoal ou espiritual de cada ser humano, sugerindo que esse auto-controle começa com o auto-conhecimento e a auto-compreensão. A Psicossíntese utiliza princípios e técnicas relevantes da consciência pessoal de forma a proporcionar uma abordagem holística centrada no crescimento e desenvolvimento humanos. Foi criada pelo psiquiatra italiano Roberto Assagioli.  Fonte: Wikipedia

** Aquiescência- Estar ou pôr-se de acordo. Dicionário Caldas Aulete.

*** Livro “Espiritualidade na Prática Clínica” ed. Thomson

 

 

 

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