A utilidade da Morte

“Lembra-te do teu Criador nos dias da mocidade, antes que venham os dias da desgraça e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho mais prazer. Antes que o pó volte à terra de onde veio e o sopro a Deus que o concedeu.”

Eclesiastes, 2ª parte, capítulo 12, 1-7 , Bíblia de Jerusalém.

Falar sobre a morte é sempre difícil e dizer que ela pode ser útil, talvez seja uma ousadia. Não é o tipo de assunto que se esgote em um artigo, mas de qualquer forma, quero abordá-lo sob um ângulo em especial.

A morte, ou uma das perguntas sem resposta, “para onde vamos” é um dos enigmas insondáveis do homem e essa questão nunca será esclarecida e o modo que lidamos com ela é, sem dúvida, muito estranho. Sabemos (em tese, já que não agimos assim), que a morte pode chegar a qualquer momento, sem nenhum respeito a qualquer ordem específica; crianças, adultos, velhos, ninguém tem nenhum controle sobre ela. Alguns pensadores, dizem até que passamos nossa vida inteira fugindo dela ou nos preparando para tentar vencê-la. Para isso, servem os “planos” para a velhice, poupança para os momentos de necessidade e, é claro, os planos de saúde, que na verdade são de doença, para termos os hospitais e médicos aptos e não deixarem que ela chegue.

Apesar de todos dizerem que a morte é certa, nossas atitudes demonstram que a ignoramos completamente, uns por medo, outros por negá-la. Digo isso, porque temos em nossa vida uma série de adiamentos de toda a ordem como se tivéssemos a certeza de que não morreremos. Não há nada de errado em fazermos planos, mas alguns deles, contam com tantos anos de espera, que chega até ser uma desculpa para não fazermos esse ato. Desde uma simples viagem, até algum reencontro ou mesmo alguma experiência pessoal, tudo pode esperar o famoso “momento certo”.

Como a questão do que é morrer está nos domínios da fé, ou seja, acreditamos em alguma teoria, mas não temos nenhuma comprovação, penso ser importante que toda pessoa tenha a sua teoria, que pode ser de alguma religião, filosofia, ou mesmo a sua própria, inédita ou uma mistura de várias outras. Tanto faz, o que realmente importa é termos uma ação na vida baseada no que entendemos da morte. Só assim ela pode nos ser útil.

Pouco importa se você vai para algum julgamento e depois sentar-se à direita (ou será esquerda) do seu deus, se irá para algum umbral ou mesmo passar quarenta e nove dias avaliando suas boas e más ações para depois nascer de novo, o que precisamos é entender que, de alguma forma, essa vida terminará. Assim devemos fazer dela algo útil, divertido e, mesmo os momentos de tristeza devem ser relevados, afinal tudo vai mesmo passar de alguma forma.

Certa vez uma mestre Zen disse que, para acabar com o sofrimento é preciso entrar em contato com o mundo do não-nascimento e da não-morte. Indagado pelo seu discípulo onde seria esse mundo do não-nascimento e da não-morte, ele respondeu: Ele está bem aqui no mundo do nascimento e da morte. Isso quer dizer que é possível ingressar no mundo do não-nascimento e da não-morte através da prática de viver conscientemente a cada momento da vida. Para isso é fundamental levarmos em consideração o fato de que poderemos morrer a qualquer momento!

Para monge e escritor Thich Nhat Hanh, o bom teólogo é aquele que não diz nada sobre Deus, embora a palavra teologia signifique “discurso sobre Deus”. Como escrevemos no artigo anterior, não se deve falar muito o sobre o que não se sabe e acredito que deve se tratar da morte da mesma forma. É simplesmente um evento, que faz parte da vida, sobre o qual nada se sabe.  Muito do desespero que se tem nas perdas, advém não só da ideia de que não se verá mais essa pessoa, mas por também não sabermos o que é isso, que pode a qualquer momento retirar do nosso convívio, seja do jeito que for, pessoas queridas. A falta desse entendimento é a base do medo e do desespero diante da morte.

É sempre bom pensarmos até que ponto estamos, direta ou indiretamente, pautando nossa vida pela morte. Chega-se até a querer relacionamentos para, caso nos “aconteça alguma coisa”, tenhamos alguém para nos socorrer!

Não seria lícito pensarmos o seguinte: a melhor forma de enfrentarmos e até de vencermos a morte é vivermos uma boa vida! Independente de recursos financeiros questione-se sobre isso: Os frutos do seu trabalho estão esperando pela morte, ou estão à disposição da vida? Lembre que o futuro pode até ser planejado, mas ele na realidade não existe, já que são tantos fatores aleatórios e que operam além de nós que devemos saber que tudo pode ser de outro jeito e, quase sempre é assim.

Uma das melhores definições da morte e que faz parte da minha teoria é do filósofo grego Epícuro. Dizia ele: Não temo a morte, afinal quando estou ela não está e quando ela estiver, eu não estarei mais.

Nem eu nem você sabemos o que vai acontecer depois e isso na verdade não importa. Na hora certa saberemos se continuaremos vivos de alguma forma ou se tudo será uma profunda escuridão. Até que essa pergunta seja respondida pela sua própria experiência, lembre-se de cumprir essa etapa que faz parte da eternidade da melhor maneira que puder. Nada contra ser previdente, desde que, procure evitar seus adiamentos. A vida é agora, e a morte é depois.

Faça, portanto, do fato de você e todos que você conhece morrerem em algum momento, algo extremamente útil para que se viva melhor, muito melhor nesse exato instante!

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tiago motta
tiago motta
11 anos atrás

Puts não tem nem o que falar,muito bom o texto quem consegue aceitar a presença da morte tanto quanto a vida nunca deixa o hoje para depois. Parabéns pelo blog esse é de utilidade pública .

Maria Inês
Maria Inês
11 anos atrás

Realmente é um assunto bastante complexo. Sabemos que a morte é uma realidade para todos nós, no entanto, sofremos bastante quando adoecemos ou perdemos um ente querido e, muitas vezes, desviamos o assunto. É o desconhecido assustando nosso ser. Particularmente prefiro encarar como mais uma etapa e sem ficar pensando quando será. Desejo viver o agora da melhor forma possível.

Antonio Carlos Braga
Antonio Carlos Braga
11 anos atrás

Não tem como viver sem crenças e teorias, portanto acredito como um físico quãntico que não me lembro seu nome que nosso corpo é! (A projeção de nossa consciência) e consciência é energia que permanece assim chego em São Francisco com a (idéia de que morrer é nascer) e na terra em Lavoisier em (tudo se transforma) na terra em vidas diferentes.

Marinei
Marinei
11 anos atrás

É concebível a ideia assustadora da morte, já que desde os tempos mais remotos a igreja pregou a morte com conceitos sombrios, pois todos seriam julgados ao morrer. As passagens bíblicas, as imagens pintadas nas paredes das igrejas, principalmente na idade média, onde o analfabetismo era em massa, um retrato de uma morte que traria, após o julgamento, o o paraíso ou o sofrimento eterno. Como diz a música de Pitty: quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra! E assim o temor se espalhava, já que os tetos eram de vidros frágeis! Quantos anos já se passaram para que algumas mentes ousadas percebessem que é possível ver com outras lentes a morte!

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