Arrume seus armários

   “Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida.”

                                                            Fernando Pessoa

mudança

Mudanças são difíceis e, na maioria das vezes, ocorrem sem nossa concordância; são necessidades impostas pela vida. Portanto, a famosa frase “resistir a mudança” tem sua lógica. Nosso instinto de sobrevivência quer a manutenção do que nos mantêm vivos, afinal, estar vivo é uma pré-condição da almejada felicidade poder ser alcançada.

Uma mudança, seja ela imposta ou escolhida sempre será um processo de alguma dor, ou como dizia Nietzsche, de “rasgar a alma”. Isso porque, saímos do terreno conhecido em direção a essa nova etapa que não controlamos (por ainda não termos vivido algum tempo nela), com o receio que nossa máquina corporal nos impõe sempre que estamos diante do que não conseguimos prever; o medo.

É justamente aí que reside a origem e a necessidade de todos os deuses e superstições: uma mão forte diante do medo do desconhecido e de um mundo repleto de acasos e variáveis que escapam à nossa lógica e compreensão.

Assim, diante de uma mudança necessária (as desnecessárias adiamos até se tornarem imperativas), ficamos à espera de uma força que nos anime para adentrar nessa selva desconhecida. Vale fazer uma promessa, beijar a medalhinha do santo protetor e confiar no apoio do Grande Pai, que sempre sabe o que faz e quer o nosso bem. Então, munidos dessa “força”, respiramos fundo e vamos adiante, seja para uma cidade nova, um relacionamento, um novo projeto profissional, um regime ou abandonar velhas rotinas que já não servem mais.

Nossa realidade externa sempre é reflexo do nosso interior, da ordem e desordem emocional que estamos vivendo. Esse conceito não é novo, frequenta a filosofia de autoajuda faz tempo e nos serve muito, quando estamos falando de processos de mudança.

Como já tive a oportunidade de escrever em outros textos, ansiamos por estarmos emocionalmente aptos a enfrentar esse processo de ir em direção a uma nova realidade. Queremos estar animados para o novo começo e isso não é possível, como expliquei acima. O máximo que se consegue, quando a mudança pode representar o fim de uma longa agonia é uma alegria misturada com tensão, que é esse medo diante do novo. Dizemos a nós mesmos: “Vai dar certo, eu sei !”

Não, não sabe. Se soubesse não precisaria estar repetindo segurando a medalhinha. Lembrando que “fé” é acreditar no que não sabemos.

Voltando ao começo desse texto, digo que a saída é a seguinte: se não tem como termos essa alegria/força/ânimo puro, diante do que nos espera, então, como fazer?

A resposta é simples, faça “por fora”, ou seja, mesmo a confiança e a certeza estando ausentes, tome as atitudes (ações) que representem que essa mudança já está em curso e sendo bem-sucedida. Mudando nossa realidade externa, nosso interior acompanhará essa mudança.

Tudo que esperamos que venha de dentro nunca é algo que sentiremos antes, mas somente depois. A “confiança”, qualidade aspirada por muitos, sempre é resultado de atitudes que deram certo. As primeiras, normalmente acompanhadas do medo. Por isso, não tem como se sentir confiante sem ter feito ainda. Parece óbvio, mas está longe de ser.

A “alegria” é sempre depois, nunca antes. É resultado de algo que aconteceu e ninguém fica alegre por algo que acontecerá, visto que isso está no futuro, sujeito a variáveis que podem não resultar no que se espera. Nesse caso, chamamos de “esperança”, sempre acompanhada do medo de não se concretizar.

Portanto, qualidades são depois, resultado de ações que tomamos sentindo receio e cheio de dúvidas. Em toda história de sucesso, sempre encontraremos no começo do relato o momento em que um grande risco foi corrido. O orgulho de quem conta a história nem é do resultado em si, mas de ter vencido a angústia diante da possibilidade de naufragar.

Dificilmente quem está em desordem interna, seja pelo que for, estará com suas coisas pessoais arrumadas. Nós e o mundo somos uma só coisa, indivisível. Justamente por isso, como já disse, o mundo precisa ser um caos. Temos oito bilhões de “mundos” convivendo e para que cada um possa Ser, nenhuma ordem deve estar pré-estabelecida.

Mudamos a mente pelo corpo e o corpo pela mente. A Yoga traz calma a mente, justamente por tirar a tensão dos músculos pelo alongamento, e uma criança é flexível  por não ter uma mente repleta de medos e crenças. Não há corpo saudável em uma mente desordenada e vice-versa.

Dificilmente atraímos para qualquer tipo de relacionamento alguém que seja oposto. Um mau momento pressupõe um mau encontro e escolhas idem.

Assim, mudar o externo é uma maneira mais rápida de mudar internamente mas, como tudo, precisa de compreensão. Quem age sabendo o motivo de estar fazendo tem um resultado mais sólido. De nada adianta repetir mil vezes que se é confiante, por exemplo, se não temos atitudes de confiança. Você poderá dizer que estaríamos mentindo a nós mesmos fazendo isso. Pode ser, no começo. Mas nunca esqueça que tudo que repetimos vira uma verdade pessoal. Mas isso só vale para atitudes, nunca para frases.

Observe como é difícil manter nossa vida financeira em ordem quando estamos em desequilíbrio, assim como nossos armários estão tão desarrumados quanto nossos pensamentos e emoções.

Tudo é resultado de ações ou da falta delas em nosso universo particular.

Outros mundos colidem com o nosso a todo momento e esse entrechocar de vontades e ânimos torna os resultados sempre imprevisíveis. Mas o que nos compete é fazer o que nos cabe para termos o que desejamos.

Quem toma uma ação nova já é “outro”, mesmo que seja com algum receio. O tornar-se outro, maior do que se era, seja por escolha ou imposição das circunstâncias precisa de uma alma maior. A antiga rasga por não se caber mais nela.

Portanto, pare de esperar que a confiança e todos os bons ventos se façam presentes para sua travessia. O bom marinheiro veleja com todo tipo de vento e só é bom porque sabe para onde vai.