julho 2013

A TERAPIA

“Veio Darwin e nos ligou a um macaco; depois veio Pavlov e nos ligou a um cão; e, depois veio Freud e nos ligou a um falo. E, como os três mosqueteiros eram, na verdade quatro, quero dizer-lhes que, pelo menos um por cento do homem é Deus…”

Oriol Anguera

“Ser normal é a meta dos fracassados.”

Carl. G. Jung

terapia

A psicologia que hoje conhecemos é bastante recente, apesar de o ato terapêutico, enquanto escuta ou psicoterapia, ser tão antigo quanto a existência do homem. Na verdade, a psicologia propriamente dita originou-se da filosofia e eram os filósofos, através de seus questionamentos sobre a verdade, a alma, o universo e tudo que envolve esse mistério que é viver, que primeiro exerceram essa função de psicoterapeutas. Mas, imagino, que desde os tempos mais remotos, quando alguém em angústia se colocava ao lado de outra pessoa, que em silêncio, porque ainda não haviam as palavras, apenas fazia companhia com interesse ou solidariedade, a terapia já existia.

Na medida em que o tempo foi passando, o que hoje entendemos por psicologia, sempre esteve a serviço da cultura dominante em cada época, dando o veredito sobre a sanidade ou a loucura de uma pessoa. Hoje, em sua variação tecnológica, a psiquiatria dispõe de medicamentos cada vez mais poderosos para ajudar a pessoa a manter-se “nos trilhos” ou voltar para eles, sem prejuízo de sua capacidade produtiva, que, no mundo em que vivemos, é o que realmente importa e move todo o sistema de saúde.

O ser humano sempre padeceu de uma enfermidade primária que é a falta de autoconhecimento, já que sem esse saber essencial, as pessoas tornam-se facilmente manipuláveis e perdem sua liberdade. Assim, o que temos visto ao longo do tempo é a psicologia moderna estabelecer limites de normalidade para seres humanos que não tem ideia de quem sejam, ou seja, muito abaixo de suas possibilidades evolutivas. Salvo exceções como os transpessoalistas, Carl Jung e outros que acreditavam que a normalidade é viver a diferença que todos temos, todas as demais formas de psicologia procuram colocar pessoas, que são diferentes entre si, em um “molde” e ajustá-las a ele, sem sequer perceber que isso é a maior violência e insanidade que se possa cometer.

Já escrevi em tantos outros textos, em aulas, palestras e conversas que todas as pessoas que fizeram alguma diferença na história da humanidade eram consideradas loucas em suas épocas. Todos eles pagaram um preço por se recusarem a usar os “óculos” padronizados das massas e decidiram ver a realidade e a interpretarem por sua própria ótica. Apesar de todas as dificuldades, percalços e sofrimento que passaram essas pessoas, elas realmente viveram seu tempo lucidamente, enquanto todos os demais vagaram como zumbis pela sua existência sem nem sequer perceber que estavam realmente vivos.

Por isso que não estranho que em laboratórios de psicologia se façam experimentos com animais. Pavlov nos mostrou como somos condicionáveis com seus cachorros e os símios e ratos ainda são utilizados para que se possa entender como os seres humanos agem. Isso é bem mais do que uma piada de mau gosto. Mas, talvez, você que me lê, possa perguntar:

Mas esses testes realmente funcionam isso está mais do que provado!

Sim, é verdade, mas somente porque uma pessoa completamente inconsciente de si mesma e de seu potencial não difere em nada de um animal irracional, ou seja, que não usa seu potencial humano (superior). Os cachorros, macacos e ratos representam esse ser humano adormecido, condicionável, que vive baseado no medo. Tem dúvida sobre isso? Veja e pesquise sobre a venda de ansiolíticos e antidepressivos em nosso mundo globalizado, moderno e desenvolvido…

A verdadeira psicologia deveria trabalhar sobre o quanto uma pessoa pode se desenvolver e não procurar adaptá-la e acomodá-la a parâmetros de um mundo doente como esse que vivemos. Esse jeito de viver que conhecemos como “normal” é assim: violentam crianças, desrespeitam-se e agridem-se idosos, torna as pessoas compulsivamente consumistas, avalia uma pessoa pelos bens que ela agrega a sua identidade, privatiza a riqueza, globaliza a miséria, sexualiza o pensamento desde a infância e obriga as pessoas a se mutilarem com o intuito de vencer a passagem do tempo e outras tantas, realmente, loucuras.

Portanto cuidado; se você não for assim e não concordar com isso, logo estará se sentindo meio solitário e fora de contexto e precisará de uma “boa” terapia para se engajar novamente e sentir-se acolhido pelos demais.

Trabalhar o potencial de cada um é investir no que torna cada ser humano único. Se fossemos todos iguais, como prega a psicologia da acomodação, todos os DNA’s seriam idênticos. Muitos estudiosos e visionários da verdadeira medicina de almas sempre viram as crises, que hoje chamamos de doenças, como um grito do cachorro, macaco ou do rato que simbolizam essa perda de si mesmo, de querer tornar-se realmente humano! Mas o que se faz? Anestesia-se, acomoda-se, para aceitarmos de bom grado uma vida medíocre, uma angústia suportável pelos bens que compramos e que vão perdendo razão e utilidade cada vez mais rapidamente.

Os sofrimentos psíquicos e, logo adiante corporais, dão-se pelo conflito de quem realmente somos e aquilo que se espera que sejamos. Quando um ser humano coloca em ordem a ecologia do seu Ser, então o equilíbrio ou a cura pode acontecer e isso deveria ser todo o enfoque terapêutico, mas isso só se dá com a vivência de nossa individualidade.

Como nos ensinam os antigos terapeutas do deserto, da época de Jesus, quando nos curamos o universo também se cura. Dessa forma, podemos sim, pensar que a doença do planeta, da sua cultura, é a doença do ser humano, justamente por ela afastá-lo de sua essência.

Vivemos em um mundo que leva a existência muito a sério, tornamo-nos fanáticos pelo que transitório, abandonando nossa verdadeira identidade, aquilo que realmente somos, que nunca nos foi permitido  viver e descobrir, se não estiver dentro do que se considera “normal”.

O ser humano é a mistura da natureza com a aventura, como bem afirma  Jean Yves Leloup. A aventura é a nossa liberdade de interpretar o que nos acontece, dar um sentido novo ao que se passa conosco, à nossa existência, a possibilidade de mudar de vida e de buscar novos desejos e conhecer novas estradas. O terapeuta deveria, porque não, tornar-se um hermeneuta, e sua prática deveria envolver a arte da (re)interpretação, de  ver as situações com outros significados.

Penso que a maior função do terapeuta, talvez não seja a de explicar, mas de estimular a capacidade da pessoa de produzir um novo sentido para aquilo que lhe acontece. A verdadeira psicologia deveria se fundamentar no que cada um tem de mais saudável, mas o que vemos é estruturar-se sobre o aspecto doente e, a partir dai iniciar o que se chama de tratamento.

Nosso limite evolutivo precisa ser parametrizado “por cima”; porque não um Sidarta, Jesus, Sócrates, Mansoor, etc.? Esses até hoje ainda seriam considerados insanos, apesar de milhões se dizerem seus seguidores. Infelizmente o parâmetro do que se espera de uma pessoa é não ser ninguém de especial!

              Há quem diga que um louco perdeu tudo, menos a razão…

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Para saber mais: “Cuidar do Ser” Jean Yves Leloup – ed Vozes

                          Os Mutantes – Pierre Weil – ed Versus

SUFISMO

“ Falo com meu amor interior e digo: por que tanta pressa?
Sentimos que há algum tipo de espírito que ama os pássaros, os
animais e as formigas – talvez o mesmo que deu a você uma cen-
telha no útero de sua mãe.

Você acha lógico estar andando inteiramente
órfão agora? A verdade é que você mesmo se afastou e
decidiu ir sozinho para a escuridão. Agora está emaranhado em
outros e esqueceu que um dia já soube, e é por isso que tudo que
você faz tem em si algum tipo de falha.”
Kabir

sufismo

Falar sobre sufismo é falar de um caso de amor à vida, da alegria de ser e estar consciente e sem medo dessa aventura que é viver. Muitos são sufis sem necessariamente terem sido iniciados diretamente, mas porque seu jeito de sentir a existência os torna assim. Buda era um sufi, Cristo e Maomé também. Mais do que um método, o sufismo é uma maneira de viver. Apesar de ser conhecido como a corrente mística do islamismo, já existia antes de Maomé.

O Sufismo pertence ao milenar grupo de “Escolas da Tradição”, ou seja, são escolas que trabalham para desenvolver a consciência de seus membros com métodos comprovadamente eficientes, alguns milenares, outros adaptados ao que de mais moderno a ciência nos traz. Nesse ponto o Sufismo é único, pois está sempre aberto e em movimento. Em artigo anterior, já falei o sobre o Zen Budismo que, para mim, são as duas Escolas mais eficientes por serem simples e diretas em seu objetivo, cada uma a seu estilo.

O Sufismo é um mundo e não uma visão de mundo, busca a transcendência sem ser uma filosofia de transcendência. Nesse ponto é importante entender o que é “transcendência”. Aqui no ocidente significa algo que não é desse mundo, enquanto que para o oriente, logo, para o sufismo, significa algo que é além do pensamento, e isso faz toda a diferença. O que importa não é diretamente chegar a Deus, mas o caminho até Ele. Muitos sufis não falam de Deus, assim como Buda não falava, mas mostram que a “estrada” até Ele é o que realmente transforma!

Está longe de ser especulativo, porque é prático, com os pés bem fincados na terra, tendo a ação no mundo como meta. Também não é um sistema, na medida em que respeita cada membro, dando-lhe o tempo necessário para ultrapassar etapas, respeitando, portanto, a individualidade. Importante lembrar que todo um sistema busca uma explicação seja para o que venha a se propor. O Sufismo não é assim porque sabe que a explicação está dentro de cada buscador. Portanto, respeita esse Mistério que somos. Como diz Bhagwan Shree Rajneesh, “e’ como um dedo apontando para a lua, o dedo não é a lua, mas nos mostra a direção”.

Esse “método”, se assim podemos chamar, passa pelos contos, poesia, música e silêncios que acompanham os encontros e práticas pessoais. São indícios, favorecem insights, lampejos, não para tornar o “desconhecido” conhecido, porque dessa forma, estaria impondo verdades, mas para que cada um mergulhe em seu próprio Mistério. Os contos, poemas e histórias não são filosóficos, mas indicações (dedos que apontam) e que, além de uma profunda mensagem para reflexão e ensinamento, respeitam, suavemente, o momento de cada um, como uma semente que plantada corretamente escolhe a melhor hora para brotar com vigor.

Os sufis gostam de sentar, conversar e buscar o entendimento escondidos nessas estórias, de pensar livre e profundamente reunidos em um círculo, imagem mais antiga de Deus.

Aquela estória que foi tema de algum encontro, entendida naquele momento, tempos após ganha outro significado, outra profundidade. Por isso, tem por séculos, alavancado consciências e despertando buscadores.

Outras escolas (a maioria delas) têm seu foco na mente, vencê-la e transcendê-la, como o Zen, que é a Escola dos Samurais. O símbolo dos Sufis é o coração. O coração não briga com a mente, é indiferente a ela porque a entende e sabe porque ela é assim, tão mentirosa e insegura. Sua meta é a amorosidade com plena consciência, não são guerreiros, mas amantes, amigos de Deus. Sendo que esse Deus não é uma personificação, mas essa inteligência que cria e faz fluir o universo e que habita como uma centelha no interior de todos nós. O Sufismo busca desobstruir dentro de cada um essa distância e fazer florescer a centelha na sua consciência plena.

Sua pedagogia é feita de lições, histórias e poemas, que para serem apreciadas corretamente precisam de relaxamento, entrega e ausência de tensão. É como tomar um vinho especial ou um chá com um querido e antigo amigo. O caminho é o da leveza, do riso e da confiança.

Os sufis não tem crenças, afinal respeitam todas as correntes e tiram dela o que há de melhor se permitirmos descartar o que sobra, simplesmente porque são pessoas livres, já que crenças significam falta de flexibilidade, tensão e pouca tolerância. Como o caminho é o do coração, buscam a confiança. Crença é da mente, confiança é do coração, por isso que o membro de qualquer religião pode ser um Sufi, desde que esteja de coração aberto e consciência límpida de dogmas e verdades definitivas. A confiança é gentil e livre, a crença agressiva porque está presa. Quando não conseguimos confiar, precisamos de crenças para acalmar nossos medos.

O Sufismo não faz jogos mentais, é prático! Por isso além dos ensinamentos, são oferecidos exercícios que permitem mergulhos profundos no interior, práticas que,  de forma lenta e segura, levam ao autoconhecimento que é o outro nome para Deus. Em suas reuniões, partilham seus sentimentos e percepções. Com isso sempre saem enriquecidos, já que, além do entendimento próprio, ouvem o “sentir” dos demais e a cada sentimento colocado, ampliam e aprofundam o seu.

Sua ritualística é simples, mas de profundo significado. As iniciações são verdadeiros momentos de “despertar” e todo o ensinamento busca manter seus membros perceptivos, vivendo em paz e, por buscarem estar conscientes, aproveitando o que de melhor a vida oferece: o momento presente!

Quando falam de Deus, mostram maneiras de chegar a Ele. Não dizem onde fica o paraíso, mas buscam vivê-lo aqui e agora. Os sufis sabem que fugir do mundo não traz nenhuma descoberta, já que se estão nesse mundo, é para dentro dele, do jeito que ele é que buscam encontra a plenitude. Para o Sufismo qualquer livro é bom; pode ser alcorão, bíblia, Gita, Vedas, Torá etc. Por isso não são nem de longe uma religião, porque sabem onde todas erram, mas trabalham a religiosidade, na medida que sabem que Deus está tão próximo quanto nossa veia jugular. Como dito anteriormente, investigam o essencial de cada religião, filosofia e pensamento, descartando o não essencial, afinal toda essência é eterna, só o que perece é o não essencial.

As estórias sufis não pretendem buscar o status de filosóficas, portanto não existem para serem “discutas”, apenas as ouça como uma criança e vá penetrando no âmago e seu ensinamento vai se revelando. Quando Cristo disse que só as crianças encontrarão o Reino, estava se referindo a essa percepção inocente, viver com leveza em uma saudável brincadeira.

Logo abaixo, uma dessas estórias, assim como o poema de Kabir que ilustra esse texto. Uma das mais curtas e profundas que mostram que a busca é sair dos condicionamentos que nos fazem vagar pela vida sem percepção, apenas repetindo, morrendo sem nunca ter nascido para o que realmente são. Ao final de seus encontros, a despedida não é um “até logo” ou “fique bem”. É um abraço e uma lembrança: Permaneça acordado!!

-Um homem se aproximou de um sufi e perguntou:
-Como se sente?
-Como alguém que acordou pela manhã e não sabe se estará vivo à tarde. Respondeu o sufi.
– Mas isso acontece com todos! Afirmou o homem.
Ao que o sufi respondeu: – Mas quantos tem consciência disso?

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Para saber mais: “A sabedoria das Areias – discursos sobre sufismo” OSHO

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