março 2013

A utopia chamada PERDÃO

“E, quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial perdoe os seus pecados. Mas, se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não perdoará os seus pecados”.

Marcos 11:25-26

                                                                                                                                                                    perdao3

Uma das coisas mais difíceis é perdoar, justamente por que o tipo de perdão que as religiões exigem é tão complicado que se torna quase impossível de ser conseguido, já que nossa mente não foi projetada para isso. E, nesses casos, torna-se algo muito irônico, já que a pessoa que foi machucada ou ofendida por outrem, sente-se culpada por não conseguir o tipo de perdão que se exige e que se pede para ter validade. Assim, o prejuízo é dobrado; além da ofensa recebida ainda mais a culpa de não perdoar. Haja sofrimento!!

Para entendermos como é difícil, precisamos entender o funcionamento do cérebro, para, por fim, procurarmos o perdão “possível” de ser conseguido. Toda a vez que vemos ou sentimos algum objeto, o processamento dessa informação é realizado no córtex que fica na área externa do cérebro e se parece com uma grande lesma, toda enrolada. Ao receber o estímulo, o córtex faz o trabalho de detalhar o objeto usando seus registros de memória para saber se ele já é conhecido, tendo, portanto um nome. Se não for, sua atenção é despertada e, por medo (preservação) você verificará cuidadosamente se oferece ou não algum perigo.

Agora, imagine que uma vez você foi atacado e mordido por um cachorro e, além do susto, esse incidente tenha trazido muita dor. Esse momento ficará então gravado nas amígdalas* (não são as da garganta), que por não terem um programa muito sofisticado, não analisam se o perigo é algum animal pequeno ou que realmente possa feri-lo novamente. Assustaremos-nos em qualquer lugar, seja no cinema, parque de diversões, casa de amigos, etc, sempre que ouvirmos ou percebermos qualquer sinal da presença de um cachorro, mesmo sabendo que nossa saúde não corre risco algum. As amígdalas dão o alarme ainda que o córtex insista em afirmar que está tudo bem.

 Assim, toda a vez que seu córtex detectar algum estímulo que se chame “cachorro” seu sistema de defesa entra em ação provocando medo, já que isso fez sofrer no passado e pode fazer de novo, e sofrer, para nosso sistema, pode causar nossa morte. É claro que, passado alguns segundos, o córtex, mais sofisticado que as amígdalas, avisará que, eventualmente, o cachorro não oferece risco, por exemplo, por estar preso. Mas do susto você não escapa! Isso explica porque muito dos medos serem irracionais e até motivo de graça por quem não entende o processo.

Toda essa explicação, bem simples, foi dada para dizer que não precisa ser mordida de cachorro, afogamento, acidente de carro ou qualquer outra coisa desse tipo. Pode ser também uma ofensa, uma traição, uma agressão verbal ou física, etc. Todo e qualquer evento que traga susto ou sofrimento ficará gravado no nosso computador chamado cérebro, sem análise de qualidade ou conteúdo. É um sistema igual ao dos irmãos animais que fazem parte da natureza, assim como nós.

E acontece de alguém nos fazer sofrer, seja pelo que for, e depois vem o pessoal do “deixa disso”, dando aquele conselho: Perdoe! Esqueça! Não vale a pena ficar assim! E tantas outras bobagens desse tipo. E você, um ser humano que tem o cérebro funcionando, fica fazendo uma tremenda força para conseguir algo muito difícil, que é apagar do seu sistema o ocorrido para que você possa “amar” aquela pessoa, desejar-lhe toda a felicidade do mundo e, como se já não bastasse, você deveria fazer de tudo para ajudá-la para mostrar que tudo foi “esquecido”.  Por favor!!!! E o pior, como já foi colocado, é que nos sentimos culpados por não conseguirmos perdoar, afinal, se, por exemplo, Jesus nos perdoou, como que não conseguiríamos fazer isso com essa pessoa?

Então, para não parecer tão perverso, você engana a si mesmo, fingindo que esqueceu tudo, que está tudo bem, afinal é isso que Deus, ou seja lá quem for, quer de nós. Depois de um tempo, essa repressão pode muito bem se transformar em alguma doença autoimune (provocadas pelo próprio organismo), por fazermos de conta que nada houve, isso ainda temperado pela culpa (consciência pesada) de não conseguirmos esquecer.

Assim como o latido ativa o sistema, qualquer situação semelhante ou mesmo ver somente a foto do agressor fará com que o ocorrido volte a nossa percepção para que possamos nos defender. Isso é automático, faz parte do corpo e nem quinhentas ou mil preces resolverão, muito menos confessar esse “pecado” para outra pessoa, que também tem um sistema igual ao nosso, possa nos perdoar.

Então qual é o perdão possível?

O que dá para fazer é o que chamamos de ressignificação, que nada mais é do que darmos uma outra versão do acontecimento, entendendo por outro ângulo, encontrando razões e até mesmo, por que não, vantagens no que aconteceu. Podemos entender o mau momento da pessoa, buscarmos entender que ela projetou sobre nós seus problemas e frustrações ou que isso nos ajudará no futuro como um aprendizado que nos tornará mais fortes, etc.

 Isso, com o tempo vai minimizando o efeito, simplesmente, porque nós colocamos isso de outro jeito dentro da nossa consciência. Agora, voltar a ser como antes, esqueça! Se já viu, estamos diante de uma rara exceção ou de um grande ator ou atriz. É a metáfora do copo rachado. Dá para ficar com ele por vários motivos, mas ele não será mais como era antes do evento. Esqueça e nem faça força para isso, que só vai colocar fora energia e ainda se sentir mal por não conseguir o impossível.

Existe uma infinidade de maneiras de dar esse outro sentido, e qualquer uma é totalmente verdadeira, você é livre para isso! Depois de encontrar essa nova “versão”, basta ter atitudes que demonstrem isso e seu perdão possível poderá ser atingido. Mas lembre de que só conseguirá o possível, nada mais!

Conta-nos a história que minutos antes de morrer, Jesus teria olhado para os céus e teria dito: “Pai, perdoe porque eles não sabem o que estão fazendo!”.

Me permito pensar: se Jesus, ao ressignificar o que estava ocorrendo com ele, dando uma desculpa para aplacar uma eventual ira de seu Pai ou mesmo na citação que abre esse artigo, onde Deus não nos perdoará se não perdoarmos, não estaria demonstrando que até Deus tem córtex e amígdalas?

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*Amígdalas – A amígdala, uma pequena mas importante porção do cérebro, está envolvida na produção de uma resposta ao medo e outras emoções negativas. A amígdala é fundamental para a auto-preservação da espécie por ser o centro identificador do perigo, gerando medo e ansiedade e colocando o animal em situação de alerta, aprontando-se para se evadir ou lutar.

Disponível:

http://www.psiqweb.med.br/site/DefaultLimpo.aspx?area=ES/VerDicionario&idZDicionario=72

A HORA DE AVANÇAR

A semente nunca está em perigo, lembre-se disso. Que perigo haveria para a semente? Ela está completamente protegida. Mas a planta está sempre em perigo, a planta é muito delicada. A semente é como uma rocha, dura, protegida por uma crosta grossa. Mas a planta precisa enfrentar mil e um perigos. E nem todas as plantas atingirão o estágio em que poderão florescer em mil e uma flores…

Poucos seres humanos atingem o segundo estágio e, desses, muito poucos atingem o terceiro, o estágio da flor. Por que não podem atingir o estágio da flor? Por causa da ganância, por causa da miséria, não estão prontos para dividir…Por causa de um estado em que há falta de amor. É necessário coragem para tornar-se uma planta, e é necessário amor para tornar-se uma flor.

Uma flor significa que a árvore está abrindo seu coração, liberando seu perfume, oferecendo sua alma, vertendo seu ser na existência. Não continue sendo apenas uma semente. Reúna coragem: coragem para deixar para trás o ego, coragem para deixar para trás sua segurança, coragem para se tornar vulnerável.

Osho – O Livro da Transformação

 

Existem alguns requisitos que se fazem necessários para que as pessoas iniciem sua “jornada” em busca de elevar seu nível de entendimento, buscando fugir da normose e encontrar paz em si mesmas nesse mundo caótico. A cada época evolutiva, a humanidade, dentro do que era possível, sempre, em sua maioria, fez da vida uma grande confusão; seja na época de guerras sem sentido (isso ainda não mudou), seja quando a intolerância religiosa matava milhares e milhões (isso ainda continua), ou atualmente, onde a busca de satisfação e prazeres materiais estão levando todos a um nível altíssimo de ansiedade.

E o mundo sempre será mesmo um caos, justamente para que cada um, por mérito, encontre o cosmo dentro de si. Estar nesse mundo sem ser desse mundo é o princípio das principais Escolas iniciáticas ao longo da história. Se a afirmativa de que somos seres espirituais em uma jornada material for verdadeira, e é, justifica o tumulto exterior (materialidade) e busca interior (espiritual). Assim caro leitor, não perca tempo em esperar que a vida melhore, que as pessoas se tornem mais conscientes e mais fraternas, que acabem os conflitos por interesses econômicos, políticos e religiosos. Isso nunca vai acabar porque a esmagadora maioria das pessoas mantêm-se alheias a tudo, seguindo pela vida como verdadeiros zumbis, mortos evolutivamente, mas parecendo vivas, já que seus corpos continuam funcionando.

Mas, para aqueles que se deram conta de que o modo de se viver e pensar a vida atualmente é doentio, surgirá dentro de si uma necessidade de buscar esse entendimento superior, e isso passa por algumas condições, sem as quais essa busca não poderá ser empreendida.

A primeira delas é ter uma vida ordenada, e o que isso significa? Isso significa que é necessário cuidar de si mesmo, da saúde do corpo e emocional. Ter um sono reparador e não se entorpecer com drogas de todos os tipos, nem buscar compensações em comida, compras e bebidas. Sem que o corpo esteja saudável, não há como a sensibilidade e a percepção possam assimilar o conhecimento e, ao mesmo tempo, tirar proveito das práticas que serão exigidas no processo evolutivo.

A segunda é ter um bom nível intelectual, afinal, para ler e entender é preciso ter uma mente treinada e receptiva às novas informações que chegarão. E isso é dado por leituras variadas, apreciar bons filmes, curtir música de qualidade, ir a um teatro e outras atividades que desenvolvem a percepção e ampliam a sensibilidade. A leitura é fundamental, afinal pensamos em palavras e quanto mais palavras soubermos mais nosso pensamento fica abrangente. E nessas leituras incluem-se biografias de pessoas que se admire, pensadores importantes com quem se afine, ficção, livros que tragam as mais recentes descobertas científicas e aqueles textos que passam pelo tempo sem perder validade e importância. É claro que depois que você se identificar com alguma ideia ou filosofia, ler e ler cada vez mais! Dentro do quesito leitura, também recomendo saber sobre outras correntes de pensamento, mesmo as antagônicas, para sempre estar reavaliando se continuamos onde estamos ou fazemos ajustes em nosso entendimento, já que mudar de ideia é coisa de gente sábia. Ficar preso a qualquer conceito ou crença sempre desenvolve o apego e o medo, afinal poderemos sofrer muito se descobrirmos que não era bem o que pensávamos. Lembre que a vida é baseada em flexibilidade e a rigidez (que tem a ver com nunca mudar de ideia) está ligada a morte.

O terceiro quesito é ser uma pessoa livre. Quando falo de liberdade, não falo de estarmos fora da cadeia, mas de possuirmos as condições de ir e vir no mundo com qualidade. Evidentemente que essa liberdade está muito ligada ao aspecto financeiro. Nenhum dos dois requisitos anteriores será útil se o buscador não dispuser de recursos para comprar os livros, fazer seminários e outras atividades que inevitavelmente surgirão ao longo desse percurso. Mesmo que venha a ser convidado a participar de alguma Escola ou grupo dedicado a estudos com os objetivos acima, isso necessitará de dinheiro, afinal o local de encontro e os livros ou apostilas tem um custo, que sempre é rateado entre os membros.

No mundo que vivemos, e de certa forma sempre foi assim, só é mesmo livre quem tem recursos para poder fazer o que quer. Poderíamos até questionar se, nesse caso, não estaríamos presos ao dinheiro. Na verdade, se não geramos os recursos, não temos liberdade, o que significa que o conceito de liberdade está “preso” ao compromisso de se trabalhar para consegui-lo. É um paradoxo, mas perfeitamente fácil de compreender.

Então, será que termos uma vida ordenada, bom nível cultural e recursos são suficientes para buscarmos essa evolução? Sim, mas desde que estejamos profundamente insatisfeitos com nosso estado de percepção atual e não queiramos assim permanecer. Para isso precisaremos não aceitar mais e nem negociarmos nossos passos evolutivos e estejamos dispostos a enfrentar, sem medo, todas as consequências que as grandes mudanças sempre trazem. Os nossos relacionamentos sempre sofrerão algum atrito, afinal não há como não mudarmos sem afetar nossos relacionamentos e isso sempre tem um preço.

A partir daí, almejar um estado evolutivo maior, buscar e encontrar esse cosmo pessoal e poder compartilhar com pessoas que tenham os mesmos objetivos comporá o que se precisa para a “grande viagem” que se empreenderá até o âmago de nosso ser, onde nada que for externo nos tirará do caminho.

Gurdjieff sempre disse que o ser humano tem muito medo de fazer esse caminho, justamente por ser muito mais cômodo e sem riscos ficar como está, em uma vida mecânica, cumprindo a cartilha do status quo, esperando que a promessa de que se for uma boa ovelha, o grande pai será benevolente com ela no juízo final.

Posso observar que muitas pessoas sonham com essa busca, mas, infelizmente não conseguem ainda, cumprir os pré-requisitos necessários. Talvez elas esperem que algum milagre torne tudo mais fácil ou ainda não sofreram o suficiente para se permitirem embarcar na única viagem que elas vieram cumprir, verdadeiramente, em suas existências.

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