fevereiro 2013

ALGUÉM ZELA POR NÓS?

“Cada haste de relva tem seu Anjo,

que se inclina sobre ela e sussurra:

cresce, cresce.”

Talmude

Várias religiões e filosofias defendem a ideia de que existe algo ou alguém, destituído de um corpo físico que desde o nosso nascimento zela por nós. Esse acompanhante, segundo essa crença, possui um nível evolutivo superior ao nosso e tem por função nos ajudar em nosso desenvolvimento e, há quem diga, que também cuida de nos tirar de algumas enrascadas que nos metemos pela nossa infantil percepção. Para uns são os Anjos da Guarda, para outros são chamados de Mestres e assim por diante.

A questão que se coloca é se realmente somos tão infantis assim, que, pela vida toda,  temos a necessidade desse guardião estar atento durante 24 horas por dia nos sete dias da semana. As crianças, segundo a crença popular, precisam desse amigo ainda mais atento para evitar que se machuquem, já que não tem ainda o medo de morrer e são repletas de curiosidade. Qualidades essas que, depois de algum tempo, a maioria perde e cai no sono da “normose” levando seu protetor a um tédio, imagino, só mesmo suportável por quem tem uma missão divina.

Fico sempre pensando quando ouço alguém dizer que seu “santo é forte” como andamos mesmo à deriva pela vida. Como necessitamos acreditar na sorte ou azar para justificar nossas ações totalmente inconscientes e termos essa “carta na manga” que é o nosso anjo ou nosso santo predileto a quem recorremos quando nossas possibilidades se extinguem. E, dentro dessa multidão de necessidades, temos os responsáveis por nos arranjarem um cônjuge, a achar coisas perdidas e até mesmo, nos proteger durante as tempestades, onde a natureza mostra sua força e as crianças de todas as idades temem o castigo do papai. Além é claro do anjo que vem nos buscar quando termina nossa passagem, vestido solenemente de preto, como não poderia deixar de ser! Já que vivemos uma época de especialistas por todos os lados, porque não no céu também?

Nosso anjo é essa parte de nós que nos empurra para a evolução, que se deposita nas profundezas de nossa psique e que chamamos de Self, Eu superior, Atman (e tantos outros nomes), que sempre nos diz o que realmente queremos e onde precisamos chegar para nos sentirmos realmente plenos e libertos desses medos que aprendemos e que formam uma parede, atrás da qual se esconde nossa natureza essencial.

O nome não importa tanto quanto tomarmos essa consciência. Os meditadores mais experientes dizem ter encontrado esse ponto de silêncio que os preenche completamente ao suplantar a mente agitada e medrosa que não para de falar que poderemos passar por dificuldades e que tudo dará errado. Dizem eles que essa paz atrás da mente é o paraíso (nirvana), onde tudo fica claro e se enxerga a verdade, sempre escondida pelas nossas interpretações provindas da nossa domesticação.

Carl Jung dizia que os anjos eram “amorais” em certo sentido e, refletindo sobre isso, concluo que isso é mesmo verdadeiro, já que tem horas que o nosso “anjo” ou “eu superior” nos recomenda o que não está dentro da cartilha de certo e errado que cumprimos. Nem sempre o que precisamos e para onde devemos ir é certo para a maioria e sempre que isso acontece, mesmo antes de fazer seja o que for, vem a culpa de desafiar o que está estabelecido.

Meister Eckhart dizia que os anjos representavam as ideias de Deus e para Jung os anjos personificavam a tomada de consciência de algo novo que vem do inconsciente mais profundo, ou seja, quando tomamos ciência de nós mesmos e da nossa trajetória. Assim, consciente e inconsciente ou o lado externo e interno são reconciliados pelo “anjo” que evita que nossa vida se desorganize e se torne um desastre. Temos em nós essa parte ou anjo que mantém um mínimo de equilíbrio e passamos a vida sem tomar ciência da sua existência, apenas usufruindo de seu trabalho.

Já tive oportunidade de escrever em artigos anteriores que sempre observo que as pessoas sempre, sempre sabem o que realmente querem e o que precisam fazer. O que ocorre, é que muitas vezes isso está encoberto da consciência pelo medo. Nosso “eu” saudável está sempre clamando por atenção, mas sua voz ainda é baixa se comparada a que ouvimos desde sempre.

Dizem que Deus se manifesta pela boca dos homens e isso é a mais pura verdade. Nós, de alguma forma, já cumprimos essa tarefa quando prestamos alguma ajuda ou uma palavra desinteressada a alguém que podemos até nem conhecer. Esses são os “anjos” genéricos, que somos em alguns momentos, e outros o tempo todo por vocação.

Cabe-nos, evolutivamente, buscarmos incessantemente nos ouvirmos mais ou nosso anjo, como queiram. Não importa sua crença, o que realmente importa é estarmos disponíveis e de ouvidos bem atentos ao que vem de dentro de nós, a essa voz amorosa que quer nos levar a frente para enfrentar com naturalidade as dificuldades que a vida pode ou não nos trazer, mas que fazem parte do caminho. Só com algum silêncio interior será possível essa “conversa”.

Tenho certeza que de alguma forma todos já passamos pela experiência de perceber que o enfrentamento foi muito mais fácil do que se imaginava e nos lamentamos por não termos tido coragem antes. Nosso problema é que sempre esperamos o último momento, já quando não se aguenta mais. Até então esperávamos o milagre, mas nosso bom anjo sabe que precisamos mesmo é enfrentar para aprendermos a não confiar no medo.

É isso que o Talmude quer dizer com esse “anjo”, ou pelo menos é assim que interpreto, já que sei que temos essa liberdade de sermos o que nossos atos mostram, queiramos ou não. Isso é livre arbítrio, onde a inteligência indescritível que permeia tudo que nos cerca, confia que buscaremos sempre o melhor caminho em busca de evolução.

Tem “alguém” dizendo em seu ouvido: cresce, cresce!

Higiene emocional

 A educação para o sofrimento, evitaria senti-lo, em relação a casos que não o merecem.

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Penso ser importante refletirmos se cuidamos bem da nossa higiene emocional. Tenho certeza que a maioria das pessoas cuida da limpeza e conservação do seu corpo, afinal aprendemos isso desde criança como sendo algo importante em nossa vida. Porém vejo poucas pessoas que se preocupam com o que entra pelos seus olhos e ouvidos.

Podemos usar como “gancho” esse trágico acontecimento no último final de semana onde mais de 240 pessoas morreram em um incêndio em uma casa noturna. Da tragédia em si, que vitimou tantos jovens, não há muito mais a acrescentar, até porque a mídia com suas diversas faces expôs durante dias e horas o desespero dos familiares, dos amigos, os corpos, os depoimentos dos especialistas e tudo mais que pudesse manter as pessoas durante horas e dias focadas nesse acontecimento.

Mas, afinal, porque gostamos tanto de ficar assistindo os desdobramentos dessa e de outras tragédias, porque a desgraça e o sofrimento vendem tantos jornais, revistas e mantém as pessoas ligadas nisso?

Solidariedade? Somente até o ponto em que você se movimenta e toma uma atitude de ajuda, como, por exemplo, doar sangue para as vítimas, arrecadar alimentos,  contribuir financeiramente ou despender seu tempo em trabalhar como um voluntário no local do evento.

Se não for nenhum dos itens acima, e isso inclui 98% dos leitores e telespectadores, é puramente um consolo para suas próprias dificuldades e uma acomodação diante dos problemas que não consegue resolver em sua vida. É como se a tragédia do outro me consolasse e tornasse a minha suportável. Como se vendo outras pessoas em sofrimento profundo mostrassem que o meu nem é tão grave assim! Dessa forma, ficar horas, dias vendo  e comentando esses acontecimentos ajuda tirar o foco de mim mesmo, e o pior: me acomoda na minha tragédia pessoal.

Tenho certeza, até porque já ouvi jornalistas comentando, seja em programas sobre o funcionamento da mídia ou até mesmo por pura observação que, se tivéssemos um jornal impresso ou uma televisão apenas de boas notícias (elas acontecem tanto como as más), esta sairia do ar ou entraria em falência em poucos dias. As pessoas não se interessam por isso, justamente porque boas notícias, pessoas realizadas e felizes também mostram o quanto não estamos bem ou tristes com nossos rumos. Isso nos incomodaria, trazendo um desconforto que faria com que trocássemos de canal imediatamente ou não comprássemos mais esse “jornalzinho sem graça”. O que vemos são as boas novas encerrando o noticiário televisivo ou no rodapé de uma página no meio do jornal.

Alguns iludidos podem até dizer que ficam diante da tragédia por horas a fio em solidariedade com as vítimas e suas famílias! Pura bobagem! Infelizmente nossa cultura adora e valoriza toda a forma de sofrimento e sofrer junto vira solidariedade. Não defendo a alienação, mas, se não conhecemos os envolvidos e suas famílias, ficar em agonia e tristeza futricando em cima do assunto é uma atitude, emocionalmente falando, muito pouco inteligente, até porque não gera nada de útil, pelo contrário!

Nossa mente se identifica com tudo que vê e ouve, sendo assim, se, por exemplo, você está assistindo ao relato desesperado de um pai ou uma mãe que perdeu um filho de forma trágica, imediatamente você se colocará no lugar dessa pessoa, buscando, para entendê-la ou solidarizar-se com ela, sentir o que ela está sentindo. Como já sabemos por artigos anteriores, nosso metabolismo é movido unicamente por nossos pensamentos, não importando se são frutos da realidade ou imaginação. Nesse momento de “profunda solidariedade” hormônios de sofrimento (estresse), sensação de angústia e tristeza tomam conta do seu corpo com efeitos não só sobre sua saúde, mas também sobre seus comportamentos e atitudes nas horas e dias seguintes. Lembrando que, na realidade, não está acontecendo nada disso com você!

Ver a notícia, saber o que houve, se algo pode ser feito, fazer uma prece ou oração pelas vítimas e seus familiares é uma coisa, ficar sofrendo junto, aí já é falta de inteligência emocional. Solidariedade é ação, não imaginação!

Assim como uma pedra que cai em um lago cria ondas a seu redor, nossas decisões e ações na vida estão intimamente ligadas ao nosso estado imaginativo, logo, emocional. Imagine que, depois de ficar pensando e se colocando nos lugar das pessoas envolvidas, se seria tão improvável poder ficar sem a concentração suficiente para dirigir, ou  resolver se vai ou não a algum lugar ou ainda se aceita um convite seja para o que for? Todos sabemos que nosso humor é fator decisivo na maneira como interpretamos o que está acontecendo. Cabe nunca esquecer que a cada segundo estamos tomando decisões (a maioria sem sequer estar percebendo) que muda o rumo de nossa vida e decide nosso destino.

Evite tragédias, más notícias e sofrimento de todo o tipo! De um jeito ou outro você vai ficar sabendo, basta abrir a página de seu provedor de internet, ligar o rádio do carro ou passar pela banca de jornal. Saber já basta! A partir daí, se não houver nada prático e útil que você possa fazer, fique na realidade de sua vida, toque seus projetos e curta os momentos em que as tragédias e as notícias desagradáveis não estejam realmente acontecendo com você. Problemas todos temos, cada um os seus, e já são suficientes para sofrermos, imagine acrescentando os que não são nossos!

É incrível que a simples higienização (repito: não é alienação) faz diferença na vida de pessoas com depressão e com níveis altos de ansiedade. Não é uma ideia, mas um fato que comprovo com meus consulentes no consultório todos os dias, já que faço disso uma praxis terapêutica.

Essa semana, uma consulente que está pondo em prática várias mudanças, incluindo esse cuidado com o que vê e ouve, me perguntou se ela não estaria ficando muito “fria” em relação ao sofrimento dessas pessoas. É claro que não, ela está apenas sendo seletiva e cuidadosa com sua emoção, diminuindo inteligentemente sua carga de sofrimento. Na verdade, ela somente está se acostumando a sentir-se bem por mais tempo. Colocaram tantas bobagens na nossa cabeça, que nos sentimos até inadequados quando nos percebemos em bem-estar prolongado com “tantas tragédias a nossa volta”.

Acho até paradoxal quando vejo que eventos estão sendo cancelados em solidariedade as vítimas. É claro que elas merecem todo o apoio de seus amigos, familiares e de todos que possam realmente ajudar. A ironia toda é que 1400 crianças morrem por dia no mundo* de fome e nada acontece, nem se fala… Um avião cai, mata 300 pessoas e vira notícia no mundo todo, no mesmo dia, milhares e milhares morreram em acidentes de trânsito e, salvo que tenha sido alguém famoso ou muitos em um mesmo acidente, não é notícia.

A verdade é que o ser humano, na sua maioria, adora tragédias, desastres e o sofrimento alheio. Espero ter conseguido refletir sobre isso. Até podem ter outros motivos (fiquem a vontade nos comentários), mas penso que não são tão óbvios como os que discutimos nesse artigo.

Quando tomamos banho todo o dia buscamos retirar as impurezas do nosso corpo e trazer bem-estar. Faça isso com seu emocional também! Mas se sofrer pode fazer falta, ao invés de precisar de notícias para isso, torture-se com algum chicote ou deite-se em cama com pregos que o sofrimento é garantido!

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*http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/pelo-menos-cinco-criancas-morrem-de-fome-por-minuto-diz-ong

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